A
pandemia dos autorretratos com ajuda de um bastão de cem centímetros
constata a valorização excessiva da imagem
Denise
Molinaro
Não
era para eu estar viva escrevendo este texto. Dia desses fui atingida
por um pau de selfie nas imediações da Avenida Paulista, região na
qual eu transito diariamente por conta do trabalho.
Com
ego do tamanho da Rússia e uma imobilização de sorrisos
anti-espontaneidade, um grupo de estudantes se uniu em frente ao MASP
em busca do melhor ângulo. Eu, que passava por lá a caminho de
casa, ganhei de presente um galo na cabeça. Não fosse ágil, teria
sido afetada por outras dezenas de paus de selfie, cada integrante do
grupo tinha o seu.
Bem
feito pra mim que resolvi atravessar a rua no momento em quem os
adolescentes narcisistas vestiam a máscara da alegria em cliques
fotográficos ignorando tudo o que estava ao redor.
Antes
da abordagem psicanalítica do tema vamos à explicação técnica: o
tal do pau de selfie foi o gadget que mais bombou no Natal passado. O
acessório que acopla smartphones e câmeras GoPro tem alguns botões
e uma interface Bluetooth e permite que selfies mais amplas sejam
feitas sem que se corte a cabeça ou o braço de alguém. O produto
garante ergonomia perfeita às capturas dos narcisos que andam em
bandos vociferando em imagens a própria felicidade.
Os
detentores de paus de selfie são pessoas que se tornaram objetos de
seus próprios fascínios, cientes ou não de seu poder de atração,
ou ainda da falta deste.
A
ideia de esticar um cabo metálico de um metro no meio da galera para
tirar uma foto da própria fuça estudando com afinco o melhor ângulo
fez do ato de fotografar um verdadeiro vexame. A pandemia de selfies,
se analisada como ato comportamental repetitivo, pode ser considerada
tão grave quanto à expansão do Ebola.
Por
trás das manobras que permitem que o fotógrafo seja fotografado,
noto uma sede à divulgação dos "paradisíacos"
relacionamentos humanos nas redes sociais. Quanto mais likes na
autoimagem, mais bem quisto eu sou.
A
busca pela popularidade revela a afinidade da sociedade atual com o
mundo das fofocas e da aceitação, assim como a análise da imagem
da vida alheia. Não importa o que eu sou, importa o que a foto
mostra que eu seja e quantos likes eu ganho nela.
O
modismo vem ancorado na vontade exagerada de ter a vida acessada
deliberadamente nas redes sociais, não à toa as empresas de
tecnologia foram obrigadas a evoluir a qualidade de suas câmeras
frontais nos smartphones a fim de ganhar essa parcela de narcisistas
disposta a pagar mais pelo gadget que ofereça o melhor
enquadramento.
Tem
gente que viaja o mundo e não consegue fotografar sequer um ponto
turístico, todo atenção está voltada para o clique em si próprio.
É possível que o egocentrismo cegue o ser humano para o que está a
sua volta?
Como
seria se espelhos circundassem seu corpo e para onde você olhasse
encontrasse apenas a si mesmo? Uma overdose de você. Penso que o
mundo tem muito mais coisas interessantes a oferecer, confere?
Um
dos repórteres que trabalha comigo trouxe a informação que uma
empresa americana aproveitou o sucesso do pau de selfie e criou o
‘Belfie Stick’, uma versão do utensílio para reproduzir imagens
em ângulo perfeito da própria bunda. Quando ele pediu minha opinião
eu apenas disse: “preferia ter nascido em 1950”.
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