Djavan, um dos
fundadores do “Procure saber”
Em nota enviada ao jornal O Globo na semana passada, Djavan
apresentou ideias tão nebulosas quanto suas letras.
Ou não, poderia dizer, à sua maneira, Caetano Veloso, colega
de Djavan no Procure Saber, o movimento que, como dizem as colunas de notas dos
grandes jornais, reúne a nata da MPB.
A aparente confusão talvez apenas mascare
um apreço decidido pelo obscurantismo.
O assunto é a necessidade de os biografados (ou seus
herdeiros) autorizarem as biografias sobre si mesmos, algo previsto no Código
Civil e que os editores de livros estão tentando derrubar.
A nota começa assim: “A liberdade de expressão, sob qualquer
circunstância, precisa ser preservada. Ponto. No entanto…”
Se é “sob qualquer circunstância”, como pode haver “no
entanto”? O “ponto” de Djavan deveria ser de interrogação.
Continuando: “No entanto, sobre tais biografias, do modo
como é hoje, ela, a liberdade de expressão, corre o risco de acolher uma
injustiça, a (sic) medida em (sic) que privilegia o mercado em detrimento do
indivíduo; editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta
o ônus do sofrimento e da indignação”.
Djavan está convidado a citar um, apenas um biógrafo que
tenha ficado rico no Brasil escrevendo biografias valendo-se de expedientes
sensacionalistas. Basta um.
(O mais importante livro sobre um personagem da música
brasileira, Noel Rosa – Uma biografia,
ficou muitos anos impedido de circular por objeção da família. Alguém diria que
é um livro sensacionalista? E posso garantir, por conhecê-los, que os autores,
João Máximo e Carlos Didier, não enriqueceram.)
Em seguida, ele diz: “Nos países desenvolvidos, você pode
abrir um processo. No Brasil também, com uma enorme diferença: nós não somos um
país desenvolvido”.
Acertou em cheio. Se fôssemos um país desenvolvido, o juiz a
quem cabia decidir sobre a ação movida por Roberto Carlos contra seu biógrafo Paulo
Cesar de Araújo não teria pedido autógrafo ao Rei durante a sessão.
Se fôssemos um país desenvolvido, a editora que publicou o
livro não teria sido covarde e feito um acordo com o cantor – contra o seu
autor e seu próprio patrimônio.
Se fôssemos um país desenvolvido, Roberto Carlos não teria o
direito de receber todos os exemplares e dar a eles o destino que lhe aprouver,
inclusive queimá-los à maneira nazista.
Mais Djavan: “A sugestão de se estabelecer um percentual
oriundo desse produto destinado ao biografado me parece razoável, mesmo
acreditando que ninguém queira ver sua vida exposta publicamente de maneira
predatória por dinheiro”.
Ou seja, se rolar um 10%, os artistas podem pensar em fazer
negócio, ainda que não satisfeitos com as biografias.
É capaz de o “ônus do sofrimento e da indignação” render um
bônus. Mediante pagamento, a liberdade de expressão pode ser preservada.
Por fim: “Essa medida, de certo modo, desmotivaria a edição
desenfreada dessas biografias e nos lembraria a todos que ter direitos implica
ter deveres também”.
Mas, se esses livros rendem mesmo fortunas aos autores e
editores, o que custa pagar 10% ao biografado e ter o caminho livre? É jogo. E
o que ele chama de “edição desenfreada”? Que onda é essa que ele enxerga e que
não desagua nas livrarias?
Salvo Roberto Carlos, nenhum prócer do Procure Saber foi até
hoje alvo de uma biografia não autorizada. E, sim, ter direitos implica ter
deveres, mas não necessariamente o de ficar calado.
Todo esse zum de besouro seria esquecível se não estivesse
sendo propagandeado que a tal “nata da MPB” comunga das mesmas ideias.
Na reportagem da Folha de S. Paulo publicada no último
sábado, apenas a assessoria de Gilberto Gil confirmou o apoio.
Pois não foi Gil que, quando ministro da Cultura, queria
flexibilizar os direitos autorais em nome da democratização da música e da
circulação de informações?
Será que agora ele quer flexibilizar os direitos de
jornalistas e escritores para que só circulem informações que o satisfaçam?
Ao lado de Gil, Caetano Veloso foi preso pela ditadura
militar e exilado.
Sempre se orgulhou, com razão, de ser um libertário que
resolvia as pendengas na arena pública.
Será que agora vai se esconder sob as saias da empresária e
ex-mulher Paula Lavigne e se calar?
Ou vai, de fato, dizer que endossa as frases de Djavan?
Logo ele, tão cioso do bom português e que, se a memória não
falha, já se opôs à decisão de Roberto Carlos de proibir o livro de Paulo Cesar
de Araújo.
Quanto a Chico Buarque, possivelmente o mais censurado dos
compositores sob a ditadura, apenas se ele vier a público afirmar que apoia
essa causa é que isto será fato.
Por enquanto, só é possível crer que estão usando o nome
dele em vão.
Em artigo disponível na página do Procure Saber no Facebook,
Paula Lavigne escreve: “Longe do que vem sendo divulgado, a Associação Procure
Saber, entidade representativa dos artistas que buscam estudar, entender e
esclarecer assuntos de interesse da classe artística e da população em geral,
não defende a censura ou a diminuição da liberdade de informação e pensamento;
o que a Procure Saber deseja é apresentar uma alternativa que atenda aos
escritores mas não crie uma situação de exploração da obra e da vida alheia sem
a remuneração correspondente e sem que a vida privada e a intimidade do
biografado sejam violados”.
Mais uma vez, ressalta-se que é preciso pagar para escrever
o que se quer. E olha que quem “privilegia o mercado” são os autores e as
editoras…
Além do mais, quem vai delimitar o ponto exato onde acaba o
interesse público e começa a suposta invasão da vida privada? O juiz que pede
autógrafo ao cantor? O artista, separando o que quer e o que não quer que se
diga dele?
Em bom português – aquilo que inexiste no texto de Djavan –
os nomes disso são censura e obscurantismo.
Aproveitando, Paula Lavigne: deixe “a população em geral” em
paz.
Continue alimentando de notas as colunas de jornal e fazendo
seus negócios, mas não advogue em nome de quem não está pedindo.
E estude a possibilidade de contratar um bom jornalista para
redigir os textos do Procure Saber.
(*) Luiz Fernando
Vianna é coordenador de internet do IMS (InstitutoMoreiraSalles)
Um comentário:
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Caminhando um pouco pelo seus escritos!
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