Pesquisar este blog

quarta-feira, janeiro 31, 2018

Pirulito e Zé Preto serão homenageados na Banda da Caxuxa


Pirulito e o poeta Celestino Neto

Mantendo uma tradição de homenagear os principais moradores da Cachoeirinha, a Banda da Caxuxa está nos preparativos finais para sua grande batalha de confetes, na terça-feira gorda, dia 13 de fevereiro, levando para o palco mais dois legítimos representantes da nossa cultura popular: Pirulito e Zé Preto, ex-brincantes do bumbá Corre Campo.

Funcionário público estadual aposentado, Raimundo da Silva Nascimento, o Pirulito, nasceu em Parintins, em 24 de fevereiro de 1939, e veio para Manaus ainda criança. Torcedor fanático do Nacional, de Manaus, onde foi chefe da torcida organizada “Leão da Vila”, e do Flamengo, do Rio de Janeiro, suas outras paixões sempre foram o dominó, que pratica diariamente, e a brincadeira de boi-bumbá.

Brincante do bumbá Caprichoso, da Praça 14, Pirulito aprendeu as manhas da “Mãe Catirina” tendo como professor o lendário Pedro Mala Velha, o mais famoso “Pai Francisco” do folclore amazonense. As lições foram tão bem assimiladas, que Pirulito passou mais de 30 anos como “Mãe Catirina” do bumbá Corre Campo, da Cachoeirinha, onde passou a residir. Pirulito teve dois filhos, Miriam Nascimento e o poeta e livreiro Celestino Neto, o “Lé”, que lhe deu os netos Pedro Tupã, Luís Otávio e Alice Beatriz.


Os amos do Corre Campo Zé Preto e Clóvis

No dia 6 de abril de 1930, em um seringal do rio Juruá, em Carauari, nascia José Ribamar do Nascimento, o mestre Zé Preto, considerado o mais longevo amo de boi do folclore amazonense, tendo emprestado sua voz de barítono para os bumbás Corre Campo, Caprichoso, Amazonas e Gitano, entre outros.

Filho de nordestinos – mãe maranhense e pai cearense –, Zé Preto veio para a capital amazonense ainda pequeno, quando tinha apenas dois anos. Em Manaus, nasceu Clóvis Nascimento, seu irmão caçula, que, como ele, também foi amo do bumbá Corre Campo por mais de três décadas.

“Quando eu tinha seis anos, ganhei um garrote de presente da babalorixá que morava em frente à minha casa, dona Isabel, que o pessoal chamava de Mundica. Ela só fez uma exigência: batizá-lo. O nome era Beija Flor e eu fui escolhido para ser o amo”, recorda Zé Preto. “Setenta anos depois, em 2006, uma mãe de santo do Maranhão deu à dona Emília (presidente da Federação Umbandista do Amazonas) um boi de estimação pra ela botar no Amazonas. Novamente, ele já tinha nome certo: Estrela do Oriente. E eu fui escolhido para ser seu amo.” 

Uma visita histórica


Por Aldir Blanc

Estou posto em sossego numa casa de praia, perto de Saquarema, terminando um livro. Na verdade, o livro é que está terminando comigo. Segundo alguns gaiatos, o tal livro previsto para cerca de 250 páginas já tem as palavras bang! e cadáver – mas isso é outra história.

Meu esôfago tem travado ásperos diálogos com as antes amenas doses de vodca. Xingo, entre dentes, o mundo, o conceito (para mim, incompreensível) de férias, e, em especial, as casas de praia. Encontrava-me entretido nesse passatempo sulfúrico quando o neto Vinícius, lá da gávea, deu o brado de alerta:

– Olha, vô! Parece uma lona de circo.

Adivinhem quem veio para jantar?... O compositor Moacyr Luz, conhecido em algumas áreas, para continuar citando títulos de filmes, como Um Convidado Bem Trapalhão. Uma injustiça. É um cara calmo e afável.

Entrou na mansinha (uma mansão pequena) deslocando com graça e classe sua meia tonelada de peso bem distribuído. Dirigiu-se à varanda, abriu os braços (com seu famoso desodorante) em direção ao amar e Aaaahhhh!

Os pulmões do Moa valem por duas Kombis. Não é preciso dizer que ele já havia biritado no caminho. Com a expiração dantesca, andorinhas caíram fulminadas, um acordeom passou voando. Ouvimos o Gustavo, meu neto adotivo do pedaço, gritar: “Segura, peão”. Cavalos empinavam, numa área equivalente a seis hectares. A piscina (antes que meus detratores comecem com a cantilena, um tanquinho de plástico para bebês) ficou juncada de variados insetos, dizem que o próprio mar – um espelho antes do titânico hausto – ficou de ressaca. Um paquete marmórico com turistas a caminho de Búzios, voltou para a Itália.

Aí fomos para o bar do Belar. Belar, grande figura humana, um aerofotogrametrista de mão cheia, trabalhou durante 30 anos com meu saudoso tio Placidino.

No bar, Belar serviu ao Moa uma cachaça raríssima. Temendo outro Aaaahhhh! de prazer, afivelamos os cintos. Papo de conhecedor de uca é pior que o de pescador. Moa provou – e aprovou... – a caninha, ornada com azeitonas num pequeno balde. Depois, tomou o rumo do quebra-mar e, tonitroante, rugiu para os arrecifes:

– ISSO É QUE É VIDA!

Em seguida, como que transformado em pássaro mitológico, voou. Ou melhor, caiu de três metros de altura entre siris, casais de namorados e calangos, ferindo de raspão um voyeur. Novo Aaaahhhh!, dessa vez de susto. Golfinhos em pânico. Albatrozes colidindo em pleno ar. Um rabino enlouqueceu: “Homem-bomba! Homem-bomba!”

Desfeito alguns outros equívocos, fomos, em alegre caravana, para o posto de saúde de Bacaxá. Tumulto, choro, hospital superlotado – e, pasmem, um ortopedista craque, aulas de dedicação aos pacientes dadas pelos jovens da G. M. de Saquarema, impecavelmente uniformizados, com destaque para o soldado Mattos. Show da Vida é isso aí. Fomos dormir, Aaaahhhh, no limite...

Pesadelos, suores. Acordamos com o som da viola. Aí pelas sete da manhã. Era Moa, em cadeira de rodas, tocando sambas antológicos e tomando a cerveja com peixinho frito trazidos pelo Belar. Às 8h25, pelo horário de Brasília.

Moa provocou novo acidente ecológico.

– Cadê aquela cachaça?

Todos nós demos uma bicadinha. O nome da branca é Germana, mas aqui só é chamada de “Saltos Ornamentais”...

Com o pé na cova


Por Marcos de Vasconcellos

Maneco de Thormes Muller o que tem de elegante, tem de desastrado. A biografia médica desse cavalheiro já está no terceiro tomo e, esperamos, os amigos, que ele não se meta mais a jogar futebol, esporte que lhe propiciou muitas glórias, fraturas e rupturas de órgãos de suma importância, incluindo-se o coração.

A história seguinte passou-se durante uma rotineira ruptura dos rins, adquirida durante um amistoso em Petrópolis. Levado ao hospital por Luis Fernando Secco, foi-lhe declarado incontinenti estado de emergência: faca.

Maneco, que já não se assusta com as consequências do seu estabanadamente, dessa vez viu na expressão do médico, o Dr. Sá Earp, maus presságios e convocou outro amigo, o Dr. Donato D’Ângelo, velho conhecedor do sobrevivente, para acompanhar a cirurgia.

Enquanto esperava o Donato, recebeu a visita de uma daquelas freirinhas de porcelana, miudinha, asseadíssima, hospitalar.

– O senhor é católico? – perguntou a passarinha.

– Fui batizado.

Em matéria de fé em Deus, era tudo. A freirinha continuou.

– Um padre vem lhe ver.

Diante do quadro terrível, Luis Fernando Secco, agarrado na mão do Maneco, assumiu cor de cristal e tentou neutralizar a ameaça com a seguinte declaração:

– É assim mesmo, Maneco. Extrema-unção aqui é praxe.

Heróis de Antologia: Diego Maradona


Por Sílvio Lancelotti

Apesar de todas as suas tolices extracampo, apesar de todas as confusões que a sua entourage perpetrou, Diego Maradona realizou, na Itália, em 1990, uma Copa memorável.

Num dos seus rompantes mais negativos, chegou até mesmo a comandar a surra de um pobre segurança do alojamento da sua seleção, em Trigoria, nos arredores de Roma.

De todo modo, contundido num tornozelo, vigorosamente batalhou para se recuperar e enfrentar o Brasil, naquele fatídico prélio do Delle Alpi de Turim, em 24 de junho.

Então na Folha de São Paulo, encarregado de cobrir os eventos da competição na capital da Bota, diariamente, bem cedinho, eu visitava Maradona em Trigoria.

Levava comigo uma fita métrica, com que media a involução do inchaço. Numa certa data, o tornozelo de Maradona chegou ao recorde de 25cm.

Graças ao apoio do médico Raúl Madero, um santo, e do massagista Salvatore Carmando, um anjo, Maradona enfrentou o Brasil e deu o passe fatal a Cláudio Caniggia, naquele lance inesquecível em que o volante Alemão, seu companheiro de clube, na Itália, evitou atingi-lo no tornozelo.

Na semifinal, em Nápoles, a sua cidade na Bota, Maradona produziu um milagre ainda maior – mesmo contra a Squadra Azzurra, dividiu a torcida. E a Argentina superou a Itália, nos pênaltis, 2 a 1.

A Argentina chegou à decisão da Copa, fisicamente acabada e desfalcadíssima. Pior, foi prejudicada por um árbitro banana, o azteca Codesal – que ignorou um pênalti claro de Augenthaler em Dezotti, expulsou dois platinos e ainda anotou um pênalti duvidoso de Sensini em Voeller. Alemanha 1 a 0.

Na cerimônia de entrega da Taça Fifa à Alemanah, Mardona liderou um coro audacioso na direção das tribunas da cúpula cartolística da entidade: “Hijos de Puta! Hijos de Puta!”

Paris é uma festa!


Por Marcos de Vasconcellos

Certa vez, eu subia o Champs-Elysées, numa fantástica manhã de primavera, dirigindo meio ao tráfego impaciente de Paris, quando vi cruzar à minha frente a ilustre e querida figura de Aloysio Salles, na época presidente honorário do bar Antônio’s. O Aloysio tem uma voz e um estilo peculiaríssimo, que imito à perfeição. Como não pude parar para abraçá-lo, berrei com a voz dele:

– Presidente! Presidente!

Ele voltou-se. Alegríssimo, primaveril, acenando:

– Procure-me! Procure-me!

– Onde, Aloysio? – gritei, já meio abafado pelo gendarme que me fazia sinais enérgicos para desobstruir o trânsito.

A resposta que recebi foi absolutamente surrealista:

– Aqui! Aqui! – disse ele apontando para o lugar onde estava.

A saia justa do Zé Bode


Por Aldir Blanc

Zé Bode, não por coincidência morador da... Penha!, resolveu dar aula de educação sexual pros netos. Foi uma falação louca, entremeada de termos técnicos como “boquete”’ e “gualibão”. As crianças adoraram. A primeira aula teria sido um êxito retumbante se um dos meninos não tivesse criado caso:

– E a Roberta Close?

Zé Bode armou a retranca:

– Que qui tem?

– Dizem que era homem, fez uma operação e virou mulher.

Zé Bode continuou de líbero:

– E daí?

O menino aplicou uma sucessão de dribles de fazer inveja ao Bebeto:

– Bom, é mulher agora, mas antes não era. Não é mais homem, mas antes também não era...

Zé Bode se encrespou:

– Era homem, tinha tarugo.

– Mas não usava!

Já vi situações assim no hospital. Diante de um impasse, o jeito é apelar pro cientificismo. Zé Bode não vendeu barato:

– A genitrolha não é de somenos dada a circunstância, ainda que hipotética, de descabelamento do palhaço. Outrossim, não se apresentava, logo abaixo do Bombril, a perseguida. Muito pelo contrário, delineava-se ali, ainda que modesto, o cipó de aroeira.

A classe aplaudiu tamanha erudição, mas o menino tinha uma derradeira dúvida:

– Ela transa por onde?

Zé Bode cauteloso:

– Aparada a genitrolha, constituiu-se genibrenha. É por ali.

– E antes?

– Antes o quê, porra?

– Antes, ora essa. Como é que ele, ou ela, fazia a coisa?

Com um suspiro de resignação, Zé Bode revelou o segredo:

– Através das partes caganetais.

Economia médica para diletantes


Por Paulo Mendes Campos

Filósofos modernos ensinam que todas as ações da vida são determinadas, ou pelo menos condicionadas, por situações materiais, econômicas e financeiras. Ora, se isso é verdade, por uma lógica irrefutável, também as ações da morte (ou doenças) sofrem a mesma influência das condições econômicas e financeiras. É mesmo natural que os processos vitais negativos ainda sejam mais intensamente influenciados pela realidade material.

A pressuposição nos levaria a uma reformulação da semiologia (estudo dos sinais da doença) e da etiologia (estudo das causas da doença). A medicina passaria a ser psico-econômico-somática, isto é, um terceiro fator (material) seria considerado nos estados mórbidos de corpo e espírito.

Por exemplo: um indivíduo morre de colapso (aliás, todos os indivíduos morrem de colapso); ora, em frequentes casos, esse colapso pode ter implicações que o levam a ser caracterizado como colapso bancário, ou seja, óbito dos que topam subitamente fechada a única saída (ou entrada): o crédito dos bancos.

Outro mal comum, do mesmo setor, é o choque operatório; a facilidade do crédito leva o indivíduo a sucessivas operações, até a ocorrência da crise, que pode ser definitiva.

Chama-se derrame inflacionário uma doença capaz de longo período incubatório: o indivíduo sofre em consequência de operações realizadas em regime de papel-moeda excessivo.

Contrariamente, a esclerose deflacionária tem por origem as condições restritivas do meio circulante; o endurecimento progressivo dos vasos circulatórios pode ocasionar a morte.

Uma causa mortis frequentíssima é o enfisema popular: devido a uma distensão constante do tecido social, a pessoa começa a fumar muito e a respirar pouco, acabando por falecer de asfixia.

A falência precoce é uma psicopatia financeira produzida pelas mais diversas causas, inclusive as fraudulentas.

Já a concordata pálida tem seus efeitos patológicos atribuídos geralmente a péssimas condições de herança, levando os herdeiros do negócio a um acordo descolorido, que pode ser fatal.

Chama-se cirrose de custo a degenerescência das condições de produção, causando graves atrofias do órgão afetado.

Bloqueio salarial é uma doença coronária, cuja sufocação se deve à diferença entre o orçamento mínimo e o salário máximo, este impropriamente denominado mínimo.

Mal urbano é a crise de apartamento: ocorre quando a pessoa adquire residência própria no peito e na raça, e acaba sem poder pagá-la.

Desajustamento de reajustamento, por sua vez, é quando os recursos financeiros do comprador não se ajustam às necessidades de reajustamento do vendedor, provocando descompasso cardíaco.

Quando a máxima pressão dos preços coincide com a pressão mínima dos meios disponíveis, a pessoa pode morrer de pressão convergente.

Em certas situações, o indivíduo se vê obrigado a escolher entre duas “soluções” fatais: esta é a principal causa da úlcera de Daoudesce; a hematêmese (vômito de sangue) demonstra claramente a perplexidade da vítima.

O que se conhece vulgarmente por mania de grandeza (de padrão de vida também se morre, diz um estudioso) terá nos futuros atestados de óbito o nome de delirium vitae.

A aquisição febril de títulos de procedência duvidosa, ou francamente contaminados, pode causar a febre-título.

Quando você continua a produzir para um mercado que já morreu, pode contrair a doença chamada necrose de consumidor.

Há uma doença que se contrai por amizade: é a virose de amigo do peito, resultante de compromissos assumidos em benefício alheio.

Trauma fazendário é mal de quem deixou de pagar no momento exato (geralmente por desconhecer a legislação) uma importante obrigação fiscal.

Na pressão delfínica, o paciente débil não resiste ao peso das reais exigências da fazenda: morte por dispneia aguda.

Um grave distúrbio de origem medicamentosa é a receita letal.

Carcinoma de agiota ou agiotagem carcinomatosa é tumor produzido por juros altos: mínima taxa de sobrevida.

Cardiosclerose do outro ou transplante de revertério é uma doença singular, em consequência da qual a pessoa definha pelo endurecimento do coração de outro indivíduo (singular e plural ao mesmo tempo).

Endosso senil, doença da idade avançada, produz os mesmos efeitos do endosso infantil.

Hemiplegia de coração ocorre quando você paga com correção monetária e recebe sem ela, paralisando-se pela metade.
Metástase fiscal é óbito devido à insolvência, de pessoa física ou jurídica, em decorrência da falta de recursos internos para fazer face às múltiplas obrigações sociais do fisco.

Xxxx

terça-feira, janeiro 30, 2018

Marchinha da BICA já está na boca do povo


Por Paulo André Nunes

Todos os anos é sempre assim: as famosas marchinhas da tradicional Banda Independente da Confraria do Armando (BICA) são aguardadas com expectativa pelo público folião no Carnaval de Manaus, que já sabe que vem sátira e bom humor com doses de crítica em meio à brincadeira.

E neste ano não é diferente, só que a dose é tripla: a composição que vai embalar o tema deste ano, que é “Amazonas é um Circo de Horrores: em um ano teve três governadores”, chama-se “Overdose de Governador” e trata justamente das mudanças no comando do Governo do Amazonas num curto período de tempo, que teve José Melo, David Almeida e tem, neste momento, o retorno de Amazonino Mendes.

A marchinha, de autoria do jornalista Mário Adolfo e dos músicos Mestre Pinheiro, Assis e Papaco, já está ganhando as graças do folião e foi lançada no ensaio da Banda da BICA na última quinta-feira (25) no próprio Bar do Armando, na rua Dez de Julho, Centro. A banda está confirmada para 3 de fevereiro, na frente do próprio bar, e na contramão de axés, funks e outros ritmos ela segue a tradição com marchinhas, sambas-enredos e clássicos de Carnaval.

Os primeiros trechos da letra da marchinha de 2018 da Bica trazem uma engraçada homenagem ao saudoso comerciante português Armando Soeiro, que foi proprietário do estabelecimento e deu nome ao bar: “Seu Armando já dizia, ora pois meu rapaz / Um é pouco, dois é bom, o terceiro é demais”

Além do nome dos três últimos governadores a letra também cita os senadores Vanessa Grazziottin e Omar Aziz. A composição não perdoa nem o prefeito de Manaus, Arthur Neto, e a intenção dele de se candidatar a presidente da República: “Arthur apaixonado, tá no céu e voa alto / Quer lua de mel no Palácio do Planalto”.

Veja abaixo a letra completa da marchinha e vídeo com áudio da canção.


Overdose de governador (Autores: Mário Adolfo, Mestre Pinheiro, Assis e Papaco)

Seu Armando já dizia
Ora pois, pois meu rapaz
Um é pouco, dois é bom
O terceiro já é demais

Mas a Zona Franca é bacana
Vale tudo na linha do Equador
Em terra de político sacana
Tivemos overdose de governador

Lero, lero tira o Melo
Mas não mete o Cabeção
Esse David não quero
Tô cansado de Negão (bis)

Não ande por Maus Caminhos
Dinheiro fácil a gente evita
Tira o teu da reta, maninho
Para de roubar tu vais entrar na BICA

Corrupção é uma grande mancada
Aqui Sefaz aqui se paga
Macacão de listas pega mal
Não tem indulto pra brincar o Carnaval

Lero, lero tira o Melo
Mas não mete o Cabeção
Esse David não quero
Tô cansado de Negão (bis)

Omar fez um acordo
Mas marcou bobeira
Mazoca tomou gosto
Não levanta da cadeira

Chupa, chupou é o governo do amor! (coro) 

Vanessa deita e rola
Na cama da senadora
Agora tá com medo
De acordar vereadora

Chupa, chupou é o governo do amor! (coro) 

Arthur apaixonado
Tá no céu e voa alto
Quer lua de mel
No Palácio do Planalto

Chupa, chupou é o governo do amor! (coro)

Amor: insumo ou comodity?


Por Jurandir Freire Costa

Que diferença há, ou pode haver, entre cães no cio, no meio da rua, em pleno sol do meio-dia, e um casal de humanos, desnudos, entre os lençóis de cetins na novela das oito? Claro, muitos poderiam dizer que a diferença está no balde de água fria. Mas essa linha tênue que os divide pode estar a no olhar de quem assiste, ou ainda, no olhar daquele que nos imputa a assistir a segunda cena como sendo parte de uma “normalidade” que se manifesta à nossa revelia – e que talvez pudesse sobreviver sem a nossa anuência.

Atualmente, a superexposição de corpos e a crença de que possam ser as mais perfeitas máquinas de prazer e felicidade, nos fazem ansiar por esse pertencimento, como se nos engajássemos nesse bem político. Hoje, não só copiamos o modo de vida de outras pessoas, como queremos de verdade ter a mesma vida que elas, nos vestirmos iguais a ela e ter o mesmo prazer que julgamos que elas possuam. No novo corpo social, todos se parecem, como clonados de uma matriz humanamente ideal.

Haveríamos de nos perguntar o porquê de tanto interesse em comparar a intimidade de outros com a nossa. Onde estaria a vanguarda dos reality shows quando, até o século 17, a vida privada era vivida em público? Nos tempos medievais, as pessoas de classes, idades e sexos diferentes tinham por hábito tomar banhos coletivamente, em lugares públicos, além de compartilhar o mesmo leito nuas – salvaguardando algumas ordens monásticas, onde era prescrito dormirem vestidas.

Hoje, a mídia expõe a vida íntima de astros, políticos e traficantes. Mercantilizam tudo o que possa satisfazer nossa curiosidade quando nada parece ser realmente novo. E talvez não seja mesmo. Desde os tempos monárquicos que o fuxico vem sobrecarregando os ouvidos daqueles que louvam sapear a vida alheia.

Também sempre houve o interesse da Casa Grande pela Senzala, onde os nobres e abastados ansiavam conhecer como viviam os despossuídos da moeda, como eram seus gostos, como obtinham prazer e alegria de viver com um mínimo de conforto, escassez de alimentos e quase nenhum saber. E o que a pieguice os impedia de praticar à luz do dia, desfazia-se com a maior benevolência com a chegada da noite, na mais perfeita comunhão de fogosos.

Nossa fraqueza humana já é por demais conhecida. Quando o assunto é sentir prazer, vale trair o Pai no Paraíso. Sabemos reconhecer a delícia desta iminente sensação quando adquirimos os bens que o capital nos induz a possuir. E, mesmo que seja por efêmeros segundos de puro êxtase, já nos damos por satisfeitos e saciados quando a moeda nos honra em nossas mais arraigadas necessidades, mesmo quando sabemos que ela pode comprar uma sensação, mas nunca um sentimento. Talvez aí esteja a nossa redenção, ao reconhecermos que há algo imaterial e por demais essencial para ser tão banalizado.

E como nos legou Milton Santos: “A tirania do dinheiro e a tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos espíritos seria impossível a regulação pelas finanças”. Já temos por onde começar.

Sobre a categoria dos homens incomuns


Por Ricardo Noblat

Onde se lê: “Ninguém está acima da lei”. Leia-se: homens incomuns costumam estar. Por incomuns, entendam-se homens poderosos, influentes, detentores de segredos que, se revelados, poderiam provocar a ruína de outros homens e de instituições.

Pensa que começarei a falar de Lula desde agora? Não. Deixarei para mais tarde. Falo primeiro de Assis Chateaubriand, um paraibano baixinho, espertíssimo e sem nenhum escrúpulo que foi dono em meados do século passado da maior rede de comunicação deste país.

No seu apogeu, o grupo Diários e Emissoras Associadas reuniu 36 jornais, 18 revistas. 25 estações de rádio e 19 de televisão. Chateaubriand usou tamanho poder para o bem e para o mal, para fortalecer-se como manda chuva e para satisfazer seus caprichos.

Por duas vezes, em anos sem eleição, ele foi eleito senador. Como? Pressionou e obteve a renúncia de senadores e de seus suplentes, e a Justiça foi obrigada a convocar eleições extraordinárias ganhas, naturalmente por ele. Não assumiu o mandato.

Getúlio Vargas era ditador quando Chateaubriand se desentendeu com a mulher e quis ficar com a guarda da filha, Teresa. Pela lei não seria possível. Getúlio curvou-se à vontade dele ao baixar em 1942 o Decreto Lei 4.737, que conhecido como Lei Teresoca.

Em 1973, o general-presidente Garrastazu Médici, o terceiro depois do golpe militar de 64, assinou decreto que deu origem à chamada Lei Fleury feita sob medida para proteger o delegado paulista Sérgio Fleury, o maior torturador de presos políticos à época.

Fleury corria o risco de ser preso por crimes ligados ao Esquadrão da Morte e ao tráfico de drogas. A lei dizia que réus primários, com endereço conhecido e bons antecedentes, estavam dispensados de ir para a cadeia. Sim, foi isso mesmo que você leu.

Há menos de dois anos, Renan Calheiros desrespeitou decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o afastou do cargo de presidente do Senado (não do mandato) porque como réu em processo não poderia ocupá-lo.

O que fez o STF? Derrubou a decisão de Mello. Proibiu Renan de assumir a presidência da República em eventual ausência de Michel Temer e do seu substituto imediato, o presidente da Câmara. Mas não viu mal que ele permanecesse no cargo de presidente do Senado.

No final de setembro do ano passado, por envolvimento no escândalo do Grupo J&S, o STF afastou Aécio Neves do cargo de senador e o pôs em prisão domiciliar. O Senado recusou-se a aceitar a decisão. O que fez então o STF?

Estabeleceu que, doravante, qualquer punição que impusesse a um parlamentar só valeria depois que a Câmara ou o Senado a avalizasse. Abdicou na prática do princípio de que a última palavra será sempre da justiça. Rendeu-se ao Congresso.

Mas a lei não é para todos? E ninguém pode estar acima dela? Depende. Quando se trata de homens incomuns, não obrigatoriamente. Foi Lula que um dia, ao sair em defesa do ex-senador José Sarney, referiu-se a ele como “um homem incomum”.

Nada mais natural, pois, que agora ameaçado de prisão e de ficar inelegível por oito anos, Lula queira ser visto também como um homem incomum. Se o STF é capaz de oferecer tomar decisões customizadas, digamos assim, Lula espera não ser discriminado.

O STF está pronto para satisfazer as expectativas de Lula pelo menos quanto à prisão. Se há dois anos entendeu que condenado em segunda instância da justiça pode ser preso, passará a entender que caberá à terceira instância mandar um condenado para a cadeia.

quinta-feira, janeiro 25, 2018

No terreiro dos bambas


Algumas das histórias são famosas e – entre a verdade e a lenda – acabaram impressas na memória do samba. Em livros e em conversas de botequim. Como a tragédia do compositor carioca Antonio Candeia Filho (1935-1978). Temido e violento policial, após esbofetear uma mulher no bairro da Lapa, ouviu dela uma praga. Uma semana depois, foi atingido por um tiro após uma discussão de trânsito e ficou paraplégico. Sentado na cadeira, no entanto, Candeia se regenerou e compôs alguns de seus sambas mais bonitos.

Ou o episódio da morte de Pixinguinha (1887-1973), dentro da igreja Nossa Senhora da Paz no Rio de Janeiro e que emudeceu o desfile da Banda de Ipanema no carnaval de 1973. Outras, mais atuais, são menos famosas e falam do cotidiano de grandes nomes como Nei Lopes e Arlindo Cruz.

Um punhado desses casos saborosos do mundo do samba estão reunidos pelo antropólogo carioca Marcos Alvito, esse boa praça aí em cima, no livro “Histórias do Samba – De João da Baiana a Zeca Pagodinho”.

Em cem pequenas histórias, bem-humoradas e despretensiosas no estilo e no rigor histórico, Alvito tenta mostrar o universo do samba carioca do início do século 20 até hoje. O autor é professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisa a origem e o desenvolvimento do samba no Brasil, destacando suas raí­zes africanas.


O livro é rápido e leve. Cada história é contada quase como uma anedota, ainda que com aquele tom reverente, nostálgico e quase religioso que os fãs de samba atuais mantêm em relação às velhas guardas. Exaltação perdoada nesta época de carnaval.

No conjunto, as histórias dão conta de parte do imaginário que compõe o universo do samba carioca. As feijoadas, os partideiros nos fundos dos quintais das tias, os instrumentos peculiares, como o prato e a caixa de fósforos, e os bares históricos.

Alguns temas inescapáveis também merecem verbetes, como o caso dos compositores humildes obrigados a “vender” suas músicas, a proverbial nostalgia dos velhos carnavais e a “polêmica” entre Noel Rosa (1910-1937) e Wilson Batista (1913-1968).

Talvez o causo mais vezes contado da história da música brasileira, a rixa opôs os dois grandes autores na década de 1930 em provocações mútuas em forma de sambas. Entre o chumbo trocado estão pérolas como “Rapaz Folgado”, de Batista, e “Palpite Infeliz”, de Noel.

Um dos méritos do simpático livro é contar história inéditas de sambistas menos conhecidos, como Padeirinho e Antenor Gargalhada. E da nova geração, como o caso do “empate histórico” entre o então jovem Zeca Pagodinho e o veterano partideiro Aniceto do Império Serrano (1912-1993)

Bar ruim é lindo, bicho!


Por Antônio Prata

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinquenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinquenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.

– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha.

Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida.

Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, frequenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas.

Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que frequentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV.

Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinquenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato).

Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo.

Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).

– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

35 livros sobre o carnaval disponíveis na banca do Careca Selvagem


Quem aí ainda não está curtindo o carnaval? Ah, fala sério! Como estamos em clima carnavalesco, para celebrarmos literariamente essa grande festa popular brasileira selecionamos algumas obras literárias que tratam sobre o carnaval ou têm alguma relação com essa temática.

Sim, isso vocês já sabem: o carnaval é a maior festa popular do Brasil celebrada anualmente, com bailes, desfiles, festejos, folguedos, blocos, bandas, batalhas de confete e paradas nas ruas em que as pessoas celebram a alegria coletiva.

Essa data comemorativa já faz parte da tradição e da cultura brasileira e já foi abordada diversas vezes na literatura nacional, seja por meio de crítica social, ou através de um estudo histórico e antropológico dessa tradição festiva na vida social dos brasileiros, seja em forma de poesia ou contos.

Por isso, reunimos 35 livros de diferentes gêneros literários que abordam o tema do Carnaval e que estão à venda na banca do Careca Selvagem, todo domingo, na Av. Eduardo Ribeiro, a partir das 10h. Se liga, mané!

1. “Nem vem que não tem – A vida e o veneno de Wilson Silmonal” (Ricardo Alexandre)
2. “Antes do furacão – O Mardi Gras de um folião brasileiro em Nova Orleans” (Fred Góes)
3. “Paulo Barros Sem Segredo – Estratégia Inovação e Criatividade” (Artur da Távola)
4. “Carnaval – J. Carlos” (Luciano Trigo e Cássio Lordeano)
5. “Adoniran – Dá licença de contar...” (Ayrton Mugnaini Jr.)
6. “Carnaval brasileiro – O vivido e o mito” (Maria Isaura Pereira de Queiroz)
7. “Troféus da Mangueira” (Aydano André)
8. “Meu Carnaval Brasil” (Felipe Ferreira, Sérgio Cabral e Ricardo Cravo Albin)
9. “Na Passarela do Samba – O esplendor das escolas em 30 anos de desfiles de carnaval no Sambódromo” (André Diniz)
10. “Um Carnaval Encantado” (João Pedro Soares Martins)
11. “Marcadas para Viver – Cadernos de Samba” (João Pimentel)
12. “Portela – 90 Anos de História” (Salete Lisboa e Marcelo Loureiro)
13. “Nasci para sonhar e cantar – Dona Ivone Lara: a mulher do samba” (Mila Burns)
14. “A dança nobre do Carnaval” (Renata de Sá Gonçalves)
15. “Tantas páginas belas” (Luiz Antonio Simas)
16. “Ivone Lara – A dona da Melodia” (Kátia Santos)
17. “Estrela que me faz sonhar – Mocidade” (Bárbara Pereira)
18. “Carnaval em múltiplos planos” (Maria Laura Cavalcanti)
19. “Abre-alas – Histórias dos Carnavais de Angra dos Reis” (Aglaé Moreira dos Reis Dias)
20. “Acadêmicos, Unidos e tantas mais – Entendendo os desfiles e como tudo começou” (João Bastos)
21. “Onze mulheres incríveis do Carnaval carioca – Histórias de porta-bandeiras” (Aydano André Motta)
22. “País do carnaval” (Jorge Amado)
23. “O dia em que adiaram o carnaval” (Luis Claudio Villafañe G. Santos)
24. “O carnaval do jabuti” (Walmir Ayala)
25. “Aula de carnaval e outros poemas” (Ricardo Azevedo)
26. “Carnaval no fogo” (Ruy Castro)
27. “O carnaval dos animais” (Moacyr Scliar)
28. “Arlequim de carnaval” (Ronaldo Correia de Brito)
29. “Foi no carnaval que passou” (Gustavo Malheiros)
30. “Carnaval” (Umberto Eco)
31. “Antologia de carnaval” (Wilson Louzada)
32. “Carnaval no convento” (Odil de Oliveira Filho)
33. “O livro de ouro do carnaval brasileiro” (Felipe Ferreira)
34. “Desde que o Samba é Samba” (Paulo Lins)
35. “BICA do Armando – Trinta anos de escracho político no carnaval de Manaus” (Francisco Cruz e Simão Pessoa)

A santa milagrosa


Por Aldir Blanc

Sábado de Carnaval. O índio entrou no bar Caras e Bocas, pintura de guerra feita com esparadrapo, sentou em frente a mim e suspirou:

– Canalha.

Estendi a mão.

– Prazer. Canalha de quê?

Ele riu. Fiz um sinal pro Davi trazer dois chopes.

– Minha vida era aquela criança e agora...

– Morreu?

– Não, foi morar com a tia.

Bebi um gole e relaxei. Adoro drama contado em buteco.

– Durante a gravidez a mãe dela não passou bem. Eu disfarçava meu próprio sofrimento bebendo e bancando o macho. Uma noite a mãe dela me pediu que fosse a um supermercado e comprasse mamão papaia, tava com muito desejo. Eu disse pra ela não encher meu saco. Ela me olhou com uns olhos de mágoa que eu não consigo esquecer. Senti que tinha perdido a mulher. Era só uma questão de tempo. A criança nasceu de sete meses, foi pra incubadora. Fiz promessa: se a menina vingasse, eu pararia de fumar charuto, ela se chamaria Aparecida e, durante três anos, sairia vestida igualzinha a santa, com andor e o escambau, no meio da bateria do bloco onde eu era o faz-tudo, o Grêmio Carnavalesco Quem Nunca Sentiu Vai Sentir Agora. Quando Aparecida fez cinco anos, a mãe fugiu com um protético. Disse que nunca mais queria me ver. Senti que era hora de começar a cumprir minha promessa. No carnaval seguinte, armamos o Bloco, na Praça Mauá, pra atravessar a Rio Branco de cabo a rabo. Caiu um toró desgraçado. Quando colocamos Aparecida, de manto e coroa, no andor, a chuva parou como que por encanto. Tava todo mundo meio de porre. Dorinha Valium-10 gritou: “Milagre!” Teve gente que se ajoelhou. De farra. Não choveu uma gota até que tirei Aparecida do andor, lá perto do Obelisco. Foi pousar a menina no chão e o pé d’água desabar. Dava pra ver respeito, medo até, nos olhos das pessoas. Eu tava engatilhando uma piada pra desanuviar o astral quando Aparecida fez um gesto tipo cala-essa-boca, e avisou a todos, com voz suave e adulta: “Esse ano foi a chuva, ano que vem serão os pombos”. Nunca tive tanta vontade de fumar um charuto na minha vida.

Eu quis mandar buscar uns charutos no buteco da esquina, já que o Caras não vendia nada de fumo. O índio riu:

– Não, obrigado. Parei de vez. Eu tive vontade naquela hora, lá na avenida.

Pedi mais dois chopes.

– Bom, durante o resto do ano, Aparecida se comportou como uma criança perfeitamente saudável, sem problema. Nem pesadelo tinha. Chegou o Carnaval. Desfilamos outra vez na Rio Branco. Quando estávamos passando pela Cinelândia, um monte de pombos pousou no andor. Há quem diga que foram três ou quatro. Outros juram que foram dezenas. Eu não sei mais. No meio do tumulto, gente chorando, um menino que saía de cadeiras de roda, com uma cuíca, levantou e agradeceu a graça conquistada. Eu quase tive um troço. Me deu uma vontade de fumar tão grande que a minha boca entortou. Olhei pra Aparecida: tinha crescido. A roupa de santinha tava na altura das canelas dela. Dava pra ver o tênis rosa-sujo. Fiquei com os olhos cheio de lágrimas e pensei: nessa terra até Nossa Senhora tem chulé. Aparecida sorriu docemente pra mim e orou: “Madrinha, faz eu voar ano que vem! Nem que seja só um pouquinho...”.

O índio pediu pra ir ao banheiro. Sabia cortar na hora certa. Quando voltou, ficou calado um tempão. Não forcei a barra. De repente, começou a chorar. Mais dois chopes e ele contou o resto da história.

– Era o último desfile dela. Na concentração, na Praça Mauá, tinha até televisão. Vários jornais publicaram reportagens sobre os milagres. Muita gente tinha recortes, com fotografia da menina, presos no peito com alfinetes, colados, eu sei lá. Até o cardeal falou sobre o bloco em seu programa de rádio e aproveitou a deixa pra esculhambar a Xuxa. A praça fervia. Tinha PM em traje de gala, representante do Prefeito, bandeiras do PT, uma loucura. Nunca vi tanto aleijado junto. O malandro do repique era surdo-mudo. A maior mistura de cabrochas seminuas e beatas com vela, terço, ex-voto... Que zona, parceirinho! Depois de muita confusão, o bloco saiu. O refrão do samba era assim: “Santos Dumont deu motivo pro Brasil se orgulhar / Abre alas Ponte Aérea, que a Santa vai voar”. É mole?

Eu ouvia tão fascinado que o chope esquentou. Mais dois!

– Perto do Bar Central ela abriu os braços e começou a tremer. Foi indescritível. O povo cantava o refrão como se estivesse numa igreja, a bateria sentando a lenha. A turma da corda não conseguia conter os fiéis. Pintou um turista alemão filmando a cena, baita charuto na boca. Não aguentei. Tirei o palhaço da boca do gringo e puxei fundo. O andor todo balançava. Os foliões todos gritavam: “É agora! É agora!” Perto do Teatro Municipal uns babacas ensaiaram o corinho: “Mar-me-la-da! Mar-me-la-da!”. Saiu um cacete pra Maguila nenhum botar defeito, todo mundo dando e levando. O único jeito de acabar com aquilo era Aparecida levantar vôo. Perdi a cabeça. Me pendurei no andor e dei um tremendo esporro: “Tá rateando, merda? Decola logo, sua filha da puta!”. E aí...

Eu quase sem ar:

– E aí?...

– Foi um voo curto mas valeu. Aparecida soltou um berro medonho, despregou do andor, planou uns dois metros, o manto azul de cetim feito asa-delta de pobre, e caiu de cabeça no meio da bateria. A massa delirou. Aparecida levou seis pontos na testa e, na Quarta-feira de Cinzas, foi morar com a tia. Disse que nunca mais queria me ver.

– Por causa dos palavrões?

– Não. Por ter enfiado a brasa do charuto na perninha dela. Eu costumo dizer que santa voadora não admite co-piloto.

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Carta aberta aos humoristas do país


Companheiros humoristas! A crise se alastra como um ataque de riso! Não podemos mais assistir ao festival de piadas contadas pelos governantes e ficar calados. É hora de agir! Vereadores, deputados, senadores e até o presidente da República não podem assumir o papel que foi outorgado aos humoristas há séculos. Nós é que somos os verdadeiros bobos da corte. Nós é que estamos autorizados a contar histórias nonsense e fazer os outros babarem de tanto rir nos circos, casas de shows, programas de auditório, rodeios e no rádio. Nós é que somos os pândegos e não eles.

Mas antes de iniciarmos a cruzada contra os que desejam nos ver desempregados, mendicantes e fragilizados, devemos estar preparados para a guerra. E saibam: temos um inimigo hilariante pela frente. Um inimigo que domina a arte da patuscada como poucos.

Os ministros Eliseu Padilha, Blairo Maggi e Carlos Marun, só para ficar em alguns exemplos, podem se ombrear com os melhores dos nossos. Seus discursos enveredam por um humor absurdo só visto nos momentos mais gloriosos dos Irmãos Marx ou dos Três Patetas.

Sim, temos um grande desafio à proa! A técnica em Brasília é primorosa. Talvez apenas na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, com o cômico bispo Marcelo Crivella comandando a Prefeitura, estejam praticando humor no mesmo nível.

Geralmente nossos ministros começam fazendo uma introdução séria. Vão conduzindo a plateia. Depois, inesperadamente, arrematam o discurso com uma medida fora de propósito ou mesmo tresloucada. É batata: todo mundo ri! De nervoso, é claro, mas acaba se mijando de tanto rir. E nós, os verdadeiros parlapatões, não viramos os palhaços da história. Triste, muito triste.

Às vezes, companheiros nossos revelam pesarosos, aqui na Igreja da Salvação Pela Graça “Deus é Humor”, que, no fundo, invejam a técnica candanga de fazer piadas. Eles têm certeza de que nunca se equipararão a ela. O clima na nossa igrejinha é de completa desolação. Um velório sem anedotas de português, papagaio, loura birra e muito menos de anões.

Palhaços, comediantes de tevê, cronistas, cartunistas, clowns e imitadores dos mais longínquos rincões brasileiros vêm até nós. Cabisbaixos, entregam as carteiras profissionais para dar baixa e choram! Choram copiosamente, como em novelas mexicanas!

Para terem uma ideia, companheiros, até nossos colegas ilusionistas estão perdendo vagas no mercado com a escalada de chistes fabulosas do Conselho Nacional Monetário. Vamos ter de lutar com um inimigo que, além de cômico, é mágico!

Considerando: a vil maneira como os mandatários estão nos surrupiando temas e situações para chistes.

Considerando: o modo cínico como eles se locupletam imitando nossas técnicas e caretas.

Considerando: o alto índice de desempregados de nossa Categoria em função da concorrência desleal da classe política brasileira – só nos resta entrar em GREVE AMPLA, GERAL E IRRESTRITA CONTRA O DUMPING HUMORÍSTICO DOS LACAIOS DE BRASÍLIA!

A partir da meia-noite de amanhã, BOICOTE a toda e qualquer gracinha de ministros, senadores, deputados, vereadores e outros membros do Executivo, Legislativo e Judiciário!

– Guerra santa contra as patuscadas de Michel Temer!

– Boicote às anedotas babacas do Gilmar Mendes!

– Boicote aos números de ilusionismo do Henrique Meirelles!

– Boicote ao botox ultra detox do Moreira Franco!

À luta, palhaços!!! Quem ri por último, ri melhor!!!

Ruínas da política


Collor e Lula se ofendiam diariamente na TV e no rádio. Em 2009, desembarcaram do avião presidencial para se abraçar nas ruas de Palmeira dos Índios (AL)

Por José Casado

De novo, Collor e Lula são candidatos à Presidência. Fernando Affonso, 68 anos, confirmou no fim de semana em Arapiraca (AL). Luiz Inácio, 72 anos, será reafirmado pelo Partido dos Trabalhadores, sexta-feira em Porto Alegre. Eram jovens promessas na política quando disputaram, 29 janeiros atrás.

Collor construíra uma história de êxito na oligarquia de Alagoas ─ um dos estados mais pobres, governado por seu pai 35 anos antes, no rodízio entre senhores de engenho e “coronéis”. Trocou o governo estadual pela aventura presidencial e entrou na campanha com um caixa de US$ 12 milhões, coletado entre usineiros de açúcar e álcool, que beneficiara com uma década de isenções fiscais.

Lula era a antítese. Exaltava a biografia na moldura épica do migrante pernambucano que chegou ao Sul e ascendeu à elite urbana paulista, depois de se arriscar na liderança de greves em desafio à ditadura, empresas e à burocracia sindical cevada na tesouraria governamental desde a Era Vargas. Foi o segundo operário e líder sindical a disputar votos pela Presidência, na trilha aberta pelo cortador de mármore carioca Minervino de Oliveira, vereador, ativista negro e comunista no Rio de 1930.

Era a primeira eleição presidencial direta depois de 21 anos de regime militar. Com exuberância nos insultos, Collor e Lula conseguiram ocultar dos eleitores as fragilidades de suas propostas para um país que ingressava na democracia sob grave crise econômica (aluguéis de imóveis aumentavam 866% ao ano).

Ofendiam-se diariamente, na TV e no rádio. Collor caluniava Lula, acusando-o de planejar “luta armada”, “banho de sangue” e “guerra civil”, sob “inspiração de Hitler e Khomeini”. Lula injuriava Collor, xingando-o de “imbecil” nascido em “berço de ouro” de uma família que “mata trabalhador rural”.

Collor venceu, enquanto ruía o comunismo do Muro de Berlim. Renunciou antes de ser deposto por corrupção, aprisionado na moenda política organizada por Lula e pelo PT. Passados 17 anos, em 2009, desembarcaram do avião presidencial para se abraçar nas ruas de Palmeira dos Índios (AL): “Quero fazer justiça ao Collor”, disse Lula. Comparou-o a Juscelino Kubitschek, cujo governo deflagrou a expansão da indústria de metalurgia na periferia paulistana ─ onde surgiu o sindicalista Lula.

Collor foi absolvido pelo Supremo em 2014, por falta de provas. Hoje é a vez de Lula num tribunal, em súplica contra a condenação a nove anos e seis meses de prisão por corrupção. Ainda tem outros cinco processos.

Dos quatro presidentes que o Brasil escolheu nas urnas desde a redemocratização, dois acabaram destituídos (Collor e Dilma), um está no banco dos réus (Lula) e o atual (Temer) precisou vencer três votações seguidas (no TSE e na Câmara) para continuar no cargo e sustar seus processos por corrupção até o fim do mandato, em dezembro.

No Supremo estão pendentes 273 inquéritos contra políticos, por corrupção. Como Lula e Collor, todos ascenderam no ocaso da ditadura, dominaram o poder sob a Constituição de 1988, mas naufragaram nas vagas promessas aos eleitores sobre um país com horizonte bonito e tranquilo para as utopias políticas que eles mesmos corromperam.

A Lava-Jato está expondo o retrato desse fracasso de gerações.

Flanando em Paris


Por Marcos de Vasconcellos

O cronista José Carlos Oliveira inaugurava-se Paris, primeira viagem. Prevenido, ainda no Rio, dia do embarque escolheu seu cicerone que, mesmo à distância, o orientaria na descoberta dos mistérios da capital da Europa: Aloysio Salles, cuja alma de grand seigneur abriga uma notável percentagem de genuíno parisiense.

Encantado com a missão, Aloysio deixou-se agarrar pelo Carlinhos e, tratando-lhe o braço, abandonou as coisas terrenas para sonhar Paris com o escritor aspirante à cidade. E dedicou toda a manhã, o almoço, meteu-se tarde adentro a desfilar, carro aberto, pela Rive Gauche, certamente o destino da boemia cultural do Carlinhos que lá pelas cinco horas, repleto de informações, ia, nos intervalos da fala interminável de Aloysio, tentando encaixar uma despedida, pois precisava fazer as malas e ir para o aeroporto.

Aloysio, inesgotável:

– Abandone os hotéis ordinários, desses anunciados em guias de viagem. Recomendo-lhe o Grand Hotel de L’Univers, é próprio para seu gênero. Ocupe a mansarde – desça a Rue Gregoire de Tous e dobre à esquerda, Rue Buci. Lá, compre um molho de flores silvestre, contorne o quarteirão e caminhe pelo Boulevard Saint Germain até topar, na outra margem com a Brasserie Lipp. Persigne-se, atravesse, e, com o pensamento em Deus, peça un blanc sec.

Em plena rua Barata Ribeiro, perseguindo pelos gritos do Aloysio – Espere! Espere! Há mais! –, Carlinhos fugiu, precipitou-se para o apartamento, fez as malas de qualquer maneira, voou para o aeroporto. Por um triz não perdeu o avião.

Paris! Refeito imediatamente da diferença das horas, dada a excitação da chegada triunfal, o escritor iniciou a missa rezada à distância pelo amigo: desceu a Gregoire de Tours, comprou as florezinhas na feira da Rue Buci, desembocou no Boulevard, caminhou contrito para a Brasserie Lipp e encantou-se ao ver que a casa estava justamente onde o Aloysio anunciara, com precisão.

Sentou-se, colocou as flores num verre d’eau, imitando a providência de um cidadão ao seu lado, que também mamava um blanc sec enquanto lia o Figaro que lhe ocultava parte do rosto.

Un blanc sec! – ordenou Carlinhos, com intimidade de nativo.

O vizinho de mesa parece que lhe reconheceu a voz, pois baixou o jornal e revelou-se: Aloysio Salles!

Manual de Campanha


Por Mauro Santayana

Aviso aos navegantes: estou traduzindo um dos mais antigos manuais de campanha eleitoral, redigido no fim dos anos 65 (a.C.), por Quinto Túlio Cícero, para uso de seu irmão, Marco Túlio, o famoso orador das Catilinárias e das Filípicas. Cícero foi candidato, e se elegeu cônsul no ano seguinte, exatamente contra Catilina, que tentaria derrubá-lo meses depois. Trata-se do “Commentariolum petitionis”, cuja última edição italiana foi prefaciada por um especialista no assunto, o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti.

O livro, ainda que possa parecer cínico, encerra também lições de modéstia. Cícero era, na consideração política daquele tempo, um “homem novo” – isto é, não pertencia ao círculo dos patrícios antigos de Roma. Ele havia nascido em Arpino (onde nascera outro grande estadista, Caio Mário) e essa circunstância do nascimento era desdenhada por Catilina, que o identificava como “inquilino da Urbe”, ou seja, um estranho na cidade.

Por isso mesmo, seu irmão começa por advertir que, todas as manhãs, ao sair para a busca de votos, Cícero deveria repetir várias vezes a si mesmo, em exercício de humildade: “Novus sum consulatum peto, Roma est” (Sou um homem novo, aspiro ao consulado, trata-se de Roma). Não vou dat todas as dicas para os candidatos às eleições de outubro, embora aconselhe esta a alguns candidatos. São homens novos, querem a Presidência, e se trata do Brasil.

Há outras que lhes deixo, como amostra:

“Quando o aconselhei a pensar que se trata de Roma, é porque se trata de uma cidade cheia de armadilhas, de engodos, de vícios de todo tipo, na qual é preciso suportar a insolência, o desprezo, a protérvia, o ódio e o fastídio de muitos.”

“Sei bem que não existem assembleias, de tal maneira emporcalhadas pela corrupção, em que não haja pelo menos alguns dispostos a votar gratuitamente em candidatos com os quais se sintam particularmente simpáticos. Por isso, se ficamos alertados para a importância da questão, se sabemos distribuir as tarefas exatas aos que nos apoiam e gozam de ampla credibilidade, se colocamos diante do adversário a perspectiva de um processo judicial, se incutimos medo aos compradores de votos, e de qualquer modo brecamos os distribuidores de propinas, pode ocorrer que não exista corrupção, ou que essa seja irrelevante.”

“Existem três tipos de adversários que devem merecer sua atenção. O primeiro é daqueles que você prejudicou. O segundo é daqueles que, mesmo sem motivos, não são seus amigos. O terceiro é daqueles que são intimamente ligados aos seus concorrentes. Quanto aos primeiros, que você deve ter prejudicado em sua condição de advogado, procure-os e lhes mostre que você não quis ser contra eles, mas em favor de seus amigos, e que não houve nada de pessoal, e lhes mostre que você espera defender de tal forma os seus interesses, que possam tornar-se também seus amigos. Quanto aos segundos, procure-os e lhes prometa fazer o que for de seu interesse, a fim de lhes conquistar a amizade. Da mesma forma aja com aqueles que são contra a sua candidatura, porque estão com seus adversários. Dê-lhes sempre alguma esperança.”

Isso é só uma amostra de como Quinto Túlio é atual. Ao redigir a apresentação (o que deve ter feito com muito prazer), Andreotti, que mandou na política italiana desde De Gasperi até que o Ministério Público italiano o denunciasse por envolvimento com a Máfia, diz, entre outras coisas:

“O candidato, isto é, o político empenhado em uma campanha eleitoral, parece, portanto, ter, na ótica de Quinto Túlio, margens de iniciativa e de manobra não consentidas normalmente ao homem comum. Para contrastar o adversário, é lícita a arma da calúnia.”

Andreotti cita, em seguida, o conselho cínico de Quinto Túlio, que poderia ser seu: “Procura que, se isso for de alguma forma possível, surja contra o adversário uma suspeita, apropriada ao seu comportamento, seja de culpa, de luxúria, ou de dissipação”. Ou seja, não adianta acusar um ladrão velhinho de assédio sexual, nem um avarento de dissipador.

Como previne o Eclesiastes, uma geração vai, outra geração vem, e não há nada de novo debaixo do sol.

terça-feira, janeiro 23, 2018

Dia dos Namorados e Lacan


A famosa Pedra dos Namorados, em Paquetá

Por Aldir Blanc

Eu também tive um Dia dos Namorados inesquecível. Foi em Paquetá, no ano de 1964. Faz tempo planejo escrever um livro: 1964, o ano que terminou mal pra cacete! Mas isso é outra história, outros idos de março.

Sempre enjoei em barca, lancha, esqui... Não sou um surfista renomado porque o Plasil não fez efeito. Meus próprios sapatos, número 43, às vezes me provocam certa náusea.

Naquela fatídica manhã, do Dia dos Namorados de 1964, eu e Marluce pegamos um dos raros nevoeiros da Baía de Guanabara. Vagamos, ao sabor das ondas, de sete da matina até o meio-dia e meia. Saltei na ilha mais vomitado que chão de creche. Marluce apertou minha mão suavemente, tirou um tasco de talharim de minha barba e tentou levantar o moral:

– Tá parecendo o Netuno...

Fomos para a Praia da Moreninha. Eu conhecia uma passagem secreta que dava numas pedras, um nadinha de areia imaculada, lugar maneiro mesmo, ideal para a prática do sarro.

Após percurso cheio de peripécias – evitar cocô de farofeiro é pior do que o rali Paris-Dakar –, chegamos ao paraíso. Pisei numa galinha preta apunhalada, mas não perdi o bom-humor. Dei uma piscadinha marota pra Marluce e cantarolei, mais de uma década à frente do Caetano:

– O Haiti é aqui...

Estendemos as toalhas. Começou um chuvisquinho brando. O vento é que tava chato. Mangas desabavam sobre nós feito um bombardeio de meteoros. Improvisei um abrigo com minha capa de chuva e um pedaço de remo, num recanto estratégico entre duas rochas.

– Vem pra cá, meu anjo, que tá sequi...

Blhursh! Tsk, pisei no cocô.

Quatro horas depois o temporal amainou, Marluce voltou a si (ela desmaiara com o estrépito de um raio), tomamos uns goles de vinho Raposa e eu toquei, ao violão, minha paródia de Andança, para uso exclusivo em Paquetá: “Vim, tanta areia andei, tanto cocô pisei...”.

Marluce ria feito uma louca – provavelmente, não posso jurar, tomada por uma forma rara de histeria pânica: estávamos cercados por uns vinte e cinco cachorros, sendo que o menorzinho lembrava um pouco o doberman do Goering. Perguntei se eles tinham visto “A Dama e o Vagabundo”, rá, rá, rá, e corri pra água. O mar é meu chão. Marluce escalou uma jaqueira. Ficamos conversando até o anoitecer, quando os cães, atendendo ao chamado atávico da noite, foram uivar no diabo que os carregue.

Marluce, desceu da jaqueira e me esbofeteou.

– Covarde!
Sou normalmente um homem compreensivo, mas o dia havia sido estafante. Dei-lhe uma banda, pulei por cima dela disposto a estrangulá-la e... tive uma adorável ereção!

Tiramos rapidamente o que restava de nossas roupas e deu-se uma espécie de répening suburbano, um dantesco espetáculo de sexo grupal entre Marluce, esse locutor que vos fala, cerca de dois mil mosquitos, morcegos, uma pequena coruja e outros seres carentes que não identifiquei.

Inspirados no perfil escuro da Ilha de Brocoió, minha partner e eu nos arrastamos para a beirinha d’água. Penetrei o portal das delícias, dei uns solavancos empurrados pelas marolas e senti que estava prestes a atingir o clímax.

Ensandecida de paixão (assim julgava eu...), Marluce deu tamanho beliscão em minha bunda que eu...

– Aaaaaiiiiiiiiiiiiiiii!

Marluce entrou em verdadeiro frenesi:

– Me espera... me espera....

– Aaaaaiiiiiiiiiiiiiiiii!

– Aldir, querido... acho que nunca te vi gozar assim...

– E quem é que tá gozando, pombas? Solta minha... aaaaiiiiiiii!

– Mas, Aldir, eu não...

Graças a uns requebros de rumbeira da Praça Mauá, o desgraçado do siri largou a pelanca e correu pra água.

Vocês podem ficar chocados com o que eu vou dizer, mas agradeço a Deus ter sido um siri adolescente em vez daquele boto parecido com o Carlos Alberto Riccelli.

O clima entre Marluce e eu nunca mais foi o mesmo. Não adianta negar: eu sentia falta do siri.

Um dia, ela me devolveu minhas cartas, retratos, os discos do Ray Conniff. Veio tudo num pacotinho muito bem embrulhado, com um último bilhete enigmático: TENTA O MIKE NELSON.

Fiquei magoado, passei meses na fossa, e resolvi fazer terapia lacaniana. Eu havia lido no Aurélio que siri é um crustáceo decápodo braquiúro, da família dos portunídeos, chegados a detritos em geral. Isso abalara minha confiança em mim mesmo.

A doutora era a cara da Dóris Giese. Passei várias sessões enrolando, sem coragem de revelar a razão de meu trauma. Um belo dia, depois de umas cervas com o Betinho, entrei no consultório disposto a tudo. Fui logo dizendo que tinha problemas sexuais com determinado animal. Ela discorreu brilhantemente sobre zoofilia. Quando consegui sussurrar que o bicho em questão era um siri, aí fez-se um silêncio de mais ou menos meia hora. Começamos a rir ao mesmo tempo, ela me confessou que adorava mexilhão, e saímos por aí, atrás de uma boa sopa Leão Veloso.

Como disse o sábio Lacan, em um de seus impagáveis seminários (Sêmen Áurio, na tradução MDMagno):

– Chorrar é pur bebé doente. Sirri, aí c'est parfé, Tion Macalé. Nojente...

Uma tragédia fellinianamente felina


Por Marcos de Vasconcellos

O Carlos Augusto Camargo foi visitar o Chaffic na sua casa de Petrópolis. Chaffic era professor de matemática na Faculdade, um sujeito moldado à antiga, arrogante, desdenhoso, debochava da nossa sagrada ignorância, superior, encastelado numa sub-cátedra. Não sei como o Camargo o tolerava.

A criançada da casa, delirante e galopante, veio mostrar ao Camargo o gatinho recém-chegado, um palmo, de felino ainda nos cueiros, torturado pelo carinho desesperador com que o cercavam sem interrupção. Ao gato chamou-se Pimpão.

– Aí – conta o ex-visitante – o Chaffic propôs uma partida de pingue-pongue. Eu sou fissurado no jogo e imediatamente aceitei o desafio. Nos primeiros quarenta minutos a partida estava equilibrada, mas na medida que fomos esquentando o jogo foi ficando violentíssimo, com cortadas mortais de parte a parte. Num dado momento, o Chaffic pegou a bola com absoluta perfeição e deu um tiro que bateu na quina da mesa. O projétil, possuído pelo demônio, tomou um efeito enlouquecido e eu, na tentativa de detê-los, dei um salto gigantesco para trás e caí com os dois pés numa coisa fofinha: exatamente o gato Pimpão.

– Foi apenas o começo do drama. Um veterinário que morava em frente foi chamado às pressas e quando viu o gato estrebuchante fez aquele não com a cabeça que corta qualquer esperança. O cara diz que o bicho tinha que ser sacrificado, mas infelizmente estava sem a injeção indicada para aquela hora de dor. A babá dos meninos, uma preta velha e fiel como uma cadela, associou-se aos meninos no ódio coletivo que se formava ao meu lado, enquanto eu meio com nojo, segurava os restos do Pimpão. Por fim, decidi afogá-lo, pois o Chaffic recusou-se me emprestar a escopeta. O miserável do gato levou quase uma hora para morrer.

E arrematou o drama:

– Eu ontem estava passando na rua 7 de Setembro, chegou um senhor seríssimo para mim e disse mordendo os dentes: assassino! Era um dos filhos do Chaffic...

A história do gato deve ser bem antiga.

Carlinhos Oliveira, um doido em forma de canção


Por Jason Tércio (*)

Lírico e indignado. Reflexivo e provocador. Por esses e outros motivos José Carlos (Carlinhos) Oliveira foi o cronista mais influente do Brasil durante 23 anos. Entre 1961 e 1984, quatro vezes por semana, a sua coluna no extinto “Jornal do Brasil” era leitura obrigatória. Quando morreu, 30 anos atrás, em 13 de abril de 1986, deixou um vácuo que ainda não foi preenchido.

“Surrealista por temperamento, anarquista por indisciplina de berço, boêmio por amor à vagabundagem, agregado à elite pensante por acaso”, era como se definia. Com personalidade complexa, incorporou diferentes papéis ao longo da vida: escritor maldito, criança abandonada, bon vivant mulherengo, intelectual perspicaz e independente. Mas para um de seus melhores amigos, César Thedim, ele era simplesmente “um doido em forma de canção”.

Apesar de ter sido um boêmio militante a vida toda, protagonista de porres e escândalos nos melhores botecos de Copacabana ao Leblon, seus temas iam muito além da fauna noturna. Em textos de alta voltagem literária, comentava todos os assuntos: religião, futebol, sexo, política, contracultura, drogas, boemia, moda, lazer, imprensa, carnaval, transformações urbanas, música popular, crime, neuroses, conflitos sociais, artes, televisão, ecologia. Sempre assumindo posições, expondo-se ao julgamento público, o que lhe rendeu bons debates e alguns desafetos.

Alternava amenidades inconsequentes com provocações e polêmicas, colocando o dedo na ferida da alma brasileira, sem perder a ternura. Para isso subverteu as convenções da crônica tradicional. Um dia era monólogo psicológico, outro dia era um esquete teatral ou fábula, diário, sátira, poema em prosa, pastiche, autoficção, estilo do qual foi precursor no Brasil. Em 1981 ele estendeu a autoficção da crônica para o romance “Um novo animal na floresta”, narrativa polifônica em que autor, narrador e protagonista se fundem num único sujeito.

Cronista vocacionado desde os 16 anos, aos 18, em 1952, já praticava o que só na década seguinte, nos Estados Unidos, seria denominado Novo Jornalismo, ou jornalismo literário. Como nas reportagens “O Café Vermelhinho até parece moça de boa família” (no livro “O homem na varanda do Antonio’s”) e “Mãos estendidas para o parlamento” (no livro “Máscaras e codinomes”).

Em 1953 já alertava sobre o problema do menor infrator: “Estamos criando uma geração de revoltados sociais”. Confessional por temperamento, transformou experiências, pensamentos e sentimentos pessoais em textos que transcenderam as circunstâncias imediatas.

Tratavam de violência, miséria social e moral, hipocrisia, injustiça, preconceitos, morte, intolerância, solidão, liberdade, amor, enfim, os labirintos e abismos da condição humana.

Por isso a maior parte de suas crônicas não envelheceu. Uma de suas frases se encaixa perfeitamente no atual momento brasileiro: “Alguma coisa está errada, alguma coisa está podre, e o fedor envenena a minha consciência”.

O conjunto de suas mais de 3 mil crônicas formaram um painel da sociedade brasileira nas efervescentes décadas de 1960 e 1970. Depois de ter organizado quatro volumes de crônicas dele (“O homem na varanda do Antonio’s”, “Máscaras e codinomes", “Flanando em Paris”, lançados pela Civilização Brasileira, e “O Rio é assim”, pela Agir), estou planejando mais três volumes, sobre os temas Humor, Mulher e Cultura, crônicas sobre música, cinema, teatro, imprensa, TV, artes plásticas e literatura nos anos 1960 e 70.

(*) Jason Tércio, jornalista e escritor, é autor da biografia de Carlinhos Oliveira, “Órfão da tempestade” (Objetiva)