Denise Carla
O entrudo,
importado dos Açores pelo colonizador português, foi o precursor
das festas de carnaval.
Grosseiro, violento, imundo, constituiu a
forma mais generalizada de brincadeira popular no período colonial e
monárquico.
Consistia em lançar sobre os outros foliões baldes de
água, esguichos de bisnagas e limões-de-cheiro (feitos ambos de
cera), pó de cal (uma brutalidade, que poderia cegar as pessoas
atingidas), vinagre, groselha ou vinho e até outros líquidos, como
a urina, que estragavam roupas e sujavam ou tornavam malcheirosas as
vítimas.
Esta estupidez, porém, era tolerada pelo imperador Pedro
II e foi praticada com entusiasmo, na Quinta da Boa Vista e em seus
jardins, pela chamada nobreza.
E foi livre até o aparecimento do
lança-perfume, do confete e da serpentina, todos trazidos da Europa.
Na verdade, o entrudo era a oportunidade de as pessoas das camadas
pobres da população (incluindo os escravos) se manifestarem contra
as situações consideradas opressivas da época, ao mesmo tempo em
que se divertiam e reinventavam a brincadeira entre eles próprios.
Em todo o Brasil,
mas, sobretudo, no Rio de Janeiro, havia o costume de se prestar
homenagem galhofeira a notórios tipos populares de cada cidade ou
vila do país durante os festejos de Momo.
O mais famoso tipo carioca
foi um sapateiro português, chamado José Nogueira de Azevedo
Paredes, que teve seu sobrenome trocado e ficou conhecido como “Zé
Pereira”.
Segundo o historiador Vieira Fazenda, foi ele o
introdutor, em 1846, do hábito de animar a folia ao som de zabumbas
e tambores, em passeatas pelas ruas, como se fazia em sua terra
natal.
O “Zé-Pereira” cresceu de fama no fim do século 19,
quando o ator Vasques elogiou a barulhenta manifestação encenando a
comédia carnavalesca “O Zé-Pereira”, na qual propagava os
versos que o zabumba cantava anualmente: “E viva o Zé-Pereira/
Pois que a ninguém faz mal./ Viva a pagodeira/ Dos dias de
Carnaval!”.
A peça não passava de uma paródia de Les Pompiers de
Nanterre, encenada em 1896.
No início do século 20, por volta da
segunda década, a percussão do “Zé-Pereira” cedeu a vez a
outros instrumentos, como o pandeiro, o tamborim, o reco-reco, a
cuíca, o triângulo e as frigideiras, e há até quem diga que por
meio dessa manifestação surgiram os blocos de rua, uma vez que o
povo acompanhava o “Zé-Pereira” por onde ele passasse.
O surgimento dos
cordões carnavalescos, por volta de 1870, representou uma
diversificação do carnaval de rua, ainda dominado pelo entrudo, mas
já convivendo com os “zé-pereiras”.
Eles foram chamados de cordões porque, como as ruas eram muito estreitas, desfilavam praticamente em fila indiana.
Os cordões eram formados
por negros, mulatas e brancos de origem humilde, e a animação
ficava por conta do som dos instrumentos de percussão, com forte
influência dos rituais festivos e religiosos africanos.
À frente
dos cordões, como se fossem batedores, vinham os “panos”
(enormes estandartes, de aproximadamente dois metros de comprimento,
por um de largura).
As figuras de destaque eram o porta-estandarte e
uma composição própria para a sua exibição.
Os cordões tiveram
sua fase áurea no começo do século 20, quando o número de
agremiações chegou a 200.
Entre os mais conhecidos destacavam-se
Teimosos da Chama, Dália de Ouro, Destemidos do Livramento, Rainha
do Mar e Rosas de Ouro.
As principais
figuras carnavalescas eram a Colombina, o Pierrô e o Arlequim, todos
personagens da Commedia dell’Arte, uma companhia italiana de atores
que se instalou na França entre os séculos 16 e 18 para difundir
uma forma de teatro original com tipos regionais e textos
improvisados.
Os três personagens tinham a função de divertir o
público nos intervalos das peças teatrais, com piadas, chistes e
estripulias lúdico-amorosas.
Nos salões, Pierrô era o sujeito
sentimental, que usava como indumentária calça e casaco muito
amplos, ornada com pompons e de grande gola franzida, e se derretia
de amores pela volúvel e sedutora Colombina.
O palhaço Arlequim, de
traje multicor, feito em geral de losangos, era seu rival.
Ele
divertia-se com a ingenuidade de Pierrô e usava todas as suas
artimanhas para conquistar o coração da Colombina.
Esta,
namoradeira, alegre, fútil, bela, esperta, sedutora, gostosa e
volúvel, vestia-se de seda ou cetim branco, saia curta e usava um
bonezinho.
Nos dias de hoje, a Colombina seria uma típica “cachorra”
de baile funk carioca.
Já o rei Momo, personagem que personifica o
carnaval brasileiro, foi inspirado no Bufo, ator de procedência
portuguesa que representava pequenas comédias teatrais que tanto
divertiam os nobres.
Nos últimos anos, por conta da praga do politicamente correto, alguns apressadinhos começaram a pleitear que o rei Momo seja magricela, esbelto ou marombado, já que esse é o novo padrão de saúde imposto pela medicina contemporânea...
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