Nóis na fita e a playboyzada no CD
No último sábado, 7, por volta das 18h, em Itacoatiara, eu abandonei a Tenda Cultural, onde participava de uma tarde de autógrafos em companhia do Thyrso Munhoz (seu livro “Cinema: comentários e críticas de Guanabara de Araújo” é sensacional!), para ir falar com o Manolo Olímpio, o dínamo que faz o Fecani acontecer, nos bastidores do Palco Principal.
Quando retornei para a Tenda Cultural, 50 minutos depois, a Márcia
Cleide, uma das minhas belas atendentes no evento, estava à beira de um ataque
de nervos:
– Tem um senhor aqui lhe esperando desde as 18h e dizendo
que só paga pelo livro se falar contigo!
O sujeito se aproximou, me estendeu o livro e bateu de três
dedos:
– Só vou pagar, se você dedicar o livro pra mim...
Ele tinha uma expressão familiar, mas não me lembrava de seu
nome de jeito nenhum.
O meu chefe dos arquivistas neurais começou a consultar seus
milhares de fichas empoeiradas, entulhadas numa coleção jurássica de kardex,
abrindo armários, gavetinhas e porta-fichas em acetato. Nada.
Antes de entrar em pânico, apelei:
– Caceta, bicho, eu te conheço, mas não lembro direito de
onde. Sacumé, a gente vai ficando velho e a memória começa a ratear... Dá uma
dica aí...
– Cachoeirinha! – devolveu ele.
– Puta que pariu, a Cachoeirinha é grande pra caralho...
Baixa, média ou alta Cachoeirinha?
– Rua Parintins! – avisou.
O filho da puta estava me colocando numa sinuca de bico.
Parintins era a rua onde eu morara dos dez aos 20 anos. Como esquecer alguém
dali?...
Resolvi forçar a barra.
– Você morava do lado em que morava o Didão ou do lado em
que morava o Pepéu?...
Pensei que agora ele tinha se fodido porque só um verdadeiro
homeboy do pedaço saberia decifrar esses dois códigos criptografados.
O sacana, entretanto, estava no jogo:
– Umas duas casas depois do Didão...
Filho da puta. Eu agora estava encalacrado. Tentei uma saída
honrosa e, fingindo o maior espanto do planeta, apelei de novo, com um novo
código que nem a turma do Obama seria capaz de quebrar:
– Perto da casa do Baiano?...
Ele abriu um sorriso que iluminou a cidade:
– Eu sou o Baiano, porra!
Puta que pariu. Fazia 33 anos que eu não via o sacana do
Lucinaldo Baiano, que morava com o Adejair Paraguai, ambos corredores de
motocross, ambos roqueiros, ambos biriteiros de carteirinha.
A gente se tornou amigos em 1975, quando os dois chegaram a
Manaus e foram morar na rua Parintins.
Na verdade, eles ficaram primeiro amigos do Careca Selvagem,
só depois é que o Simas me apresentou a eles na qualidade de avis raras: Baiano
e Paraguai gostavam de Janis Joplin e também eram artesões.
Baiano trabalhava na CPRM e Paraguai vendia artesanato na
Praça da Polícia.
Cada um deles possuía uma motocross de 250 cc, que eram
usadas no dia-a-dia.
Aos domingos, eu costumava ir torcer pelos dois nas animadas
provas do campeonato da categoria, realizadas em uma antiga pista de motocross
na Morada do Sol.
Infelizmente, com suas máquinas detonadas, Baiano e
Paraguaio não eram páreo para os irmãos Wagner e Nicolau Montemurro, com suas
máquinas novas e sempre azeitadas.
Mas era divertido ver os dois comendo poeira do Baiano nas
cinco primeiras voltas, antes de a máquina do nosso ídolo pedir penico.
Em condições normais de pressão e temperatura, desconfio que
o Baiano daria cacete nos dois irmãos nas provas de 250cc, apesar de Wagner e
Nicolau também serem exímios motociclistas.
No começo de junho de 1980, Baiano e Paraguai me convidaram
para assisti-los em uma prova que seria realizada em Itacoatiara.
Eu não conhecia a AM-010 (rodovia Manaus-Itacoatiara), de
forma que convidei um motorista mais experiente – o Jones Cunha – para dirigir
o meu carro, um Corcel II recém-comprado.
Além de nós dois, embarcaram no carro Luiz Lobão, Simas e a
minha então namorada, Marilene, na época uma pirralha de 18 anos.
Foi uma viagem tranquila, mas quando chegamos à cidade
ocorreu a primeira surpresa: os três únicos hotéis existentes na cidade estavam
sem vaga.
Como a corrida seria na manhã de domingo e a gente ainda
estava na tarde de sábado, aquilo virou um problemão.
Fomos almoçar pra depois ver o que a gente ia fazer.
Nessa época, eu e a Marilene estávamos verdadeiramente no
cio.
Ninguém dispensava uma oportunidade para fazer amor,
parecíamos dois coelhos enlouquecidos.
E aquela falta de vagas em hotéis estava nos deixando
agoniados.
Por volta das 4h da tarde, Jones Cunha, Simas e Luiz Lobão
nos deixaram em um boteco e foram em busca das nativas locais.
Eles retornaram dali a uma hora.
Jones havia encontrado um seu ex-funcionário da Icel, que se
dispunha em nos dar alojamento.
Eu e a Marilene embarcamos no carro e fomos ver a casa do
sujeito.
Era uma casa modesta, de madeira, que ficava a cerca de um
metro abaixo do nível da rua.
O rapaz, muito atencioso, falou que eu e a Marilene
poderíamos ficar na sala da casa, cujo janelão dava de frente pra rua.
No local havia uma rede de casal.
Jones Cunha, Luiz Lobão e Simas foram acomodados em outro
quarto.
Como havia apenas um banheiro e Jones Cunha era o amigo do
dono da casa, ele foi tomar banho por primeiro.
Depois seria a vez de Luiz Lobão, Simas, e finalmente a
nossa.
Enquanto aguardávamos, eu e a Marilene entramos na rede e
não deu outra: começamos a fazer amor.
Com meia hora de combate, alguém começou a bater
furiosamente na porta da sala, justo no meio de um candelabro italiano.
Desci da rede meio puto, vesti uma bermuda e abri a porta.
O dono da casa estava possesso:
– Isso aqui não é bordel não, caralho! Isso aqui é uma casa
de família! Eu exijo respeito, porra, eu exijo respeito! Se eu soubesse que
vocês dois iam aprontar, nem teria aberto a porta da minha casa para receber
vocês...
Só então caiu a ficha.
É que eu havia esquecido de fechar o janelão da sala.
Cerca de 20 moleques estavam acocorados na rua assistindo ao
vivo e a cores aquela sessão explícita de sexo selvagem.
Fomos expulsos da casa na mesma hora.
Eu e a Marilene dormimos dentro do carro.
Jones Cunha, Luiz Lobão e Simas dormiram na casa de umas
meninas que eles conheceram em um inferninho.
Como sempre, Baiano e Paraguai não completaram as provas.
Foi a última vez que falei com eles.
Baiano foi morar em Iranduba e Paraguai foi morar em São
Luiz (MA).
Pra completar, um mês depois a Marilene veio me avisar que
estava gestante.
Em dezembro, disse que nunca mais queria me ver na vida e
cumpriu a promessa.
Em abril de 1981, nasceu minha primeira filha, Maíra.
Só consegui ver a criança pela primeira vez quando ela
completou um ano de idade e fui convidado pra festa de aniversário.
Mulher é um bicho complicado.
(Ricardo Furtado, padrinho da Maíra, minha sogra, a lovely Adair
Pinheiro Marques, com a Maíra no colo e Marilene)
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