A
armadura de cafajeste é realmente impenetrável? Cumpadi Washington
responde
Ricardo
Coiro
Outro
dia, entre um chope gelado e fritas bem oleosas fizeram-me a seguinte
pergunta: “Os cafajestes têm salvação?”.
Como
eu reagi? Reagi feito o político escorregadio que diz, diz, diz, mas
que, na verdade, não diz coisa alguma. Apenas enrolei.
Agi
assim, irmão, porque eu não tinha a menor ideia da resposta. Porém,
saí daquele bar decidido a descobrir o xis daquela questão. E não
demorei a ligar para um amigo muito sábio:
–
Cumpadi
Washington?
–
É
ele. E quem é a ordinária que resolveu me acordar?
–
É
o Ricardo Coiro! Aquele cara que, dias antes da sua participação na
Banheira do Gugu, deu-lhe um amuleto contra ereções fora de época!
Sabe?
–
Claro!
Como eu poderia me esquecer daquela foto da sua avó pelada e do
quanto ela foi útil para evitar que eu ficasse ereto em rede
nacional?
–
Que
bom que eu ajudei, irmão. Mas agora é a sua vez. Pode ser?
–
É
só pedir.
–
Cumpadi,
você sabe se os cafajestes têm salvação?
–
Pau
que nasce torto nunca se endireita!
–
Mas
você não acha que...
–
Sabe
de nada, inocente!
E
assim acabou o meu papo com o ícone do axé. Porém, algo me dizia
que eu precisava, urgentemente, de uma segunda opinião. Mas a quem
recorrer? Foi aí que eu tive a brilhante ideia de ligar para um
grande amigo e cafajeste de carteirinha:
–
Zé,
é o Coiro. Tudo bem?
–
Tudo
ótimo, cara.
–
Preciso
bater um papo com você. Onde você está?
–
Tô
aqui no bar do Pedroso. Passa aqui!
Eu
fui.
Assim
que ele me viu entrar no bar, pediu licença à morena que estava com
ele e apertou o passo para me abraçar. Eu não demorei a entrar no
assunto que, naquele momento, deixava-me aflito:
–
Zé,
os cafajestes como você têm salvação?
–
Claro
que não, Coiro. A cafajestagem está em nosso DNA, corre solta em
nossas veias. Somos “cafas” desde o útero!
–
Mas
você nunca...
–
Nunca,
Ricardinho, nunca!
–
Mas
nem...
–
NUNCA!
Foi
aí que eu percebi que havia algum trauma cravado nas profundezas do
Zé.
E, para tentar aflorá-lo, pedi uma garrafa de tequila ao
garçom.
O
Zé se manteve o mais imutável dos cafajestes até o décimo copo.
Depois disso, como eu nunca havia visto, ele iniciou uma longa sessão
de choro.
Chegou até a babar sobre a lapela da minha camisa.
E fez
uma confissão que parecia estar, há tempos, entalada na goela dele:
–
Um
dia eu fui romântico, cara. Fui romântico pra caralho. Fui bem mais
romântico do que o Roberto Carlos em Dia dos Namorados. Mandava
buquês enormes, escrevia poesias que deixavam as músicas do Fábio
Jr. no chinelo, escondia bombons sob o travesseiro dela e fazia
serenatas daquelas bem açucaradas. Até que, um dia, eu resolvi sair
mais cedo do trabalho. E adivinha o que aconteceu? Peguei a Marina na
cama com o veterinário do Rex. Abri a porta do quarto e flagrei-a
emaranhada com aquele homem cheio de pelos nas costas. Foi foda.
Demorei mais de seis meses para me recuperar. E quando parei de ter
pesadelos com aquela cena, resolvi que seria o mais frio dos seres;
que não me doaria, por completo, nunca mais. E desde aquele dia
forço-me a permanecer à prova de amores e envolvimentos mais
longos. A verdade, Ricardinho, é que morro de medo de me machucar.
Sabe aquela pessoa que, depois de perder um cachorro querido, nunca
mais tem outro bicho de estimação? Esse sou eu no amor. Um ser que
faz de tudo para não se apegar, com medo de sentir, novamente, a dor
do necessário desapego. Consegue me entender?
Depois
do desabafo, o Zé dormiu no meu colo, com as pálpebras inchadas e a
respiração cheia de alívio.
Como se tivesse, enfim, tirado um
pedaço de carne seca que, há anos, estava entre seus dentes.
E
eu, depois de enfiar uma nota de cem no bolso de um simpático
taxista, que aceitou levar o Zé em segurança, escrevi um e-mail
para a moça que havia me perguntado se os “cafas” têm solução:
“Não
sei se existem cafajestes que assim são por influência genética e
que, independente das experiências que terão, dessa maneira
continuarão a ser até o dia da morte.
O que sei, de fato, é que
alguns homens, depois de desilusões amorosas traumáticas, tornam-se
cafajestes por opção.
Caras que, impulsionados pelo medo de terem
que encarar uma nova frustração sentimental, transformam-se em
“cafas”.
Mas será que essa armadura de cafajeste é, realmente,
impenetrável? Tenho certeza que não.
Sabe o que é capaz de
furá-la? A paixão.
Quem nunca viu um homem que se dizia o mais
indomável dos cavalos, por causa de uma paixão fulminante,
tornar-se, abruptamente, um poodle obediente?
Eu já presenciei
vários casos assim.
A
verdade é que muitos vivem a berrar que são cafajestes convictos
porque ainda não conheceram o potencial embriagante e transformador
que tem a paixão.
Ou porque já perceberam que ser romântico pode
ser bem doloroso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário