“Qualquer
criança bate um pandeiro / E toca um cavaquinho, / Acompanha o canto
de um passarinho / Sem errar o compasso. / Quem não acreditar
poderemos provar, / Pode crer, nós não somos de enganar, / Melodia
mora lá no Prazer da Serrinha...”
O
samba de Hélio dos Santos, o tio Hélio, e Rubens da Silva é o
primeiro retrato musical da Escola de Samba Prazer da Serrinha.
Como
a maioria das coirmãs, ela nasceu da união de componentes de vários
blocos carnavalescos que existiam no morro da Serrinha, formados pela
mesma massa humana expulsa dos logradouros mais valorizados do centro
da cidade do Rio de Janeiro e que procurou abrigo nos morros da
periferia.
Havia
também os interioranos, que abandonavam trabalhos agrícolas no
Espírito Santo, São Paulo, Estado do Rio de Janeiro, Minas Gerais,
e os escravos recém-libertos, que procuravam sobrevivência no então
Distrito Federal, a Guanabara.
Situado
no distante subúrbio de Madureira, o morro da Serrinha não podia
oferecer outro lazer para seus habitantes, que não fosse a música.
Assim,
desde que começou a ser habitado, passou a contar com grupos
carnavalescos de blocos familiares, que reuniam esses primeiros
moradores.
Francisco
Zacarias de Oliveira, funcionário da Companhia de Limpeza Urbana,
foi um dos pioneiros, tendo sido fundador de blocos como Primeiro
Nós, Bloco da Lua, Dois Jacarés e Três Jacarés.
Antes
deles, no Beco dos Novaes, a moçada já brincava no Bloco Borboleta
Amorosa.
Alfredo
Costa, que viria a ser um dos principais donos do samba na Serrinha,
guarda-freios da Estrada de Ferro Central do Brasil, iniciou carreira
como fundador do famoso bloco carnavalesco Cabelo de Mana.
Foi
esse bloco, surgido em meados dos anos 20, a origem da Escola de
Samba Prazer da Serrinha, que desde a sua criação foi comandada com
mão de ferro por Alfredo Costa.
Como ocorrera no Cabelo de Mana,
quem mandava na Escola era seu Alfredo e a família.
A
mulher, Araci Costa, a Dona Iaiá, chegou a ser eleita a Rainha do
Samba em 1937, e os irmãos dela, Delfino, Chico e Teodomiro,
ocupavam os postos-chaves na administração da Prazer da Serrinha.
Era
seu Alfredo quem autorizava ou negava a entrada de qualquer elemento
novo na Escola.
O candidato tinha que se submeter a rigoroso exame
feito por ele.
O
sambista Mano Décio da Viola – que passou a ser conhecido assim na
Prazer da Serrinha – foi um dos que sofreu a “sabatina” de seu
Alfredo.
Ele não foi o único.
Fuleiro,
o grande Mestre Fuleiro, um dos maiores diretores de harmonia da
história do samba, teve muitos problemas com Alfredo Costa.
Até
mesmo o cunhado Chico quase provocou uma cisão na escola após uma
discussão feia com Alfredo, ao desfilar com uma ala de baianas
própria, na Festa da Penha.
A
maior contestação à autoridade de seu Alfredo aconteceu no
carnaval de 1945.
O
belo enredo era “Cais Dourado”, que no dia do desfile sofreu com
a chuva, complicando a descida do morro.
Para
culminar, Mestre Fuleiro, diretor de harmonia, cerceado por ordens de
Alfredo Costa, quebrou todas as alegorias, distribuiu sopapos, deu
pernadas, iniciando um tumulto que envolveu todos os componentes.
A
Prazer da Serrinha compareceu simbolicamente ao desfile, apenas com
sua bandeira, Alfredo Costa e uns poucos sambistas.
Em
1946, Antônio Caetano, fundador da Portela, filiou-se à Serrinha.
Trouxe um enredo pronto, “A Conferência de São Francisco”, que
foi musicado por Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira.
A
escola estava bem ensaiada, o enredo apropriado e todos acreditavam
em um grande carnaval.
Na hora de iniciar o desfile veio a ordem de
Alfredo Costa para trocar o samba.
Mano Décio retirou-se chorando.
Para
o resto da escola, o desânimo foi total e resultou no décimo
primeiro lugar.
Sebastião
de Oliveira, o Molequinho, deu o grito de protesto, em forma de
samba. Ao lado da bica d’água que abastecia o morro, cantava:
“Quase que chorei/ Quando nossa escola desfilou/ Senti grande
emoção que meu coração quase parou/ O samba do concurso/ Não era
aquele/ Era um samba harmonioso/ Que o Mano Décio escreveu”.
A
cisão definitiva viria apenas no ano seguinte. Abaixo-assinados
contra a diretoria da Prazer da Serrinha corriam o morro, sambistas
não compareciam aos ensaios e prometiam não desfilar.
Mas
mesmo assim, completamente desorganizada, a escola conseguiu ainda
sair no desfile de 1947.
A
situação, porém, era incontornável, e logo após o carnaval, em
23 de março de 1947, Sebastião Molequinho chamava as lideranças do
morro para uma conversa na casa de sua irmã Eulália, na Rua da
Balaiada. Ela e o marido, José Nascimento, eram figuras respeitadas.
No
aniversário de José, os mais famosos jongueiros do Rio se reuniam
na casa do casal, onde era fácil achar Mano Elói, Manuel
Bam-Bam-Bam e seu Rufino da Portela, entre outros.
Molequinho,
acostumado a viver entre os líderes, conta o resultado do encontro,
ao qual compareceram nomes como os de João Gradim, Mestre Fuleiro,
Silas de Oliveira, Manula, Fumaça, Mano Elói e Antônio Caetano
(que rabiscou o projeto da bandeira): “Com a presença de
consagrados artistas, foi solicitado aos presentes que apresentassem
para discussão o nome que se daria à futura escola e as cores de
seu pavilhão. Foi proposto por mim o nome de Império Serrano,
aceito por unanimidade. Propus também as cores azul e amarelo-ouro,
não sendo aprovadas. As cores verde e branca, que tanto têm nos
abrilhantado, foram escolhidas pelo Antenor, que é inclusive autor
do primeiro samba do Império Serrano, destacando em seus versos as
cores da escola.”
Estava
fundado o Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, que,
ao colorir a avenida de branco e verde, foi apelidado carinhosamente
pelos sambistas de arroz-com-couve.
Um
prato tão forte e substancioso que não deixou por menos: campeão
em seu primeiro ano, em seu primeiro desfile, colocando-se à frente
da Mangueira, Portela, Unidos da Tijuca e outros bichos-papões.
Quando
as notas chegaram, com a vitória do GRES Império Serrano, Alfredo
Pessoa, da Secretaria de Turismo do Rio e integrante do júri, tentou
argumentar que não ficaria bem uma estreante ganhar das grandes
escolas tradicionais.
Antes
que alguém tentasse modificar o resultado, o jornalista Irênio
Delgado levou os mapas de apuração ao locutor Heron Domingues, e,
com a divulgação, a vitória foi consumada.
Irênio
era figura de prestígio entre os sambistas, vice-presidente da
Federação Brasileira das Escolas de Samba, criada para fazer a
frente à União Geral das Escolas de Samba, acusada de tendências
comunistas.
Mano
Elói, sabendo que Irênio era amigo do prefeito Mendes de Morais,
tratou de atraí-lo para a Império Serrano.
A
posterior eleição de Irênio para a presidência da Federação
acabou por fazer com que Mangueira e Portela se desligassem da mesma.
No
ano seguinte, 1949, a campeã foi a Império Serrano. Em 1950, quem
venceu foi a Império Serrano. No Carnaval de 1951, o título foi
para... a Império Serrano. Tetracampeã logo ao nascer.
Quatro
campeonatos seguidos, formando os alicerces de um futuro repleto de
conquistas e vitórias. Quatro títulos enfeitando um berço de ouro
imperial.
Poderiam
querer mais – para começar uma história destinada a coloca-los
entre os maiores do samba, em todos os tempos – os insatisfeitos
dissidentes da Prazer da Serrinha?
Na verdade, o Palácio do Samba imperiano nasceu modesto. O luxo era o talento dos
seus bambas. A riqueza, a inspiração de seus poetas. O patrimônio,
a beleza de suas cabrochas e a determinação de seus fundadores. Sua
fé, a Serrinha.
Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus
Enfermeira
de profissão durante muitos anos, Ivone Lara é um exemplo perfeito
das jovens suburbanas cuja vida inteira se desenvolveu ao redor do
samba.
Casou-se
aos 25 anos de idade com Oscar Costa, filho de Alfredo Costa,
presidente da escola de samba Prazer da Serrinha, onde conheceu
alguns compositores que viriam a ser seus parceiros em algumas
composições, como Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira.
Devotada
à sua Serrinha, cresceu com a Império Serrano e, fazendo sambas,
como única mulher compositora na ala, tocando cavaquinho, cantando
com voz de rara beleza, construiu sua carreira musical.
Só
ela é apresentada com respeito como Dona (Ivone Lara) em shows e
espetáculos. E, por tudo isso, se transformou, com inteira justiça,
na grande dama da Escola de Samba Império Serrano.
Ao
chegar à Serrinha por volta de 1916, Antônio dos Santos estava
destinado a ser o Mestre Fuleiro, figura básica na história do
samba.
Substituindo
por acaso o diretor de harmonia em um ensaio da Escola de Samba
Prazer da Serrinha, descobriu sua vocação para o cargo e se tornou
um dos maiores de todos os tempos.
Desde
a fundação da Império Serrano, para a qual contribuiu, brigando
até fisicamente na Serrinha, ocupou a função e com tal influência
que seu nome passou a representar um dos sinônimos da Escola de
Madureira.
No
“púlpito” dos compositores, comum em todas as quadras das
escolas, Silas de Oliveira Assumpção e Décio Antônio Carlos não
poderiam estar mais à vontade.
Silas
de Oliveira e Mano Décio da Viola formaram a mais perfeita dupla de
compositores de sambas-enredos da história do gênero.
De
origens diversas – Silas era carioca, do subúrbio, e Mano Décio,
baiano da musical cidade de Santo Amaro da Purificação –,
conseguiram entrosamento perfeito e a eles a música popular
brasileira deve a fixação do samba-enredo.
A
partir deles, foi codificado o trabalho dos compositores naquele
gênero.
Mano Décio levou Silas para a Serrinha e fez aflorar seu
talento.
De
temperamentos diferentes, Mano Décio era extrovertido, frequentando
o samba desde a infância, transitando pela Mangueira e por vários
outros redutos de samba.
Contrastava
com Silas, criado nos dogmas do protestantismo e caseiro por
excelência, preferindo curtir a mulher e os filhos à boêmia.
Mas,
na hora de compor, viravam irmãos siameses, ourives do samba.
Os
dois desfiles de estreia do GRES Império Serrano não foram
realizados exatamente no carnaval. Quem conta é Molequinho, aquele
que fazia tudo desde o primeiro instante de fundação da escola:
“Preparamo-nos para a saída de Aleluia do ano de 1947 e
percorremos Madureira, Vaz Lobo e Irajá, tendo uma estrondosa
recepção por parte do povo. A partir daquele dia senti que meus
esforços tinham sido recompensados”.
Depois,
a escola participou de um desfile na passagem do ano de 1947 para
1948, na Praça Mauá. Aquele se transformou no primeiro desfile da
Império Serrano fora de seu local de origem.
E
isso só foi possível porque os instrumentos da bateria,
pertencentes à extinta escola Deixa Malhar, da qual Mano Elói foi
dirigente, foram doados por ele à nova escola.
