Quando
elas vão juntas ao banheiro retocar a maquiagem, sua reputação
está em jogo
Ricardo
Coiro
Quando
certa manhã Ricardo Coiro acordou de sonhos intranquilos,
encontrou-se em uma cama metamorfoseado num inseto monstruoso.
Estava
deitado sobre asas moles como cetim e, ao levantar um pouco a cabeça,
viu-se refletido na lateral de um relógio cromado, que marcava
16h20.
–
O
que aconteceu comigo – pensou.
Não
era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um
pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem
conhecidas.
Tudo
estava igual, menos o Coiro que, devido a uma macumba feita pela
ex-namorada, havia se transformado em uma mosca.
–
Essas
merdas só acontecem comigo – pensou, antes de voar até a cozinha,
em busca de migalhas de pão, gotículas de Coca-Cola e alguma
explicação para aquela mutação.
Ele
encontrou apenas restos de pão. Nada mais.
E
depois de tentar se matar, diversas vezes, colidindo contra o vidro
que separa a lavanderia do resto do mundo, resolveu aproveitar a nova
condição para algo útil.
–
Mas
para quê? – perguntou-se, enquanto tirava finas do lustre e
tentava, com pouco sucesso, dominar a arte de voar.
Até
que teve uma brilhante ideia: resolveu que aproveitaria o corpo de
mosca para entrar, sem ser notado, em um banheiro feminino.
Coisa
que ele sempre quis fazer, e, por motivos óbvios, nunca pôde.
Então
voou sobre a Paulista, desviou de um ônibus lotado, escapou de um
safanão e rumou em direção à Augusta; pois sabia que lá – em
um boteco sujo que ele costumava frequentar – correria menor risco
de ser esmagado por um garçom preocupado em manter o ambiente
agradável para dondocas nascidas em meio à frescura.
Ele
pousou sobre uma das paredes do banheiro, ainda vazio.
Porém,
as fêmeas não demoraram a chegar.
Estavam
bêbadas, estridentes e verborrágicas.
–
Como
foi, amiga? – perguntou a moça que, equilibrando-se sobre o vaso
sanitário e fazendo a pose de “O Pensador”, urinava mais no chão
do que no local certo.
–
Acredita
que ele tem pau pequeno e torto para a direita?
–
O
Rodrigão?
–
É.
Foda, né? Pintinho de criança e de direita.
Foi
aí que algo surpreendente aconteceu.
Uma
moça que há poucos segundos havia entrado no banheiro, do nada e
enquanto abria a bolsa em busca de maquiagem, invadiu o papo:
–
O
Rodrigão tem piroquinha?
–
Você
o conhece?
–
Eu
trabalho com ele. E ele já até comentou de você por lá. Priscila,
Certo?
–
Paula!
Mas o que ele disse?
–
Falou
que parou de sair com você porque você não depila a perereca.
–
Filho
da puta! Mentiroso! Vejam só como eu depilo – disse, e, como se já
fosse íntima das outras, mostrou a pepeca, que de tão brilhosa,
mais parecia um capô de fusca recém-polido.
Lisinha
da Silva. Fantástica até para uma mosca.
E
aquilo desencadeou uma “Expo Xoxota” memorável.
Quando
vi, as três estavam de bacurinha de fora.
–
Eu
prefiro deixar bem curtinho, mas sem tirar tudo. Olha!
–
Legal.
Acho que vou aderir no próximo inverno.
Foi
aí que algo inesperado aconteceu: uma mulher, visivelmente
embriagada, entrou no banheiro aos prantos e toda borrada.
–
Está
tudo bem? Precisa de alguma ajuda? – as moças de vagina livre
perguntaram, ao mesmo tempo.
–
O
Rodrigão, o cara com que eu namoro desde o colégio, está saindo
com outra! – desabafou, com voz de quem havia misturado tequila com
Lexotan.
–
O
Rodrigão que tem pau pequeno e envergado para a direita? –
perguntou uma delas.
–
Isso
mesmo! Como você sabe?
–
Ela
me contou.
–
Ah
é? E COMO VOCÊ SABE? HEIN? – berrou a bêbada, antes de grudar no
cabelo da acusada, e de começar uma sessão de esganadura.
As
duas rolaram no chão sujo. Estapearam-se. Ninguém conseguiu
separar.
Até
que, estranhamente, elas pararam com aquele barraco, respiraram fundo
e disseram, simultaneamente:
–
Foda-se.
Ele tem pinto pequeno e ainda goza rápido.
–
Não
acredito! Com você ele faz isso também?
–
Sempre.
E
todas gargalharam, feito bruxas, antes de começarem a compartilhar
um batom vermelho, como quem compartilha um baseado.
Fizeram
uma selfie no espelho – com direito a biquinho de pato – , e
saíram.
A
versão mosca do Coiro também não demorou muito a sair.
Voou
direito a um restaurante árabe, e, enquanto ainda tentava entender a
maluquice que tinha presenciado, pousou sobre o resto de uma kafta
abandonada.
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