Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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quarta-feira, fevereiro 14, 2007
TANUSSI CARDOSO E A PRECARIEDADE HUMANA
Tanussi Cardoso é carioca, jornalista, bacharel em Direito, licenciado em Inglês.
Poeta, contista, critico literário e letrista de MPB, com várias músicas gravadas.
Publicou os seguintes livros: "Desintegração" (Ed. do Autor, 79/RJ), "Boca Maldita" (Ed. Trote, 82/RJ) e "Beco com saídas" (Ed. Edicom, 91/SPJ, Prêmios UBE/RJ e UBE/GO. Em 2000, lançou "Viagem em Torno de", pela Ed. 7Letras/RJ. Em 2003, lançou "A Medida do Deserto e outros poemas revisi¬tados", inserido na coletânea de poemas "Rios" (Ibis Libris/RJ).
É colunista do jornal RIO LETRAS e Vice-Presidente do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro.
Tem trabalhos publicados nos EUA, Uruguai e Portugal, com poemas traduzidos para o francês e espanhol.
Prêmios literários: Menção Honrosa no Concurso Literário Stanislaw Ponte Preta / 95, da Secretaria Municipal de Cultura – RJ; I Concurso Nacional de Poesia Vinicius de Moraes; 1° lugar no X Concurso Onde está o poeta? (Hebraia, RJ) e 1° lugar no II Prêmio Sesc-Copacabana de Poesia e Concurso de Arte, Prosa e Poesia UBE/ 2002.
Seu trabalho poético foi tema de monografia na UFRJ, apresentado por Márcia Miranda Jayme.
Coordenou o evento Segundas com Arte no Espírito das Artes, por seis meses, em 2002.
Segundo o escritor e jornalista paraense Nicodemos Sena, “Tanussi Cardoso conhece a precariedade de todas as coisas. Seus versos ‘desinventados’, prenhes de vida e filosofia, não se podem reduzir pela análise formalista, meramente literária. Pois em Tanussi Cardoso, os significados estão muito para lá das palavras.”
Legado
o homem morreu
deixou
o cão/ o câncer/ o corpo/ o cofre/ os milhos
deixou
o hereditário ódio
para dividir entre
os filhos
Os olhos nos desvãos
O pijama despido do corpo dorme seus sonhos
O rosto no retrato estampa uma febre antiga
O piano dedilha memória e descompasso
O fantasma de um gato descansa no sofá
A escada suspira os passos dos homens
No escuro as coisas brilham seus nomes
Hó
O afogado
nu
na lisura das primeiras ondas
O amante do pôr-da-so
Um deus
face ao sagrado
Um medo
face ao degredo
O afogado
dividido
entre o mar e a secura
Como se a morte fosse
a possibilidade do desejo
ou do deserto
O afogado
as algas beijam-no
Ulisses
face ao ciclope
Ninguém / musgo
O amante do sereno
O afogado
livre
não cabe
nas intenções
do gesto
ou
na perspectiva do Sábado
O afogado
agora
é o que se perpetua
no peixe
AS MORTES
quando o primeiro amor morreu
eu disse: morri
quando meu pai se foi
coração descontrolado
eu disse: morri
quando as irmãs mortas
a tia morta
eu disse: morri
depois, a avó do Norte
os amigos da sorte
os primos perdidos
o pequinês, o siamês
morri, morri
estou vivo
a poesia pulsa
a natureza explode
o amor me beija na boca
um Deus insiste que sim
sei não
acho que só vou
morrer
depois de mim
AS TIMES GOES BY
Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart
Que eu te conto Casablanca
Me tira esse sobretudo;
Sobretudo, conta tudo
Que eu te dou uma rosa branca.
Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart...
Te dou carona em meu carro
Chevrolet — que sou bacana;
Te levo, meu bem, pra cama,
Fumamos nossa bagana;
Te provo que sou sacana...
Te faço toda a denguice:
Te dispo que nem a Ingrid,
Te dou filhos de montão
Só pra te ver sufocar...
Mas me chama de Humphrey Bogart!
Faço chover colorido
Como num bom musical,
Te chamo de Lauren Bacall!
Te danço, te canto, te mostro,
Entre as pernas, meu bom astral...
Te deixo pro enxoval
Meu chapéu preto de gangster.
Mil poemas de ninar...
Só pra te ouvir sussurrar:
Como te amo, meu Humphrey Bogart!
A Cinelândia e seus pombos
Lagos gelados incrustados nos olhos,
O travesti é o estrangeiro de si mesmo.
Que Pátrias imensas o habitarão?
A que Deus gritará a sua geografia?
Ou será o travesti a legião de todas as Pátrias?
Um cogumelo dança na cabeça dos homens;
Sangue escorrendo em pós e fumaça.
Pombos cagam nos menininhos da Praça
: Mataremos os pombos ou os menininhos?
Não consigo terminar nenhum livro;
Não consigo começar nenhum amor.
Aprendi a perguntar com Quintana: "E por que não?"
E a me responder: sempre-talvez-sim-quem sabe...
Há um baú aberto de esperas;
Um mar imenso navegando um navio assombrado.
Sou esse mar e esse navio - assombro fantasmas.
Minhas lentes de contato perderam o contato com o real
- Só o imaginário é visível.
Sonhar é desrespeitar o silêncio.
É espantar a voz do sono.
É dormir ao avesso.
Fantasio o impossível e vivo.
Há poetas demais gritando dores;
Há dores demais sendo cantadas.
Dão milho aos pombos
: As criancinhas se vingam, comendo-os.
LOUÇA
o coração é óbvio
o amor insólito
vidro
no toc se quebram
Substantivos
Faca é faca
Pão é pão
Fome é fome
Amor é amor
Estranho desígnio das coisas
De serem exatamente elas
Quando as olhamos sem paixão
Cilada
O amor não é a lua
iluminando o arco-íris
nem a estrela-guia
mirando o oceano
O amor não é o vinho
embebedando lençóis
nem o beijo louco
na boca úmida do dia
O amor não é a vitória
dos navios e dos barcos
nem a paz cavalgando
cavalos alados
O amor é, sobretudo
a faca no laço do laçador
O amor é, exatamente
o tiro no peito do matador
Ponte
Entre eu e mim
um abismo imenso
Chorando sobre um Poema
(lendo "Sob a Espada")
Para Ferreira Gullar
Debruço-me sobre o livro:
o poema invade olhos, tecidos.
Vozes.
Que espada mais aguda
que o eco de seu som?
Que fogo mais forte crepita
eterno
além da paixão?
A palavra
viva
transcende a sua hora.
Sempre
é tempo
que não nasceu.
E o poeta é só
um homem
dentro
de Deus.
A Hora Absoluta
Estranhos
meus mortos abrem as janelas
penetram em meu quarto
e me sufocam.
Insinuantes
me beijam e sangram em mim
alegrias e pecados
acariciando, sem pudor
meus sonhos, minhas partes
e meus ossos.
Meus mortos e seus gemidos
têm rostos, sinais
e olhos que fagulham calafrios.
Ousados
vêm no breu do sono
e debruçam sobre meu corpo
silentes e queridos
e rezam
e choram por mim
como a lua clamando
sua outra metade
como um espelho
colando os próprios vidros.
Meus mortos sem censura
meus delicados mortos
que, à noite, penteiam meus cabelos
e, solidários, preparam o meu jardim.
Teias
Alimentar aranhas,
eis o meu ofício.
Deixá-las criar tentáculos.
Moscas mansas
apaixonadamente sangrar.
Cuidá-las para tecer
os pequenos vícios
do seu tear
: venenos sutis
: tatos improváveis
- vivê-las.
Redescobrir as cores
as sedes e as sedas.
As sendas do meu destino
nelas entrelaçar
: véus de astúcia
: morte e viuvez.
Decifrar sua dança
: rede de valsas
: fios de arame.
Aprender com elas
o ritmo do salto.
Da Paz das Borboletas
Moram em mim animais bravios.
Perigosos, eriçam os pêlos
rangem os dentes
emitem urros
por qualquer motivo.
Mas dormem em mim, tranqüilos
quando lhes conto das borboletas
pousadas sobre os vitrais noturnos.
O Morto
Tudo permanece em seu lugar.
A tartaruga
estática, sábia
contempla a cena.
Quem morre antes
o morto ou seus objetos?
Tudo permanece em seu lugar.
O morto é um poema
acabado
solto
completo.
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