“Quem
não chora, não mama/ Segura meu bem, a chupeta/ Lugar quente é na
cama/ Ou, então, no Bola Preta”.
Enquanto
os versos famosos do hino do Cordão da Bola Preta não forem
entoados, no centro do Rio de Janeiro, ao meio-dia do Sábado Gordo,
precedidos das tradicionais clarinadas, o carnaval carioca não
estará oficialmente aberto.
O
que acaba sendo mais uma ironia da mui heroica e leal cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro, famosa por seu bom humor.
Acontece
que o Bola Preta nasceu para brigar com as autoridades e, mesmo sem
abrir mão de sua posição, contestando e protestando a cada
carnaval, por meio de suas fantasias, desfiles e músicas, acabou
sendo escolhido para abrir, a cada ano, o carnaval oficial da cidade.
Não
importa que, já há muito tempo, a folia comece até quinze dias
antes da data marcada no calendário, ela só vale oficialmente
depois que o Cordão da Bola Preta desfilar.
Estudiosos
garantem que o cordão (cuja primeira citação na imprensa aparece
em 1886) surge como uma sátira popular, desabafo anônimo e coletivo
contra o estabelecimento de fatos que desagradem ou prejudiquem o
povo.
No
caso da origem, foram o vice-reinado português e depois o próprio
D. João VI e sua corte, os alvos das brincadeiras dos cordões.
Dentro
dessa filosofia, surgiu o que viria a ser o mais famoso deles, o
Cordão da Bola Preta.
Álvaro
de Oliveira era o que se chamava na época – final dos anos 20 –
de um folião de quatro costados.
Ele
soube pelos jornais que o chefe de polícia, Dr. Aurelino Leal (o
mesmo que com sua ordem contra os cassinos clandestinos, em 1916,
dera origem ao samba “Pelo Telefone”), baixara uma portaria
determinando que “os grupos e cordões que perturbarem a ordem
pública terão suas licenças cassadas, sendo os perturbadores
presos e processados, na forma da lei”.
Foi
o que bastou para que o corajoso K. Veirinha (apelido de Álvaro,
também conhecido como Trinca Espinha) se dispusesse a topar a parada
contra o chefão.
le
reuniu os amigos de sempre – Chico Brício, Vaselina, Pato Rebolão,
Fala Baixo, Porrete e outros, todos componentes da sua famigerada
“turma do chope” –, nos bares da Galeria Cruzeiro, e planejaram
a desobediência ao mandachuva.
Alugaram
a sede do Clube dos Políticos, na Rua do Passeio, e no réveillon de
1918, com um “maxixético e rebolativo baile”, como explicitava o
convite, consumaram a provocação. Era a primeira festa de milhares
que se seguiriam.
O
sucesso animou a turma a criar o clube e a data de 31 de dezembro de
1918 ficou definida como a da fundação.
O
sobradão da Rua da Glória, 88, foi alugado e as festas ali jamais
terminavam no mesmo dia. Começavam sábado à tarde e prosseguiam
até a manhã de segunda-feira.
O
clube, que não tem sócios, mas “irmãos”, ficou conhecido como
reduto de artistas, ou “recanto de inspiração”. Ali compareciam
nomes famosos da música popular e intelectuais famosos, como Ary
Barroso, Mário de Azevedo e Patrício Teixeira.
Mas
o Bola Preta só equilibrou suas finanças em 1939, na Rua Treze de
Maio, depois de alugar um salão para um banqueiro do jogo de bicho
(que então era legal), com o qual conseguiu até reserva de caixa.
Em
1942, o Cordão se mudou para o prédio do jornal O Globo e,
finalmente, em 1950, inaugurou a luxuosa sede onde está até hoje,
na Rua Treze de Maio, ocupando todo um andar.
Suas
festas e seus bailes de carnaval continuam mais famosos e concorridos
do que nunca. Muitas personalidades estão sempre presentes. Elizeth
Cardoso e a cronista Eneida desfilavam por lá suas fantasias de
pierrô.
É
famoso o caso de um comandante de aviação que, na Europa, ficou sem
seus documentos, restando-lhe apenas a carteira de sócio do Cordão
da Bola Preta. A carteira foi reconhecida pelas autoridades e serviu
para trazê-lo de volta ao Brasil.
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