Augusto Nunes
“O caso da retirada de um senador de uma embaixada
brasileira e sua condução sem garantias ao território brasileiro é um fato
grave e que está sendo apurado”, miou o novo chanceler Luiz Alberto Figueiredo
nesta sexta-feira, ao baixar no Suriname para acompanhar a presidente Dilma
Rousseff na reunião da Unasul.
Fato grave foi o desprezo pelas convenções
internacionais reiterado por Evo Morales, que se negou a emitir o salvo-conduto
devido a um político oposicionista asilado na embaixada brasileira.
Fato grave
foi a submissão do Planalto à insolência de um tiranete que trata o Brasil como
um grandalhão pusilânime. Previsivelmente, o ministro das Relações Exteriores
acha que fato grave foi a libertação de Roger Pinto Molina ao fim de 15 meses
de clausura num cubículo.
Na abertura da coluna publicada na edição de VEJA, o
jornalista J. R. Guzzo faz um brilhante resumo da ópera (irretocavelmente
analisada no restante do texto, que pode ser lido na revista). Confira a
introdução. Volto em seguida.
O servidor público
mais detestado pelo governo da presidente Dilma Rousseff no presente momento é
um tipo de ser humano raríssimo de encontrar no mundo de hoje ─ um homem de
bem. Seu nome é Eduardo Saboia. Sua profissão é diplomata de carreira, em
serviço no Itamaraty. Tem 45 anos de idade, mais de vinte na ativa e era, até a
semana passada, encarregado de negócios na Embaixada do Brasil em La Paz, na
Bolívia. Não há, na sua ficha criminal, nenhuma nota de reprovação.
Ele acaba de ser
afastado do posto, vai responder a uma comissão de inquérito no Itamaraty e tem
pela frente, provavelmente, uma sucessão de castigos que promete mantê-lo num
purgatório profissional até o dia em que se aposentar. Não podem botá-lo na
rua, como gostariam, porque exerce função de estado e a lei não permite que
seja demitido ─ mas entrou para a lista negra da casa e parece improvável que
saia dela enquanto valores como justiça, decência e integridade continuarem
vetados no Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Saboia cometeu um
delito que Dilma, seu assessor internacional Marco Aurélio Garcia,
intendente-geral do Itamaraty, e os principais mandarins do PT não perdoam:
teve a coragem de cumprir um dever moral.
Aí está, em sua essência, a explicação para os chiliques
presidenciais que começaram no dia 24, quando Dilma soube da operação que
enfureceu o Lhama-de-Franja, e atravessaram a última semana de agosto. O surto
de cólera atingiu sucessivamente o chanceler Antonio Patriota, o embaixador
Marcel Biato, o senador Pinto Molina e, com especial intensidade, o diplomata
que ousou desafiar o companheiro Evo Morales.
Por não ter descoberto e abortado o resgate, Patriota foi
rebaixado a chefe da representação na ONU. Por ter acolhido o parlamentar
boliviano quando comandava a embaixada em La Paz, Marcel Biato viu cancelada
sua iminente transferência para Moscou. Por ter chegado ileso ao país que lhe
garantira a sobrevivência, o senador boliviano foi punido com a cassação do
status de asilado político.
E Saboia, por ter feito o que devia, vai percorrendo as
estações do calvário previsto no artigo de J. R. Guzzo. Cumprir um dever moral
é mais que perigoso. Segundo o estatuto do grande clube dos cafajestes, é crime
hediondo. Em vez de averiguar as patifarias jurídicas e diplomáticas de
Morales, uma comissão de sindicância montada pelo governo federal caça
pretextos para implodir a carreira de Saboia.
Na cabeça despovoada de neurônios, o homem decente é um
traidor da causa. E o vilão merece o tratamento de herói ultrajado, informou o
encontro entre Dilma e Morales no sarau em Paramaribo.
Vejam a foto. A presidente brasileira contempla o vigarista
de estimação com o olhar da debutante prestes a dançar a valsa com o padrinho
que aparece toda noite na novela da Globo. O casal segura dois bonecos
manufaturados que Morales deu de presente a Dilma. Ela retribuiu com um quadro
e, na conversa a dois, com a cena de vassalagem explícita pressurosamente
divulgada pelo chanceler Figueiredo.
Assim que as portas se fecharam, contou o novo porta-voz de
Marco Aurélio Garcia, a presidente manifestou ao parceiro seu “repúdio” à
operação arquitetada e conduzida por Eduardo Saboia. “Repúdio completo”,
acrescentou o chanceler. Para tamanha vileza, só um substantivo não basta.
Os afagos retóricos desnudaram de novo a rainha de araque. O
que Dilma e Morales queriam era induzir Pinto Molina a compreender que seu
cativeiro só seria interrompido pelo suicídio, pela loucura ou pela rendição.
Teriam vencido se não surgisse em seu caminho um diplomata sem medo. Foram
derrotados por um homem disposto a cumprir seu dever. Não conseguirão devolver
o senador ao governo boliviano.
Quem promoveu a asilado político um Cesare Battisti,
assassino condenado à prisão perpétua na Itália democrática, não se atreverá a
entregar um perseguido sem direito a um julgamento justo.
Resta a Dilma Rousseff, sempre orientada por seu chanceler
portátil Marco Aurélio Garcia, insistir no cerco a Eduardo Saboia.
A dupla deixaria de sonhar com vinganças se fosse
homenageada com uma exclusiva, pessoal e intransferível manifestação de rua.
Mas ninguém sabe onde andam os indignados de junho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário