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terça-feira, julho 31, 2018

Recordando a velha Manaus




Por Felix Valois
Plantada ali na esquina das ruas Luís Antony e Alexandre Amorim, em Aparecida, a Casa Dias era talvez o último remanescente do comércio como ele existia nos meados do século passado, muito antes da Zona Franca. Vendia de tudo, de ferragens a alimentos, indo do ferro de engomar a carvão ao leite Nestogeno. Era ali que o professor Valois fazia as compras criteriosamente listadas por dona Lucíola em um caderno, no qual o balconista anotava os preços a serem honrados no final do mês. 
Não se sabia o que era cartão de crédito e o uso do cheque era restrito a uns poucos capitalistas que conseguiam manter contas no Banco do Brasil ou no Banco da Borracha, como era conhecido o Banco da Amazônia. Outros particulares corriam por fora, como o Banco Ultramarino, de capital acentuadamente português, e o Loyd Bank, herança remota dos tempos em que os ingleses aqui mandavam e desmandavam, até levarem nossa seringueira para a Ásia e abandonarem o porto de lenha com seus bondes e o cais flutuante. 
Uma tarde dessas passei em frente à Casa Dias. Já não é a mesma, atingida, creio, por essa coisa inexorável que, com maior ou menor exatidão, chamamos de progresso. A mixórdia de produtos parece ter deixado de existir e são eles exibidos com a regularidade monótona dos supermercados, a forma dinâmica do comércio nos dias atuais. Fazer o quê? Se a mola do sistema é o lucro e se este depende da superação da concorrência, não seria sensato esperar que a estagnação acabasse por inviabilizar o empreendimento. Mas que senti saudades, lá isso senti, não posso negar. 
Um saudosismo que se basta a si mesmo, sem necessidade de explicações profundas e complicadas, por isso que decorre apenas dos tempos de infância, vividos numa rua Leonardo Malcher de terra batida e esburacada, à ilharga do igarapé de São Raimundo, ainda sem poluição e sem programas megalomaníacos que lhe vão implicar no assoreamento. 
Antes da Casa Dias se foi para sempre A Renascença, sua irmã gêmea, esta fincada na rua Joaquim Nabuco, entre a avenida Sete de Setembro e a rua Quintino Bocaiúva. Acrescento, para os detalhistas, que era bem próximo ao Canto do Quintela, mas na certeza de que os mais jovens hão de imaginar que fiz uso de alguma porção da “cannabis sativa” a ponto de resolver escrever em aramaico. Não é nada disso, juventude. O tal Canto do Quintela nada mais era que o cruzamento da avenida Sete de Setembro com a Joaquim Nabuco, onde, dou de colher de chá, ficava o edifício Sombra. 
E assim me pilho a falar de coisas da Manaus que sucedeu à “belle époque”. E já que estou a fazê-lo (claro que sem a autoridade de Etelvina Garcia ou Robério Braga), por que não perguntar que fim levou a Curva da Morte? Ficava na Cachoeirinha e dela sempre me falou com precisão e melancolia o meu irmão Alfredo Cabral, ele próprio criado e vivido no bairro, na sua casa tosca em que a singela frente de alvenaria escondia as dependências de madeira e onde dona Cândida lutava com furor de guerreira pela sobrevivência da família. Também era daquelas paragens a Casa Amarela, tudo marcado apenas na memória das pessoas, uma vez que os “google maps” e os GPS não eram cogitados nem nas mais ousadas historietas de ficção científica. 
Outra lembrança que vai soar como adivinhação para os moços: o “ferro de engomar”, no Alto Nazaré. O que era isso e onde ficava? Sigam pela rua Silva Ramos até o ponto em que ela encontra a Joaquim Nabuco, nas proximidades do Colégio Auxiliadora, e vão ver que é possível perceber que o formato mesmo do local é o próprio ferro, mas tenho que confessar minha completa ignorância quanto à segunda denominação, já que nunca soube, nem procurei saber, a razão do nome “Nazaré”. 
Vamos para o centro. Na avenida Eduardo Ribeiro, sem camelôs, como hoje felizmente voltou a ser, ficavam o Odeon e o Avenida. Eram os dois cinemas mais chiques da cidade, sendo que o primeiro teve o privilégio de inaugurar o sistema de ar refrigerado, o que era uma novidade monstruosa no calor da província. Próximo a eles ficava o Café da Paz, lugar onde a macharada se reunia para jogar sinuca e bilhar, ao mesmo tempo em que aumentava as estatísticas de consumo das cervejas XPTO e Brahma. Tudo a um passo do Canto do Fuxico, no cruzamento da Eduardo Ribeiro com a Henrique Martins, lugar onde todos falavam da vida de todos no entremeio de discussões supostamente intelectualizadas. 
E é impossível deixar de falar no Bar Americano e no Bar Avenida, nas esquinas da mesma Eduardo Ribeiro com a Sete de Setembro e a Saldanha Marinho, pontos da boemia mais requintada da Cidade Sorriso. Isso sem falar na Pensão Maranhense e no Restaurante Central, pioneiros na arte de servir comida. Foi-se tudo. Só as recordações ficaram. Mas são elas tão fortes que, mesmo tendo presenciado e vivido a inchação da cidade, deixaram para sempre a marca do amor por este pedaço de terra chamado Manaus. Tórrida, cabocla, modesta, és a Manaus dos meus amores. Te amo mesmo.

sexta-feira, julho 27, 2018

Sapiens: um livro para destruir seus conceitos sobre a humanidade



Por Daniel Gruber
Publicado em 2015 no Brasil pela L&PM, Sapiens – uma breve história da humanidade, do historiador israelense Yuval Noah Harari, já está na sua 33ª edição e é best-seller internacional em diversos países ocidentais. O lançamento do novo livro do autor, Homo Deus – uma breve história do amanhã, pela Companhia das Letras este ano, ajudou a catapultar as vendas do primeiro livro, que ganhou uma edição luxuosa com capa dura para o Natal. O sucesso do livro não é à toa, mesmo para quem não tem preconceitos com best-sellers: em cerca de 450 páginas, Harari consegue subverter todas as certezas que você tinha a respeito da humanidade.
Chegando ao fim da leitura, o leitor de Sapiens fica estupefato. Harari destrói (ou melhor, desconstrói) tudo: religião, deus, seres humanos, natureza, civilização, capitalismo, direitos humanos, tecnologia, futuro. Nenhum conceito fechado perdura da análise sobre a história da humanidade. Mas, diferente da algazarra de opiniões orientadas ideologicamente pelo nosso tempo, Harari praticamente não toma partido. Ele não está preocupado em defender esta ideia ou desmistificar aquela outra, nem apontar soluções para os problemas que elenca. Harari é um observador científico e todos os seus argumentos são reforçados com dados obtidos em pesquisas recentes de diversas áreas.
O livro inicia falando sobre macacos. Traz dados antropológicos sobre a evolução dos primatas até chegar ao gênero Homo. Alguns dados interessantes nessa história são:
1) Há 6 milhões de anos viveu o último ancestral em comum entre humanos e chimpanzés. A partir daí, um grupo evoluiu tal como os macacos que conhecemos hoje nos zoológicos e outro grupo deu origem aos humanos.
2) Entre 2 milhões e 200 mil anos atrás, diversas espécies de Homo se espalharam pela África e Eurásia. Em determinadas épocas, houve seis espécies diferentes convivendo entre si, entre eles o sapiens e o neandertal. Isso é interessante porque mostra que nós não fomos os únicos humanos a habitar a Terra. Antes de nós, outras espécies de seres humanos surgiram, viveram durante milhões de anos e se extinguiram.
3) Isso desfaz a ideia (em geral pregada pelas religiões) de que o ser humano de hoje é um ser único no planeta. Não é. Além do mais, nossa história aqui é muito recente. Mesmo se nossa espécie chegar a existir por milhões de anos (o que parece improvável, dado o colapso a que estamos provocando a nós mesmos), estaremos fadados à extinção.
4) Já houve a era dos grandes répteis e estamos vivendo a era dos mamíferos. Após a extinção dos seres humanos, talvez entremos numa era dos insetos, dado o incrível poder de adaptação das baratas hoje, por exemplo.

5) O Homo sapiens – isto é, nós – existem há 200 mil anos. Desde que a espécie surgiu, nosso cérebro é mais ou menos do mesmo tamanho e nossa capacidade intelectual praticamente não se alterou. Durante quase 130 mil anos, o sapiens era um predador de menor escala, vivendo do resto de carniça que predadores mais fortes deixavam. Um cérebro grande exige muito gasto de energia, que é consumida dos músculos. Isto faz com que os seres humanos sejam fracos em relação a grandes predadores, como tigres dentes-de-sabre e leões das cavernas.
6) Só há 70 mil anos atrás o ser humano subiu ao topo da cadeia alimentar, durante a Revolução Cognitiva. A partir dessa época, o sapiens conseguiu usar seu grande cérebro para criar relações sociais promissoras, fazer com que grandes grupos cooperassem em benefício de um bem comum. Por exemplo, formar um paredão de caçadores e encurralar uma manada de mamutes num desfiladeiro. Sua inteligência passou a ser a arma mais letal do planeta.
7) Essa revolução surgiu a partir de um mecanismo simples e inesperado: a imaginação simbólica. Conseguindo imaginar e comunicar conceitos abstratos, o sapiens passou a tornar suas relações sociais mais complexas. Seus grunhidos e gestos não serviam mais apenas para comunicar coisas objetivas, como um predador se aproximando. Elas poderiam agora representar ideias como justiça, prestígio, hierarquia, etc. A partir daí, ao invés de simplesmente louvar o espírito de animais que traziam as caçadas, um sacerdote poderia inventar um deus para explicar um fenômeno da natureza e convencer (ou chantagear) os demais a obedecê-lo. Assim, os grupos, e até tribos inteiras, poderiam cooperar em nome de uma ficção comum.
“Em consequência, desde a Revolução Cognitiva o Homo sapiens tem sido capaz de revisar seu comportamento rapidamente de acordo com necessidades em constante transformação. Isso abriu uma via expressa de evolução cultural, contornando os engarrafamentos da evolução genética. Acelerando por essa via expressa, o Homo sapiens logo ultrapassou todas as outras espécies humanas em capacidade de cooperar.” (p.41)

Depois de migrar da África para o resto do mundo, por onde passava, o sapiens transformava seu habitat. Ele acabou com a megafauna da América e da Austrália em questão de alguns milênios.
Após a Revolução Agrícola, por volta de 12 mil anos atrás (início das civilizações), o sapiens passou a trabalhar muito mais e a se alimentar de forma mais precária. Enquanto um ser humano domesticado trabalhava mais de dez horas por dia e se alimentava basicamente de trigo, um sapiens selvagem, durante um período climático tranquilo, trabalhava não mais que três horas por dia caçando ou colhendo alimentos na floresta. A cada dia ele caçava e colhia alimentos diferentes, o que fazia com que sua dieta fosse variada e balanceada. O resto do tempo ele passava descansando, divertindo-se e procriando. E, claro, fazendo guerras.
No Brasil, por exemplo, os índios pré-cabrais viviam de forma muita próxima a isso. Diante da natureza abundante, a qualidade de vida de um americano selvagem em períodos entre guerras era excelente. Relatos dos primeiros portugueses que chegavam ao Brasil no século XVI indicavam que os indígenas mais velhos chegavam a viver em torno de 120 anos. Ainda é possível encontrar indígenas com quase 100 anos de idade em certas reservas. Enquanto que, na Europa moderna da época, a expectativa de vida era de 40 anos (um europeu levava vários meses para tomar banho ou trocar de roupa, enquanto os indígenas banhavam-se todos os dias e não suportavam o cheiro dos primeiros colonizadores).
Harari considera a Revolução Agrícola uma das maiores fraudes da História. Embora tenha proporcionado ao ser humano uma evolução cultural que o fez chegar às metrópoles e naves espaciais de hoje, custou a ele um estilo de vida artificial que, em contraste com sua natureza biológica (lembrem-se: nosso código genético é o mesmo há 200 mil anos) entra em um conflito doloroso, que tem causado os mais diversos distúrbios psicológicos, depressão e má qualidade de vida. Além disso, estamos condenando de forma cruel o meio ambiente e todas as outras formas de vida. A civilização é só um ponto de vista, argumenta Harari, que, de certo ângulo, parece maravilhosa, mas que por outro lado está condenando a espécie.
“O estresse representado pela agricultura teve consequências importantes. Foi a base dos sistemas políticos e sociais de grande escala. Infelizmente, mesmo trabalhando duro, os camponeses quase nunca alcançaram a segurança econômica futura que tanto ansiavam. Em toda a parte, brotaram governantes e elites, vivendo do excedente dos camponeses e deixando-os com o mínimo para a subsistência.” (p.110).

Harari desmancha até mesmo a ideia de que existem direitos humanos intrínsecos:
“Os dois textos nos apresentam um dilema óbvio. Tanto o Código de Hamurabi quanto a Declaração de Independência dos Estados Unidos afirmam definir princípios universais e eternos de justiça, mas de acordo com os norte-americanos todas as pessoas são iguais e conforme os babilônios as pessoas são decididamente desiguais. Os norte-americanos diriam, é claro, que eles estão certos e que Hamurabi está errado. Hamurabi, naturalmente, retorquiria que ele está certo e que os norte-americanos estão errados. Na verdade, ambos estão errados. Tanto Hamurabi quanto os pais fundadores dos Estados Unidos imaginaram uma realidade governada por princípios universais e imutáveis de justiça, como igualdade ou hierarquia. Mas o único lugar em que tais princípios universais existem é na imaginação fértil dos sapiens e nos mitos que eles inventam e contam uns aos outros. Esses princípios não têm nenhuma validade objetiva.” (p.116).
E também o conceito de liberdade:
“E quais são as características que evoluíram nos humanos? ‘Vida’, certamente. Mas ‘liberdade’? Isso não existe na biologia. Assim como igualdade, direitos e empresas de responsabilidade limitada, a liberdade é algo que as pessoas inventaram e que só existe em nossa imaginação. De uma perspectiva biológica, não faz sentido dizer que os humanos em sociedades democráticas são livres, ao passo que os humanos em sociedades ditatoriais não o são. E quanto a ‘felicidade’? Até o momento as pesquisas biológicas foram incapazes de propor uma definição clara de felicidade ou uma maneira de medi-la objetivamente. A maioria dos estudos biológicos reconhece apenas a existência de prazer, que é mais facilmente definido e medido. Portanto, ‘a vida, a liberdade e a procura da felicidade’ deveria ser traduzido como ‘a vida e a procura do prazer’.”(p.118).
Ele não pretende desfazer nem invalidar códigos morais como religiões, ideologias ou crenças humanistas, apenas mostrar que são criações e convenções, e não leis da natureza. No entanto, como convenções, essas crenças são importantes, pois fazem parte de uma “ordem imaginada” que nos mantém controlados como sociedade. Foi justamente esta atitude que permitiu ao Homo sapiens evoluir.
“Os defensores da igualdade e dos direitos humanos talvez fiquem escandalizados com essa linha de raciocínio. Sua reação provavelmente será: ‘Nós sabemos que as pessoas não são iguais biologicamente! Mas se acreditarmos que somos todos iguais em essência, isso nos permitirá criar uma sociedade estável e próspera’. Eu não tenho nenhum argumento contra isso. É exatamente o que quero dizer com ‘ordem imaginada’. Acreditamos em uma ordem em particular não porque seja objetivamente verdadeira, mas porque acreditar nela nos permite cooperar de maneira eficaz e construir uma sociedade melhor. Ordens imaginadas não são conspirações malignas ou miragens inúteis. Ao contrário, são a única forma pela qual grandes números de seres humanos podem cooperar efetivamente.” (p.118)
Há uma porção de outros temas tratamos por Harari que poderíamos discutir aqui durante dias e dias. Muitas dessas questões (por exemplo, o rumo com que o homem está dando à tecnologia) são discutidos no livro seguinte do autor, Homo Deus. O melhor é você ler. Ninguém passará ileso pela leitura de Sapiens. E é bom que assim seja.

Contra papai e mamãe



Por Ruy Castro

Theodore Roszak, o inventor da palavra contracultura, morreu outro dia [2011], na Califórnia. Tinha 77 anos. Era um historiador, um observador social e um pensador multidisciplinar. Mas só será lembrado por seu livro de 1968, A contracultura, em que cunhou a expressão e tentou dar um sentido a tudo o que envolvia a juventude naquela época.

O que não era pouco. De repente, milhões de rapazes e moças em toda parte se levantaram contra o “sistema” – leia-se o governo, os políticos, a guerra do Vietnã, as ditaduras militares, os professores, a autoridade em geral, a moral estabelecida, a sociedade de consumo, a arte “bem-feita”, o barbeiro do bairro, os maiores de 30 anos ou, à falta de melhor, papai e mamãe. Mas não significava que todos protestassem contra as mesmas coisas.


A contracultura foi a passagem do primado da razão (que levou uma parte ultrapolitizada da juventude a lutar contra as ditaduras, as desigualdades sociais, o sistema universitário, a censura, etc.) ao primado da não-razão (que fez com que outra parte preferisse “cair fora” das cidades e ir para o meio do mato queimar fumo, tomar ácido, fazer filhos, plantar coquinhos, catar piolhos e ouvir Jimi Hendrix, não necessariamente nessa ordem.

Durante algum tempo, pareceu que a segunda facção – a dos hippies, drop-outs, psicodélicos, místicos, ocultistas e alienados em geral – iria prevalecer. Prometia-se um novo homem, sem os velhos defeitos. Até que, naturalmente, o “sistema” absorveu esse antirracionalismo, converteu em produtos e serviços, e o pôs à venda. A contracultura se tornou a nova cultura, e tão careta quanto.

Roszak nunca aceitou bem essa conclusão. Para ele, os ecos da contracultura estão até hoje entre nós – na informalidade ao vestir, na comida mais saudável, na ecologia, nos direitos humanos. Tudo bem. Mas o novo homem não veio. Só mudaram os defeitos.

Pepe Escobar e o suspense político do nosso tempo



Por Renato Guimarães
O tabuleiro em que se dá o embate que resulta no mundo como conhecemos é o próprio mundo! Com seus 88 artigos publicados em livro neste O Império do Caos, Pepe Escobar nos apresenta um mosaico desconcertante da coerência cataclísmica do advento global em curso do Império do Caos.
Em cena, o cinismo de neoliberalismos, de intervenções ditas humanitárias na Líbia, na Síria e na África, de listas de abate de Obama é corrosivamente aviltante. O espetáculo da jihad-ostentação em Saint Tropez, de magnatas “comprando” a água da Patagônia, da opulência sangrenta e repressiva na Península Árabe, de mortes tratadas como “dano colateral” no Grande Oriente Médio e na África é dos mais consternadores.
Os movimentos geopolíticos dos grandes jogadores do Novo Grande Jogo da Eurásia – China, Estados Unidos, Rússia, União Europeia –, que pouco a pouco substitui a dominação mundial dos Estados Unidos como única superpotência, envolvem força bruta, poços, oleodutos, gasodutos, trilhões de yuans, de dólares e de euros, terrorismos, reservas de ouro e moeda, bancos, estradas, portos, bolsas de valores, exércitos, rotas marítimas e terrestres, ferrovias, corporações, mercenários, guerras declaradas ou não e populações inteiras numa rede planetária muitas e muitas vezes espantosa.
Contudo, são essas alianças e disputas que hoje mesmo estão constituindo o tecido do novo sistema multipolar por onde vão circular os nutrientes econômicos, políticos, diplomáticos e culturais de um novo mundo que já sabemos estar a caminho, mas cujos prazos e custos mal podemos vislumbrar.

“Pepe Escobar está para o jornalismo assim como a pedra filosofal está para os alquimistas, a meia-noite para o despertar dos vampiros, os raios para as tempestades, ‘a noite clara da angústia’ para Heidegger, o blues para Nova Orleans, o pulo para os felinos, o reggae para a Jamaica, o alvo para o arqueiro, a cicuta para Sócrates, a África para o Brasil, a Índia para o faquir, a cartola para o mágico e a vida para a morte.”
Esse panegírico fantasioso, mas que rende tributo ao talento real do homenageado, foi publicado 32 anos atrás pelo jornalista e escritor Carlos Roque em seu livro Pedras rolando, quando Pepe Escobar se lançava no jornalismo em São Paulo. Logo depois, Pepe seguia o rumo que apontou em entrevista no mesmo livro:
“O exílio é fundamental; hoje em dia não há mais possibilidades de se ter uma pátria. O exílio pressupõe a ideia de que você é itinerante, forasteiro”.
Ele se tornou viajante e leitor incansável para conhecer países, culturas e ideias, e aprendeu a escrever com fluência e facilidade em inglês, para publicar artigos e reportagens na mídia internacional. Morou em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok, Hong Kong e Singapura, ao tempo em que perscrutava as vastidões da Eurásia em viagens solitárias e proclamava que o século 21 seria da Ásia, antes ainda de a China se tornar um gigante econômico e político.
“Continuei perambulando cada vez mais fundo na miríade Rota(s) da Seda, Ásia Central, Sudeste Asiático – o que o Ocidente chama de Oriente Médio, através da grande extensão que o Pentágono mais tarde descreveria como o arco da instabilidade”, diz ele, na apresentação deste livro.
Enquanto firmava nome como correspondente estrangeiro em jornais europeus e estadunidenses, criou uma coluna no Asia Times, da Tailândia, a que deu o título de Roving eye (aqui traduzido por Olho errante), do qual foram reproduzidos, entre outros, artigos publicados neste livro. Com ela, seu nome ganhou mundo, principalmente o mundo da Internet.

Passou a colaborar também em sites eletrônicos dos Estados Unidos, da Rússia e outros países, e virou “viral” mundial entre blogueiros e leitores da web como um analista especialmente sensível a temas de geopolítica, culto e sagaz, dotado de visão alta, e dono de um texto ágil, bem-humorado, conquanto ácido às vezes.
Tem declaradamente simpatias anarquistas, que estimulam a trocar realidade por desejos, mas se tornaram comuns na intelectualidade desses tempos de desalento à esquerda, e um pendor não escondido pelo cosmopolitismo, que costuma desgraçar a quem tenha formação patriótica. É polêmico, controverso, contundente, mas é sempre informativo, inteligente e interessante.
Muitos milhares de internautas por toda parte hoje aguardam seus textos para acompanhar os fatos em rápida mutação no mundo, em particular nas áreas de Europa Oriental, Oriente Médio e Ásia, que são a especialidade dele, e para os quais a mídia corporativa – imprensa e TV – dá pouca atenção, ocupada que está pela engrenagem de propaganda estadunidense.
Este livro apresenta um quadro ao mesmo tempo dramático e fascinante da complexa evolução da situação mundial nas últimas décadas. Através dos textos se acompanha o processo difícil da crise do imperialismo dos Estados Unidos, sempre muito poderoso e perigoso, mas obrigado a ceder diante da resistência e do avanço dos países que não se sujeitam à sua pretensão ditatorial de superpotência única, especialmente a China e a Rússia.

A divina arte de ser cafajeste



Nelson Rodrigues foi o maior frasista brasileiro, o nosso H. L. Mencken tupiniquim. Com a contribuição milionária do nordestino Falcão, a CDEF (Confraria dos Espadas, de Fortaleza) selecionou 100 máximas que provam isso. Confiram aí:
A adúltera é a mais pura porque está salva do desejo que apodrecia nela.
A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual.
A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível.
A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
A liberdade é mais importante do que o pão.
A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.
A pior forma de solidão é a companhia de um paulista.
A platéia só é respeitosa quando não está a entender nada.
A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira.
A televisão matou a janela.
A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos.
Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.
Amar é dar razão a quem não tem.
Amar é ser fiel a quem nos trai.
Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.
As grandes convivências estão a um milímetro do tédio.
Com sorte você atravessa o mundo, sem sorte você não atravessa a rua.
Começava a ter medo dos outros. Aprendia que a nossa solidão nasce da convivência humana.
Copacabana vive, por semana, sete domingos.
D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva.
Desconfie da esposa amável, da esposa cordial, gentil. A virtude é triste, azeda e neurastênica.
Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.
Deus está nas coincidências.
Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro.
É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.
É preciso trair para não ser traído.
Em muitos casos, a raiva contra o subdesenvolvimento é profissional. Uns morrem de fome, outros vivem dela, com generosa abundância.
Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o psicanalista.
Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral.
Existem situações em que até os idiotas perdem a modéstia.
Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista.
Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.
Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário.
Invejo a burrice, porque é eterna.
Jovens: envelheçam rapidamente!.
Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos…
Na mulher, certas idades constituem, digamos assim, um afrodisíaco eficacíssimo. Por exemplo: 14 anos!
Nada nos humilha mais do que a coragem alheia.
Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera.
Não admito censura nem de Jesus Cristo.
Não damos importância ao beijo na boca. E, no entanto, o verdadeiro defloramento é o primeiro beijo na boca. A verdadeira posse é o beijo na boca, e repito: – é o beijo na boca que faz do casal o ser único, definitivo. Tudo mais é tão secundário, tão frágil, tão irreal.
Não existe família sem adúltera.
Não há nada que fazer pelo ser humano: o homem já fracassou.
Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.
Nem toda mulher gosta de apanhar. Só as normais.
Nossa ficção é cega para o cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.
Num casamento, o importante não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos da própria mãe.
Nunca a mulher foi menos amada do que em nossos dias.
O adulto não existe. O homem é um menino perene.
O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos.
O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
O asmático é o único que não trai.
O biquíni é uma nudez pior do que a nudez.
O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.
O Brasil é muito impopular no Brasil.
O brasileiro é um feriado.
O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.
O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: – dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses.
O casamento é o máximo da solidão com a mínima privacidade.
O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota.
O homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual.
O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.
O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da imaturidade.
O morto esquecido é o único que repousa em paz.
O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca.
O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.
O ônibus apinhado é o túmulo do pudor.
O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes.
O puro é capaz de abjeções inesperadas e totais e o obsceno, de incoerências deslumbrantes. Somos aquela pureza e somos aquela miséria. Ora aparecemos varados de luz, como um santo de vitral, ora surgimos como faunos de tapete.
O sábado é uma ilusão.
O Ser Humano, tal como imaginamos, não existe.
Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas.
Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.
Perfeição é coisa de menininha tocadora de piano.
Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos.
Quem nunca desejou morrer com o ser amado nunca amou, nem sabe o que é amar.
Se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo brasileiro.
Se os fatos são contra mim, pior para os fatos.
Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.
Sem paixão não dá nem para chupar picolé.
Sexta feira é o dia em que a virtude prevarica.
Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.
Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.
Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.
Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo podia-se andar nu.
Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta.
Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos.
Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.
Toda coerência é, no mínimo, suspeita.
Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.
Toda mulher bonita tem um pouco de namorada lésbica em si mesmo.
Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.
Toda unanimidade é burra.
Todas as mulheres deviam ter catorze anos.
Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.
Todo desejo é vil.
Todo tímido é candidato a um crime sexual.
Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.
Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

quinta-feira, julho 26, 2018

O maior mestre-sala da história do carnaval



O Desfile das Campeãs de 2012 estava para começar, com a Portela, sexta colocada, se movimentando na área da concentração, e o público que chegava apressado à Sapucaí mal reparava naquele senhor negro, esguio, sentado placidamente na mureta que divide as pistas do Viaduto Trinta e Um de Março, interditado para a festa. Dos defeitos de ser turista: estava ali, disfarçado no despojamento que lhe marcou a vida, o maior mestre-sala da história do carnaval. 
Delegado, lendário dançarino da Mangueira, esperava o início do espetáculo, do qual a sua verde e rosa, que ficara em sétimo lugar, não participaria. Sem crise. Sempre que o samba saiu, na quadra da Rua Visconde de Niterói ou nas muitas avenidas por onde passaram os desfiles, o baluarte esteve presente, embaixador informal e apaixonado da maior festa brasileira.
Assim começava a reportagem assinada por Aydano André Motta, com a colaboração de Sérgio Ramalho, publicada no Globo em 13 de novembro de 2012, no dia seguinte à morte do maior mestre-sala de todos os tempos. O cidadão mangueirense Hélio Laurindo da Silva, 90 anos, conhecido como Delegado (por prender as cabrochas na conversa) e presidente de honra da escola, havia sido vencido por um câncer.
Ficará eternizada na memória dos apaixonados a atávica elegância de quem cruzou a vida ereto, 1,90m e 67 quilos dedicados a um estilo impecável, a mais perfeita tradução do sambista de almanaque. Nenhum outro ícone carnavalesco ostenta a invencibilidade de notas 10 ao longo de inacreditáveis 36 desfiles. O talento que o fazia levitar em torno da porta-bandeira, guardando o pavilhão no preciso fundamento do mestre-sala, transformou-o em lenda.
Delegado chegou antes da Estação Primeira. Quando Cartola, Carlos Cachaça e outros seis bambas fundaram a escola, ele era um menino de 7 anos, que corria pelas vielas da favela ainda pequena, destino de famílias removidas dos cortiços demolidos nas mudanças implementadas pelo prefeito Pereira Passos. O futuro mestre-sala nasceu no fim de 1921, dia 29 de dezembro, filho de um dançarino de valsa – olha o DNA aí, gente! – e uma doceira, no Buraco Quente, trecho mais famoso da comunidade, e cedo entregou-se ao doce vício da folia.
Batizou-se sambista no flerte com a bateria Surdo 1, mas ainda adolescente encantou-se pelo bailado de Marcelino, o mestre-sala fundador, e Jorge Rasgado, que ocupou o posto nos anos 1940. Estreou em 1948, na madrugada de 8 de fevereiro, quando pisou a Praça Onze com a porta-bandeira Nininha. A escola ficou em quarto lugar, mas o casal ganhou 10, iniciando a lenda.
O primeiro título dos oito (e dois Estandartes de Ouro) veio em 1949. Começava o reinado que duraria até 1984, ano do supercampeonato da verde e rosa, do inesquecível “Yes, nós temos Braguinha”, quando a Mangueira voltou pela avenida, apoteose jamais repetida. Delegado fez do desfile o epílogo da carreira de mestre-sala. Como os Beatles, no auge. Em reportagem publicada no Globo, no dia 14 de dezembro de 1984, Delegado recusou, irritado, homenagens por ocasião da aposentadoria:
– E eu estou morto, por acaso, para sair em cima de carro alegórico? Não, meu amigo, estou muito bem de saúde e danço muito bem: só vou na pista.
Em agosto de 2011, quando foi consagrado presidente de honra, recordou: “Minhas porta-bandeiras estavam se aposentando, não fazia mais sentido”. A festa da posse, num sábado nublado de inverno, transformou-se num dos momentos inesquecíveis da história recente do carnaval. Todas as escolas mandaram casais ao Palácio do Samba, a quadra mangueirense, e Delegado fez questão de evoluir com cada porta-bandeira, ressuscitando a dança perfeita.
– Ele tinha um estilo particular, cortês e delicado, sem o modo acrobático dos mestres-salas atuais – descreve Maria Augusta, catedrática do carnaval, que assistiu ao vivo a várias apresentações do bailarino. – Era harmônico, bem dentro da origem da dança do casal, que visava à proteção da porta-bandeira.
A dança com as visitantes se justificava também por outro traço marcante. Delegado foi, a vida toda, um namorador compulsivo – o que inspirou o apelido.
– Ele “prendia” as moças com seu charme e sua conversa – traduz Tânia Bisteka, a maior rainha de bateria da história mangueirense.
A perícia de conquistador se consolidou ainda nos anos 1950, quando chegou ao morro uma mulata monumental chamada Maria, que se apaixonou pelo dançarino. E deu a ele Ézio, um dos três filhos de Delegado, que jamais se casou, mas teve seis netos e alguns bisnetos.
– Não sei mais quantos são, eles saíram daqui – contou, em entrevista em 2011, sem melancolia na voz.
O bailarino era, na verdade, casado com o carnaval. Morava numa casa ao lado da quadra, o samba a seguros cinco minutos de caminhada. À primeira batida do surdo, materializava-se na capital do seu reino, e só saía quando os instrumentos silenciavam. Três carnavais antes de morrer, aceitou a missão de doutrinar Raphael Rodrigues, mestre-sala. O gênio da leveza ainda tinha (muito) o que ensinar.
– O solo que apresento é 80% feito com base nos passos de Delegado – garantiu Raphael, que encontrou o mestre pela última vez dois dias antes da sua morte, no ensaio na quadra.
Enfraquecido pela doença, Delegado sequer se levantou para o obrigatório salamaleque a Marcella Alves, a linda porta-bandeira mangueirense.
– Sempre que ele chegava, nós o puxávamos para o meio da quadra. Naquela noite, ele disse que estava com dores nas pernas e não poderia evoluir como sempre fez – relembrou Raphael na ocasião. – Estou muito triste com a morte.

O mundo do samba ficou de luto, como há muito não se via. Porta-bandeira da Beija-Flor, Selminha Sorriso relembrou os encontros com o mestre:
– Era um embaixador do samba e um grande mestre dos mestres-salas de hoje. Todos, sem exceção, copiaram seus passos, como o carrapeta, o voleio, o curupira. Sempre que eu estava perto dele, aproveitava para aprender.
O artista plástico Marius Bell se encarregou de eternizar o mestre-sala em uma das paredes do mocó. Noblesse oblige.

Torcedor de Pisces



Por Ruy Castro

O casal abraçado ao nascer do sol, de pé, envolto num cobertor enlameado e cercado por um mar de outros casais, deitados, tornou-se o símbolo do festival de Woodstock. A foto (de Burk Uzzle) virou capa de disco, pôster e cartão postal, e reflete o que o rapaz e a moça deviam estar sentindo naquele momento: ternura, resignação e um pouco de frio.

Em função dos 40 anos de Woodstock, em 2009, Nick e Bobbi Ercoline, os jovens da foto, foram redescobertos. Têm agora 60 e tal anos. Continuam juntos, bonitos, liberais e, segundo eles, apaixonados. Pelo visto, não acreditavam no amor livre que se pregava na época. Preferiram uma união estável, quadrada, careta, como a defendida por seus pais. E esse é o problema das revoluções: seus praticantes acabam parecidos com aqueles contra quem se rebelaram. E vice-versa.

Tive certeza disso outro dia ao ouvir, pela rádio do táxi em São Paulo, dois jovens locutores locais falando de Woodstock. Nitidamente não eram sequer nascidos em 1969, e sua cultura a respeito limitava-se à internet. Eles acreditavam que aquele evento gerou uma massa de pessoas purificadas, livres das horríveis deformações morais dos mais velhos e prontas para a era de paz e amor que, dizia-se, bateria às portas a qualquer momento: a era de Aquarius.

Um dos locutores tinha voz de comercial de sabonete; o outro, a de quem, aos 30 anos, ainda mora com a mãe. Nenhum dos dois teria sobrevivido cinco minutos à chuva, à lama, ao lixo, aos piolhos, à falta de comida e à monumental oferta de fumo e ácido em Woodstock. Ao respirar mais fundo e sentir o cheiro que, dizem, emanava daqueles rapazes e moças, teriam fugido correndo. Mas, à distância, a grande História tende a ser contada pela Carochinha.

Na condição de milenar torcedor da era de Pisces, já naquele tempo eu torcia o nariz para essa história de Aquarius. Mas nem precisava. Ou Aquarius até hoje não chegou ou, se chegou, a paz e o amor continuam na promessa.

quarta-feira, julho 25, 2018

Conversa de pai e filha



Por Antônio Maria
Pai, eu tenho um namorado. Pai, que ouve isto da filha mocinha, pela primeira vez, sente uma dor muito grande. Todo sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo roda sob seus pés. Ele pensava, até então, que só a filha dos outros tinha namorado. A sua tem, também. Um namorado presunçosamente homem, sem coração e sem ternura. 
Um rapazola, banal, que dominará sua filha. Que a beijará no cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas. Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá o nome feio e, possivelmente, lhe torcerá o braço. 
E ela chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda: “Gosto de você, mais que de tudo, só de você.” Mais que de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele, o pai. 
E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará tonta, com o estômago às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre suas namoradas. 
Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torçam o bracinho da filha. 
Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais que ódio de fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem evitar que todos esses medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber que sua filha é igual à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será beijada na boca. 
Ele, o pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme, o nome feio. E torceu-lhe o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada fosse filha de ninguém. Ele, o pai, humanamente lamentável, lamentavelmente humano. 
Ele, o pai, tem, agora, que olhar a filha com o maior de todos os carinhos e sorrir-lhe um sorriso completo de bem-querer, para que ela, em nenhum momento, sinta que está sendo perdoada. Protegida, sim. Amada, muito mais. E, quando ela repetir que tem um namorado, dizer-lhe apenas: 
– Queira bem a ele, minha filha.

(Última Hora, 21 de julho de 1960)

Ligado no dane-se



Por Ruy Castro

À zero hora de 1969, todos os quartos do Solar da Fossa estavam iluminados. Havia 80 festas de réveillon ardendo ao mesmo tempo. Em várias, a música que saudou o Ano Novo foi “Also sprach Zarathustra”, de Richard Strauss, famosa pela trilha sonora de 2001 – Uma odisseia no espaço, o filme do ano. O fornecedor e assuntando o universo feminino de cada um.

O Solar era uma linda construção de dois andares, velha de séculos, ao pé do morro do Pasmado, em Botafogo. Numa de suas últimas encarnações, no século 1968, seus jovens moradores – aspirantes a artistas, poetas e jornalistas, como os já citados Gal Costa, Paulinho da Viola, Betty Faria, Ítala Nandi, Paulo Leminski, Maria Gladys – não eram muito religiosos. Nem Zé Kéti, o único já famoso.

Quase ninguém ali tinha televisão – não se perdia tempo assistindo-a. Toca-discos, sim, nem que fosse uma vitrolinha Sonata. No meu hit parade particular, tocavam “Vou te contar” (“Wave”), com o Quarteto 004, “So many stars”, com Sergio Mendes e o Brasil ’66, e “Light my fire”, com José Feliciano. Para fins imorais, o Modern Jazz Quatet era perfeito – produzia um ritmo sensual, abafava o som ambiente e não perturbava os vizinhos.

Naquela última noite de 1968, o AI – 5 ainda não completara três semanas. Vários amigos tinham sido presos no dia 13 de dezembro e seguintes; outros, que estavam escondidos, só então começavam a reaparecer – entre os quais eu, por traquinagens cometidas no Correio da Manhã. Por sorte, não ocorreu aos homens dar uma batida no Solar. Ainda bem – 90% dos inquilinos preenchiam os requisitos para ir presos.

Foi uma grande noite. Mas a manhã seguinte seria 1969 e, a partir dali, começaria outra história. Bertrand Russell ficaria out; Herman Hesse, in. Passeatas na avenida Rio Branco dariam lugar a temporadas em Arembepe, na Bahia. Godard despediu-se do cinema, os Beatles se separaram e Sharon Tate foi assassinada por um sujeito parecido com tantos que andavam entre nós.

Peritos em coquetéis Molotov passariam a ferver cogumelos. Calças Lee e camisas da Marinha, compradas na praça Mauá, seriam substituídas por túnicas estampadas com motivos florais, mandadas fazer na costureira. A razão morrera, viva a magia. Uma palavra tomou conta: desbunde.

Surgia um mundo novo, irreconhecível para mim e, bem ao contrário de 1968, ligado no dane-se e movido a cada um na sua.

terça-feira, julho 24, 2018

Rebelião contra as redes sociais



Por Joseba Elola 
Sean Parker sempre foi uma pessoa polêmica. Não por acaso foi o criador do Napster, a plataforma de downloads que deu uma rasteira na indústria fonográfica nos anos noventa. Quando em 8 de novembro pediu a palavra em um ato da empresa Axios na Filadélfia para dizer que se arrependia de ter impulsionado o Facebook, jogou mais lenha na fogueira que está queimando as redes sociais em 2017, seu particular annus horribilis. No final das contas, ele foi em 2004 o primeiro presidente da plataforma comandada por Mark Zuckerberg. Explicou que para conseguir com que as pessoas permanecessem muito tempo na rede, era preciso gerar descargas de dopamina, pequenos instantes de felicidade; e que esses viriam pelas marcações de “gostei” dos amigos. “Isso explora uma vulnerabilidade da psicologia humana”, afirmou. “Os inventores disso, tanto eu, como Mark [Zuckerberg], como Kevin Systrom [Instagram] e todas essas pessoas, sabíamos. Apesar disso, o fizemos”.
Parker se declarou nesse dia opositor das redes sociais. Finalizou sua intervenção com uma frase inquietante: “Só Deus sabe o que isso está fazendo com o cérebro das crianças”.
Houve um tempo em que quem renegava essas plataformas era tachado depreciativamente de resistente à mudança, de velho. Esse tempo passou. Uma autêntica tempestade está se criando em torno do papel desempenhado pelas redes sociais em nossa sociedade. E são os grandes papas do Vale do Silício os que começaram a levantar a voz. O Facebook e o Twitter são acusados de se transformarem em espaços que aumentam o debate e o contaminam com informação falsa. Já circula a ideia de que é preciso desabituar-se do uso de plataformas projetadas para que passemos o maior tempo possível nelas, que causam vício; as redes (combinadas com o celular) como invenção contaminante, viciantes, o novo tabaco. Um problema de saúde pública. Um problema de saúde democrática.
O grupo de arrependidos das redes foi aumentando nos últimos meses. Em 12 de dezembro, um ex-vice-presidente do Facebook, Chamath Palihapitiya, afirmou que as redes estão “partindo” o tecido social. “Os ciclos de retroalimentação a curto prazo impulsionados pela dopamina que criamos está destruindo o funcionamento da sociedade”, declarou em um fórum da Escola de Negócios Stanford. Em 23 de janeiro, Tim Cook, executivo-chefe da todo-poderosa Apple, afirmou que não quer que seu sobrinho de 12 anos tenha acesso às redes sociais. Em 7 de fevereiro, o ator Jim Carrey vendeu suas ações da plataforma e pediu um boicote ao Facebook por sua passividade diante da interferência russa nas eleições.
A percepção que temos das redes sofreu uma mutação. Nasceram como um instrumento para se conectar com amigos e compartilhar ideias. Atenuavam o suposto isolamento causado pela Internet. E se transformaram em uma força democratizante ao calor da Primavera Árabe. Pareciam uma ferramenta perfeita à mudança social, empoderavam a pessoa. “Davam voz aos que não tinham voz”, frisa em conversa por telefone do Reino Unido Emily Taylor, executiva do Oxford Information Labs que há 15 anos trabalha em assuntos de governança na Rede. “Em somente sete anos, tudo mudou. São preocupantes essas campanhas políticas de anúncios dirigidas a alterar os processos eleitorais”.
A vitória do Brexit nas urnas e a eleição de Donald Trump são dois dos fenômenos que levaram o mundo inteiro a se questionar: como ninguém viu isso chegar? A resposta, em parte, foi procurada e encontrada nas redes.
O Facebook foi chamado em outubro pelo Comitê de Justiça do Congresso norte-americano para explicar seu papel na interferência russa nas eleições nos EUA em 2016. Admitiu que 126 milhões de pessoas puderam acessar conteúdos gerados por supostos agentes russos (A Internet Research Agency), que também publicaram aproximadamente mil vídeos no YouTube e 131.000 mensagens no Twitter. Entre todas essas notícias falsas apareciam histórias delirantes como a de que Hillary Clinton vendeu armas ao Estado Islâmico.
Mas essa não foi a única polêmica. As redes estiveram no foco pela compra de seguidores fictícios por parte de influencers; pelos linchamentos públicos de pessoas que são denunciadas nas redes e que são condenadas ao ostracismo sem julgamento; por sinistros episódios como crimes transmitidos ao vivo. E em Myanmar, o Facebook viveu um de seus piores episódios: no ano passado a empresa foi acusada de se transformar no vetor fundamental da propaganda contra a minoria rohingya, vítima de um genocídio. Annus horribilis.
Uma reportagem de investigação publicada na semana passada pela revista Wired revela o inferno que a organização viveu nos últimos dois anos. A tensão sobre o que fazer uma vez embarcados no que era uma realidade – sua condição de veículo informativo global –, as disputas sobre como enfrentar a avalanche de notícias falsas e o enraivecimento que inundava suas páginas ceifou o otimismo reinante, incluindo o do próprio Zuckerberg.
É um fato. O Facebook é a plataforma líder em redirecionar os leitores a conteúdos informativos desde meados de 2015, quando superou o Google nisso. Mais de 2,13 bilhões de pessoas fazem parte de sua comunidade. Existem 332 milhões no Twitter. Dois terços dos adultos norte-americanos (67%) declararam que se informam via redes sociais, de acordo com um estudo de agosto de 2017 realizado pelo Pew Research Centre.
O Facebook não cria conteúdos, mas os ordena. Primeiro decidiu realizar um trabalho editorial com uma equipe de jornalistas que escolhia as notícias mais populares. Depois, após vários escândalos durante a campanha, apostaram nos algoritmos, delegaram à máquina. O tiro saiu pela culatra.
O problema é o modelo de negócio. É o que diz Emily Taylor. O usuário aceita ceder dados em troca de um serviço gratuito. Os algoritmos usam essa informação para determinar os interesses do usuário. As empresas de publicidade pagam por isso. “Não se extraem dados somente do que é postado publicamente”, afirma Taylor, “mas também da localização, das mensagens privadas”. Quanto mais tempo passamos na plataforma, mais dados podem ser extraídos. Uma notícia chocante, sensacionalista, até inverossímil, chama mais à leitura do que uma tranquila e equilibrada análise. Uma mudança de rumo que afeta tanto as redes como os veículos de comunicação tradicionais.
Depois vem a questão do algoritmo. O usuário de uma plataforma como o Facebook não vê tudo o que os seus amigos publicam. Vê o que a máquina escolhe de acordo com uma fórmula que o Facebook não revela. “Ele te mostra o que o algoritmo quer, não sabemos com que objetivo, se perverso ou não”, diz Mari Luz Congosto, especialista em redes e pesquisadora do grupo de telemática da Universidade Carlos III. “Você perde uma parte de sua liberdade e a plataforma faz negócios com isso. Manipula o que as pessoas leem, marca o caminho”.
E o problema é que o algoritmo manda cada vez mais. Passamos de uma Internet que era acessada por computadores, nos quais a pessoa procurava, explorava, a uma Internet em que se entra por aplicativos instalados no celular. Algo que acontece, principalmente, com toda uma geração de jovens que vivem dentro de seu telefone. E que acontece em países pobres com muitos telefones e poucos computadores. “A Internet chega a você por um algoritmo, não é você que procura algo na Internet”, afirma em conversa por telefone de Bogotá a advogada e ativista digital guatemalteca Renata Ávila, assessora legal de direitos digitais da World Wide Web Foundation, organização presidida por Tim Berners-Lee, o inventor da world wide web. E utiliza uma metáfora: “Antes operávamos na rua, o mundo era nosso, entrávamos e saímos dos edifícios. Agora estamos trancados em um centro comercial com regras rígidas que só querem maximizar o modelo de negócio”.
Para Ávila, o problema não é exclusivo do Facebook, pelo contrário. Todas as plataformas funcionam da mesma foram: “O problema é a arquitetura do celular, dos apps. O modelo de negócio”.
Tudo isso ainda recebe o acréscimo do efeito bolha. O usuário lê o que seus amigos lhe mandam e as pessoas próximas ideologicamente: um estudo publicado na revista científica norte-americana PNAS e que analisou 376 milhões de interações entre usuários do Facebook concluiu que as pessoas tendem a procurar informação alinhada às suas ideias políticas. “Se o Facebook filtra sua informação”, diz a pesquisadora de redes Mari Luz Congosto, “no final você recebe somente uma visão dos fatos, reforçada, e, portanto, você se radicaliza”.
O modelo de negócio também está por trás do problema do vício às redes, projetadas para conquistar o usuário. Algum dia pode ser que precisem responder por isso, como a indústria do tabaco precisou fazer.
Pessoas escravizadas por seu perfil, pela imagem que devem dar aos seus seguidores; garotas que com o passar do tempo se fotografam com cada vez menos roupa no Instagram para conseguir mais likes; adolescentes que não se separam do celular pela quantidade de mensagens que eles se veem obrigados a responder e cuja amizade parece ser avaliada em termos de tracinhos que marcam suas interações no Snapchat. A lista de críticas ao impacto social dessas plataformas é variada.
Na última edição do Fórum de Davos, o multimilionário George Soros resumiu em uma intervenção os problemas que, estima, as redes colocam. Disse que enquanto as empresas petrolíferas e de mineração exploram o meio ambiente, as redes sociais exploram o ambiente. Que, ao influenciar no modo em que as pessoas pensam e se comportam, significam um risco à democracia.
Agora as críticas chovem, mas têm muitas linhas de defesa. Quando em 10 de janeiro o escritor Lorenzo Silva anunciou que, cansado de barulho, tempo perdido e insultos, deixava o Twitter, a jornalista e prolífica tuiteira Carmela Ríos publicou um decálogo das razões que fazem com que se mantenha nessa rede social. Escreveu: “Estou no Twitter porque é uma ferramenta de comunicação política do século XXI”. E a partir daí desfiou seus motivos em 10 tuítes: “Porque as redes são necessárias na era da desinformação, não é possível detectar e combater notícias falsas sem conhecer seu ecossistema natural”; “porque aprendi ao longo dos anos a racionar seu uso”; “porque é uma maravilhosa fonte de conhecimento”; “porque aprendi a discriminar entre seus melhores usos (os menos interessantes, sem dúvida, a tertúlia e o debate político)”; e porque permite “conhecer pessoas cujas ideias, conhecimentos, projetos e sentimentos valem a pena”.
O jornal El País pediu para falar com algum porta-voz do Facebook e do Twitter para que pudessem responder algumas perguntas. As duas empresas ofereceram, em troca, enviar informação por e-mail.
A questão é o que fazer. Porque mesmo que Zuckerberg tenha anunciado que está disposto a colocar limites a notícias, marcas e memes, ainda que modifique o algoritmo para que exista menos informação e mais relação entre os usuários, não vai querer perder os lucros em publicidade que entram em função do tempo que se emprega em sua rede.
Jonathan Taplin, empreendedor que publicou no ano passado o livro Move Fast And Break Things: How Facebook, Google And Amazon Cornered Culture And Undermined Democracy (Mova-se rápido e quebre as coisas: como o Facebook, Google e a Amazon arruinaram a cultura e enfraqueceram a democracia), tem todas as suas esperanças depositadas na União Europeia. “A Europa está liderando o mundo nisso”, declara em conversa por telefone da Califórnia o diretor emérito do Laboratório de Inovação Annenberg da Universidade da Carolina do Sul e ex-produtor de cinema. “Devemos agradecer, por exemplo, que o Google tenha sido multado [2,42 bilhões de euros (10 bilhões de reais) por abuso de posição dominante]”.
A nova Regulamentação Geral de Proteção de Dados da UE, esperada para agosto, é vista por vários especialistas como um catalizador para fortalecer a proteção de dados das pessoas. “É preciso regulamentar”, afirma Taplin, “precisamos de leis, não é o mercado que irá solucionar o problema”. Taplin quer a redução por lei do tamanho desses impérios: obrigar o Google a vender o YouTube; o Facebook, que se deligue do Instagram e do WhatsApp; aplicar leis de concorrência, redimensionar.
A revista The Economist propôs em novembro em um artigo que as redes deveriam deixar mais claro se uma postagem vem de um amigo e de uma fonte confiável, manter controlados os bots que amplificam as mensagens e adaptar seus algoritmos para colocar as notícias caça-cliques [as que provocam muitos cliques] no final do muro para dessa forma evitar que os reguladores acabem impondo mudanças em um modelo de negócio baseado em monopolizar a atenção.
Os grandes do Vale do Silício, enquanto isso, enviaram um exército de lobistas a Washington. Temem que aconteça a eles o que ocorreu com a Microsoft, condenada por práticas abusivas de monopólio.
Existem vozes que pedem que as plataformas respondam pelo que se publica nelas. Algo que as redes respondem que se negam a se transformar em árbitros da verdade. Existem outras que pedem que os programas educacionais incluam elementos práticos que permitam aos mais jovens aprender a manejar o componente viciante das redes.
Há quem diga, por fim, em um claro alarde de otimismo antropológico, que as pessoas progressivamente prescindirão delas como da junkie food e optarão por dedicar seu tempo de leitura a escolhas mais seletas.

62º Festival Folclórico do Amazonas – Categorias Prata e Bronze



Nesta segunda-feira, 23, foram divulgados os resultados oficiais do 62° Festival Folclórico do Amazonas nas Categorias Prata e Bronze. 
Vinte e um grupos folclóricos foram declarados campeões. 
Os 9 grupos vencedores da categoria Bronze sobem para a categoria Prata no próximo festival e os 12 campões da categoria Prata sobem para a Ouro.
Cincos jurados avaliaram a apresentação dos 71 grupos folclóricos no período de 12 a 23 de junho, no Anfiteatro do Complexo Turístico da Ponta Negra. 
Das 76 apresentações previstas, três da categoria Bronze e duas da Prata não ocorreram por ausência dos grupos.

Resultado Final
CATEGORIA PRATA (Campeão e Vice)
Categoria Quadrilha Tradicional
1º – Sete Quedas na Roça – 448,9
2º – Explosão Junina na Roça – 448,7
Categoria Quadrilha Cômica
1º – Folia e Fuleragem – 447,7
2º – As poderosas na Roça – 447,2
Categoria Dança Nordestina
1º – Cangaceiros de Aparício – 440,9
2º – Cabras do Capitão Rufino – 433,8
Categoria Dança Nacional
1º – Rosas de Ouro – 438,9
2º – Princesa da Vila – 423,5
Categoria Quadrilha de Duelo
1º – Pistoleiros na Roça – 388,5
2º – Os Intocáveis na Roça – 373,6


CATEGORIA BRONZE (Campeão e Vice)
Quadrilha Cômica
  Papudinhos na Roça – 447,8
  Garotas da Noite – 423,2
Dança Nordestina
1º Vingadores do Sertão – 434,9
2º Cabras do Capitão Corisco – 411,7
Ciranda
1º Tradição do Parque Dez – 445,8
2º São Sebastião – 445,1
Quadrilha Tradicional
1º Alegria Caipira – 411,0
Cacetinho
1º Kamayurá – 425,8
Dança Internacional
1º Rancho Luso Brasileiro do Amazonas – 459,8
2º Cia de Artes Cên. das Índias Orientais Jai oh – 455,0
Quadrilha de Duelo
1º Anjos Bandidos Show – 340,4
Dança Alternativa
1º União Hit Dance na Roça – 341,7
Dança Nacional
1º Xote da Karolina – 373,2
Tribo
1º Tribo dos Muras – 438,9