André Barcinski
Confesso que estava sem paciência para filme de terror
“mainstream” nos últimos tempos.
Não aguento filmes em 3D, e acho o “torture porn” – títulos
como “O Albergue” e “Jogos Mortais”, exercícios de sadismo que lembram videogames
– uma chatice sem tamanho.
O último filme do gênero de que gostei, entre os feitos por
estúdios de Hollywood, foi “Deixe-me Entrar” (2010), refilmagem da excelente
produção sueca “Deixa Ela Entrar” (2008). Caso raríssimo de refilmagem que não
fica a dever ao original.
Mas dois filmes recentes me surpreenderam. Em agosto,
estreou por aqui “Os Escolhidos” e, há duas semanas, “Invocação do Mal”.
É reconfortante saber que ainda existem filmes como “Os
Escolhidos”, que, embora não seja nenhuma obra-prima, pelo menos ressuscita um
estilo de cinema fantástico que parecia morto e enterrado: o que assusta pela
sugestão.
A história é manjada: família de classe média começa a ser
assombrada por aparições de “espíritos” e acontecimentos bizarros, como ver
toda a mobília da casa empilhada em estranhas esculturas.
No princípio, os pais, Lacy (Kerri Russell) e Daniel (Josh
Hamilton), acreditam se tratar de brincadeiras dos filhos, o adolescente Jesse
(Dakota Goyo) e o pequeno Sam (Kadan Rockett).
Mas logo o casal descobre que
alienígenas estão de olho na família.
Sam começa a ter pesadelos com seres que
descem do céu e faz desenhos onde ele próprio aparece cercado por criaturas.
Não há nada muito inovador em “Os Escolhidos”. Há ecos de “Contatos
Imediatos de Terceiro Grau” e uma desnecessária incursão pelo artifício
narrativo típico da série “Atividade Paranormal” (os pais colocam câmeras nos
quartos dos filhos para tentar flagrar os “espíritos”).
Mas o diretor, Scott Stewart, mostra talento ao criar um
clima de suspense sem precisar, de fato, mostrar as criaturas, preferindo focar
nas reações da família e em pistas que o roteiro vai espalhando pelo caminho
(marcas, pegadas, etc.).
Numa época de superexposição e YouTube, em que nos acostumamos
a ver e rever tudo e de todos os ângulos possíveis, é bom saber que existe um
filme que ainda deixa algo para a imaginação do espectador.
Dirigido por James Wan (“Jogos Mortais”), “Invocação do Mal”
é mais uma história sobre exorcismo e uma casa assombrada por espíritos
malignos, mas contada com estilo, clima e uma boa dose de humor.
O filme é inspirado em um caso supostamente real envolvendo
Ed e Lorraine Warren, investigadores especializados em fenômenos paranormais e
conhecidos pelo caso de Amityville, que gerou dois filmes, alguns livros e
muitas acusações de charlatanismo.
“Invocação do Mal” se passa em 1971. O casal Perron –
Carolyn (a ótima Lili Taylor) e Roger (Ian Livingston) – se muda com as cinco
filhas pequenas para uma velha mansão à beira de um lago.
A família não demora
a perceber que algo está errado com a residência: pássaros caem mortos no
jardim, barulhos de passos são ouvidos à noite e todos os relógios da casa
param de funcionar na mesma hora.
Os Perron chamam Ed (Patrick Wilson) e
Lorraine (Vera Farmiga) para ajudar, e o filme vira uma assustadora caçada ao
demônio.
Muitos filmes do gênero cometem o erro de empilhar efeitos
especiais por toda a história, o que tira o impacto do clímax.
Mas o diretor
James Wan mostra talento para criar um clima de suspense crescente com cenas
simples e bem arquitetadas, incluindo uma envolvendo uma inocente brincadeira
de cabra-cega.
O filme culmina em uma ótima sequência de exorcismo, aí sim,
com muito barulho e efeitos especiais.
Wan é esperto e não tenta empurrar o filme como uma
experiência “real”, a exemplo de alguns filmes do gênero “found footage”, como
“Atividade Paranormal”.
Quem quiser acreditar, que acredite.
O roteiro traz
alguns diálogos engraçados e até ingênuos, que tornam a coisa toda meio cômica.
Quando perguntam aos Warren se basta sair da casa
mal-assombrada para se livrar dos espíritos, eles dizem: “Demônio é que nem
pisar em chiclete: você pode mudar de lugar, mas acaba levando ele junto.”
Os dois filmes não vão mudar a vida de ninguém e não são
obras-primas, mas pelo menos mostram uma tendência de volta a um estilo “old
school” do cinema de horror, em que a história e ambientação valem mais que
efeitos especiais e pirotecnia.
O que mais me incomoda no cinema fantástico recente é a
overdose de “sustos”.
Como já disse antes, os roteiristas parecem achar que basta empilhar cenas
assustadoras uma em cima da outra, sem nada no meio.
Mas os grandes clássicos do gênero têm um equilíbrio entre
cenas de preparação e o clímax.
Há alguns dias, o Telecine Cult reprisou “O Bebê de
Rosemary”.
É impressionante como Roman Polanski passa o filme inteiro só
preparando o espectador para a sequência do parto.
Antes disso, não há sangue
ou violência, só mistério.
E mesmo as cenas pós-parto não são explícitas e
chocam muito mais pelo que não mostram.
Claro que hoje ninguém vai ao cinema esperando ver um novo
“Bebê de Rosemary”.
Mas esses filmes recentes não envergonham ninguém.
E o
final de “Invocação do Mal” é bem assustador.
Recomendo.
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