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quinta-feira, janeiro 11, 2024

De volta ao meu pardieiro


 Voltando aqui nessa parada. Faz um bocado de tempo, né não? A verdade é bem simples: como perdi uma plêiade de amigos queridos durante o governo autoritário da besta genocida (toc, toc, toc, mangalô três vezes!), tomei a decisão de parar de escrever em blogs, portais e redes sociais. Era uma maneira de protestar silenciosamente contra o pior governo do país desde a redemocratização. Decidi que só voltaria a escrever após um ano de um novo governo democrático. Estou cumprindo essa promessa agora.

Ah, antes que eu me esqueça: votei no Ciro Gomes no primeiro turno. No segundo turno, nem apareci na zona eleitoral. Estou pouco me lixando para bolsonaristas e petistas, mas é forçoso admitir que o Ninefingers é mais democrático que a besta-fera (toc, toc, toc, mangalô três vezes!), que nos desgovernou durante quatro anos. Como em 2026 – seu eu sobreviver a tanto, o que não acredito – já estarei com 70 anos, estarei desobrigado de votar. E posso morrer tranquilo: meu último voto para presidente foi embalado pela esperança de um país melhor. Se o povo não entendeu isso, foda-se o povo!



Nos longínquos anos 80, meu querido amigo Edilson Martins publicou pela Codecri (a editora do Pasquim) um livro emblemático intitulado “Nossos Índios, Nossos Mortos”, que fez a cabeça dos leitores da minha geração. Eu vou me limitar a escrever o nome dos meus índios, dos meus mortos, nessa triste pandemia de que fomos vítimas pelo descaso de um completo amoral. A ressurreição desse blog vai para eles, onde e como estiverem:

 


Antônio Diniz (livreiro, parceiro em alguns livros e meu cunhado). Lucio Preto (quarto zagueiro do Sancol, Atlântica e Penarol, de Itacoatiara). Selmo Nogueira (o famoso Caxuxa, das batidas inimagináveis e inesquecíveis da velha Cachoeirinha). Sandoval Amazonas (engenheiro civil, amigo de infância). Robson Franco (jornalista, parceiro em projetos memoráveis). Ivancy Wilkens (campeão amazonense de jiu-jitsu, cria do Reyson Gracie, marido na minha diarista Paula). Roberto Augusto (radialista e jornalista brilhante). Roberto Dinamite (figura de proa do GRES Reino Unido da Liberdade). Antonio Carlos (o “Bem-te-vi”, ex-presidente do bumbá Corre Campo). Marco Aurélio (o rei da sinuca, vascaíno fanático, conhecido como “Pezão”). Sebastião Ferreira (o “Sabá”, parceiro de dominó no Bar da Júlia). Sandro Barçal (professor universitário, marxista confesso e parceiro de gandaia durante mais de 30 anos).

 


Francisco Costa (o “Chico Cavalinho”, engenheiro civil, fundador do GRES Andanças de Ciganos). Miquéias Fernandes (advogado, ex-deputado estadual). José Fernandes (advogado, ex-prefeito de Manaus). Rosa Fernandes (professora, irmã dos outros dois). Ernando Carvalho (o “Papagaio”, figura emblemática do Bar do Armando). Rubem Dário (empresário, primo da minha ex-mulher Dinari Guimarães). Valtinho Almeida (amigo de infância, irmão do “Maraca”). Igson Andrade (o “Bolão”, partideiro de responsa da Praça 14 de Janeiro). Olíbio Trindade (o “Xiri”, contador, primeiro treinador do Murrinhas do Egito). Mário Almeida (empresário, primo do Valtinho). Orlando Almeida (empresário, irmão do goleiro Orlando Mão-de-Onça, primo do Valtinho e do Mário). Arnaldo Fimose (violonista do grupo Pró-Álcool). Caramuru Borges (velho amigo do Pai Simão, desde a época de Santarém, e pai dos queridos Paulo, Zanata e Marcos).

 


Emerson Maia (compositor parintinense do Garantido – “o índio chorou...” – e roqueiro de respeito). Klinger Araújo (cantor parintinense do Caprichoso e piadista em tempo integral). Nonato Lopes (advogado, ex-prefeito de Iranduba). Lourdes Lopes (professora, ex-vereadora, irmã do Nonato). Harrison Almeida (o “Cachito”, zagueiro do Inútil, campeão do torneio início do Peladão em 1975). José Montanha (o simpático e marrento garçom do Bar do Armando). José Rosha (jornalista e cartunista, meu parceiro no Suplemento JC). Luiz Fernando Nicolau (médico, ex-deputado federal). Abelardo Sampaio (o “Belo”, meu primo querido). Cosme Bittencourt (o “Comendador”, meu parceiro de birita e conversas sobre a beat generation). Américo Loureiro (ex-vereador, dono do JAP, o primeiro campeão do Peladão). Homero Diniz (funcionário público, primeiro campeão amazonense de dominó, em parceria com meu primo Giovani Bandeira.)

 


José Roberto Pinheiro (o “Mestre Pinheiro”, fotógrafo, enciclopédia viva da MPB, meu parceiro nas marchinhas da BICA). Luiz Wagner (o “Vavá das Candongas”, empresário, fundador da Bhanda da Bhaixa da Hégua). Marquinhos Barbosa (dançarino de disco music, xerocópia do John Travolta). Raimundo Nonato (o “Pirulito”, eterna Catirina do bumbá Corre Campo, pai do poeta Celestino Neto, o “Lé”.) Izinha Toscano (jornalista, filha do saudoso músico Afonso Toscano). Agnaldo Oliveira Jr. (jornalista premiado). Danyelle Costa (baixista da banda Roxie). Nelson Pilão (partideiro de responsa). Olinda Mattos (irmã dos queridos Titílio e Orlando Carioca). Kayro Robson (partideiro de responsa). Raimundo Noronha (o “Mangará”, fundador do GRES Reino Unido da Liberdade). José Gadelha (advogado). Milton Matos (pagodeiro do grupo Couro Velho). Aldemir Cardoso (empresário, dono das lojas Arsenal).

 


Gilmar Barbosa (o “Gil da Liberdade”, empresário, fundador do GRES Reino Unido da Liberdade). João Sabino Neto (médico cardiologista, parceiro de birita). Arnoldo Carneiro (amigo de infância, irmão do Argemiro). Mário Gilson (professor do IFAM e meu parceiro de aprontos). Francisco Chagas (o “Chaguinha”, advogado, sindicalista, meu companheiro dos tempos de Sharp do Brasil, nos anos 70). Wandinho Manaus (o coração pulsante do GRES Mocidade do Coroado). Wellington Redman (jornalista, coaching, a alegria em pessoa, sobrinho do Didi Redman). Ari Aleixo (empresário, filho da saudosa Otalina Aleixo). Ana Aleixo (advogada, irmã do Ari). Albino Aleixo (advogado, irmão do Ari e da Rosa). Lúcio Bahia (cantador das noites manauaras). José Malheiros (auditor da Sefaz). Victor Hugo (procurador do Estado). Saulo Almeida (auditor da Sefaz). Gilson Ferreira (auditor da Receita Federal).

 


José Alberto (o “Cazuza”, meu primo, tricampeão e três vezes artilheiro estadual pelo Olímpico Clube, no campeonato juvenil de 66-68). Godofredo Gomes (amigo de infância, meu vizinho, pai do DJ Adriano Flashback). Sulamita Farias (empresária, amiga querida dos tempos do Ida Nelson). Kiko Ribeiro (advogado, irmão do ex-prefeito Manuel Ribeiro). Margareth Magalhães (médica, minha companheira de classe no Ida Nelson). Silvia Moraes (irmã do querido Gonzaga do Arsenal). Julio Reciños (médico, vocalista do grupo Conexão Latina). Nilson Torres (empresário, ex-centroavante do Murrinhas do Egito). Carlos Araújo (poeta e agitador cultural, criador da coletânea “Poetatu”). Marcus Cavalcante (advogado, ex-vereador, irmão do Adelson da Ciranda). Armandinho Pascarelli (cantor e compositor do GRES Andanças de Ciganos, irmão do Filica). Joaquim Barros (funcionário público, concunhado do meu irmão Simas).

 


Ricardo Pinheiro (o “Ricardão”, primeiro puxador de samba dos Ciganos). Nádia Lacerda (amiga de infância, esposa do Carlos Lacerda). Ramiro Araújo (ex-prefeito do Careiro da Várzea). Tito Magnani (empresário, diretor do Olímpico Clube). Fernando Monteiro (empresário, um dos herdeiros do grupo S. Monteiro). Mário Uchoa (empresário parintinense, a gentileza em pessoa). Carlos Alonso (engenheiro, ex-presidente do CREA). Enéas Gonçalves (advogado, radialista, ex-prefeito de Parintins). Zé Olhão (eletricista, meu parceiro de birita no Bar do Pedrão). Renê Pessoa (fundador da Quadrilha Junina Sete Quedas). Hilberto Cruz (um dos donos da HM Calçados, meu amigo dos tempos de Philco). Luiz Carlos Barreto (engenheiro, colega de classe na ETFA). Paulo Monte (antropólogo e professor universitário). Luiz Cláudio Dias (o “Macalé”, meu médico urologista, dono de uma risada desconcertante). Lauro Goiaba (ex-jogador profissional do Nacional). Geraldo Dantas (empresário, amigo dos tempos de Ida Nelson). Menandro Tapajós (médico, parceiro de canaviais da pesada).

 


Francisco Cruz (o “Chicão”, ex-procurador geral do MPC, meu parceiro no livro “Amor de BICA”). Rosivaldo Ferreira (publicitário, dono da produtora Proclipe). Marcos Assayag (empresário, irmão do Davi Assayag). Zezinho Corrêa (vocalista da Banda Carrapicho). Ananias Filho (vencedor 18 vezes seguidas, como melhor marcador de quadrilhas pela Juventude na Roça). Paulinho Farias (o eterno amo do bumbá Garantido). Joelson Castro (baixista da banda Randy Kapa). Jander Souza (meu DJ favorito no Canto do Fuxico). Luiz Prado (o “Lula”, funcionário público, irmão do querido Hilário). Marco Gomes (poeta, escritor, fundador – comigo e Arnaldo Garcez – do coletivo anarquista “Gens da Selva”, que agitou a cidade durante duas décadas). Helvécio Nogueira (o “Mamão”, melhor contador de causos portugueses da história).  João Carlos Weil (o “Bazam”, irmão do querido Antídio Weil).

Bom, esses são os meus “principais”, gente com quem eu conversava, discutia, bebia, ria, chorava, xingava, reclamava, amaldiçoava, essas coisas, sem nunca chegarmos às vias de fato. Era muito, muito divertido. Nunca mais voltar a vê-los deve ser carma ou maldição. Vida que segue. Fazer o que?

Recordando a Princesinha do Mar

 


Por Rubem Braga


1. Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.

2. Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite.

3. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniqüidades e de tua malícia.

4. Sem Leme, quem te governará? Foste iníqua perante o oceano, e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas.

6. Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão.

6. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão.

7. E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas as tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde Menescal até Alaska.

8. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.

9. Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão.

10. Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação.

11. Tuas donzelas se estendem na areia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência.

12. Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.}

13. Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia.

14. E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão libertados para todo o número de suas gerações.

15. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?

16. Antes de te perder eu agravarei s tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.

17. E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: reserva para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre algas, ela habitará.

18. E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas na casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas.

19. Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se incendiou o Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.

20. A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará.

21. Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares.

22. Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!

Rio, janeiro, 1958


(texto extraído do livro “Ai de ti, Copacabana”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1960, pág. 99)