O
primeiro desfile oficial foi com o enredo “Castro Alves”, em
1948. Como já havia um samba com esse nome, correspondendo ao
enredo, ele foi escolhido.
Molequinho,
coordenador da escola, entrou como parceiro. Mano Décio apanhou uma
carona e também aparece na parceira. Na verdade, o único compositor
foi Comprido.
A
vitória da Império Serrano, logo na estreia, ficou entalada na
garganta das grandes escolas, principalmente da Portela, que tinha
sido convidada para batizar a vizinha de Madureira.
Antes
mesmo do anúncio do resultado oficial, a Império resolveu visitar a
madrinha.
Foi
recebida friamente por um discurso de Alvaiade, que previa “em
futuro distante”, algum sucesso para os imperianos.
Anunciada
a vitória, a Portela assumiu a restrição e recusou-se a batizar a
Império.
Em
1949, em razão dos conflitos entre as escolas, realizaram-se dois
desfiles.
No
oficial, o da Federação Brasileira das Escolas de Samba, venceu a
Império Serrano, com o enredo “Exaltação a Tiradentes”,
samba-enredo de Mano Décio, Penteado e Estanislau Silva.
No
ano seguinte, de novo dois desfiles agora ambos oficiais.
No
da Federação, a Império Serrano voltou a ser campeã, com “Batalha
Naval do Riachuelo”, samba de Mano Décio, Penteado e Molequinho.
A
Mangueira ganhou o desfile da União Cívica das Escolas de Samba e a
Prazer da Serrinha fez sua última apresentação no desfile
não-oficial da União Geral das Escolas de Samba do Brasil.
A
Império volta à avenida em 1951 (ano em que Getúlio Vargas retoma
o poder pelo voto) com o enredo “Sessenta e Um Anos de República”,
samba assinado por Silas de Oliveira, getulista convicto. Conquista o
tetracampeonato, aumentando o desespero das rivais.
A
chance de enfrentar a Império foi dada à Mangueira e à Portela em
1952.
O
desfile foi unificado e todas elas iriam para a mesma pista. Na hora
do desfile da Império, um temporal desabou sobre o Rio de Janeiro,
expulsando os jurados, que não atribuíram notas.
Prejudicada,
a Império solicitou a anulação do desfile e conseguiu. Não houve
campeã no carnaval de 1952.
Com
Waldir Medeiros e João Fabrício, Silas de Oliveira compôs “O
Último Baile da Corte Imperial”, que se tornou conhecido como
“Ilha Fiscal”. Pela primeira vez a Império não é campeã.
Em
1953, ficou em segundo lugar, que viria a repetir-se ano seguinte,
quando desfilou com “O Guarani”, cujo samba-enredo foi novamente
de Silas de Oliveira, agora em parceria com João Fabrício e
Penteado.
A
Império Serrano voltaria a ser campeã em 1955, com “Exaltação a
Caxias” (Silas e Mano Décio), e em 1956, com “Esmeraldas”, da
mesma dupla.
Em
1960, ano em que foi campeã ao lado da Portela, Mangueira, Salgueiro
e Capela, a Império apresentou-se com “Medalhas e Brasões”,
também de Mano Décio e Silas.
Mano
Décio comporia “Rio dos Vice-Reis” (1962), com Aidno de Sá e
David do Pandeiro, e também o último samba-enredo de Silas exibido
pela Império, o clássico “Heróis da Liberdade”, em 1969, que
ainda teve Manoel Ferreira como parceiro.
Silas
fez, com D. Ivone Lara e Bacalhau, “Cinco Bailes Tradicionais na
História do Rio” (1965), e sozinho, “Pernambuco, Leão do Norte”
(1968).
O
final da parceria entre Mano Décio e Silas aconteceu paradoxalmente
em uma escola de samba de São Paulo.
No
mesmo ano de 1969, comporiam, também com a ajuda de Manoel Ferreira,
“Grito do Ipiranga”, para a Escola Império do Samba, que foi
campeã do carnaval de Santos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário