Rafael Galvão
Sabe aquelas bundas que passam na sua frente e deixam você
pensando “que bunda, meu Deus?”
Era daquelas.
Passou na minha frente há poucos instantes, e depois de
dizer “que bunda, meu Deus”, parei para pensar na razão pela qual um belo
depósito de gordura, aparentemente concebido com o fim prosaico e pragmático de
acumular energia para dias difíceis, cresceu tanto no coração das gentes,
cresceu tanto no meu coração, e hoje chama tanto a atenção, a minha atenção ao
menos, e faz com que sua boca se encha d’água involuntariamente, e lhe faz
tecer comentários que não podem e não devem ser publicados.
É claro que sacanagem e raciocínio não combinam — talvez
sejam até mutuamente excludentes.
Cá entre nós, parar para pensar nas razões pelas quais a
visão de uma bunda deflagra reações fisiológicas em determinadas pessoas é
perda de tempo, é consolo de pobre coitado que não tem a bunda ao seu dispor.
E eu sequer sou esse fã absoluto de bunda; lembro de tantas
namoradas sem bunda, tadinhas delas. Bunda não define caráter.
Mas bunda é algo belo, é algo que transcende.
Talvez não aquelas bundas criadas à base de anabolizante de
cavalo, ou arredondadas artificialmente em anos de academia — tá, eu estou
exagerando, na falta de coisa melhor vão essas mesmo, que é melhor bunda
esforçada que bunda nenhuma; mas a bunda bonitinha é aquela bunda natural,
mesmo quando xoxinha, mesmo quando tímida.
Não, ela pode ser o que quiser, só não pode ser bicho do
mato e se esconder da visão de todos, ela precisa ao menos existir.
E quando ela quer mais que existir, quando quer ficar bela
para o seu amado, então ela se veste de celulite, um pouquinho que seja.
E que delícia é ver as moças reclamando de suas celulites, e
tentando se livrar delas, quando a celulite é quase pré-requisito para a beleza
de uma bunda; bunda sem celulite é bunda de travesti, e essas não me interessam,
por belas que sejam.
Bunda, rebolado e celulite; nem mesmo o diabo conseguiu
inventar trio melhor, e olha que o canhoto inventa coisa de que até Deus
duvida.
Mas isso não interessa agora — o diabo invente o que quiser,
que a visão da bunda passando em rebolado discreto na minha frente ainda não
saiu da minha retina, eu a vejo nitidamente quando fecho os olhos, acompanho o
ritmo discreto do seu cai pra lá, cai pra cá.
Não quero saber de Deus nem do diabo.
Eu agora não quero filosofia nenhuma: quero só continuar
sentindo a felicidade estética de ver uma bela bunda passar diante de mim, e
que bunda, meu Deus.
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