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segunda-feira, setembro 04, 2017

Duas palavrinhas para o Serge


Por Rafael Galvão

O Serge postou um comentário sobre o lamentável histórico deste blog e em vez de comentar o comentário achei que ele merecia uma resposta mais elaborada. Obviamente, como qualquer post neste blog de um preguiçoso, isso fez com que ela demorasse muito mais para ser escrita do que devia. São os percalços da vida.

O comentário do Serge me lembrou de outros tempos, um período que era o auge não apenas deste blog, mas de toda a blogoseira. Os diarinhos, mais ou menos nos moldes de boa parte do Facebook de hoje, estavam dando lugar a abordagens mais complexas. 

Aos blogs do Hermenauta, do Alex, do Marcus, do Doni, do Idelber, do Milton, do Bia, do Ina, condomínios como o Verbeat, o Interney e O Pensador Solitário  um bocado de gente que tinha o que dizer e tentava fazê-lo de forma razoavelmente elaborada. 

Acho que ali se criou ao menos o embrião de uma comunidade heterogênea e eventualmente conflituosa, mas empolgante. Li muita gente boa ao longo daqueles anos; gente criativa, talentosa, engraçada e séria. Fiz alguns amigos para sempre. Mas, principalmente, ri muito.

Com o tempo, a maioria de nós cansou de escrever potoca e foi arranjar coisa melhor para fazer na vida. Virtualmente todos os blogs que compartilhavam o mesmo ecossistema deste desapareceram. A profissionalização da plataforma também fez com que a maior parte dos blogs se tornasse cada vez mais redundante.

O fato é que há um bocado de gente falando de coisas com mais propriedade do que eu  menos Beatles, claro, mas tem gente boa o suficiente para me fazer pensar duas vezes antes de escrever qualquer coisa sobre o assunto (o melhor blog do mundo sobre os Fab Four, a propósito, é este aqui: A Moral to This Song). Mas acho que esses tempos passaram, mesmo, porque as tecnologias mudaram. Twitter e Facebook suplantaram os blogs.

Isso não é uma confissão de ludismo; porque reclamar disso é como o dono de cinema que reclama da Netflix, e porque embora use hoje muito pouco, já houve um tempo em que eu estava quase viciado naquela miséria. Mas não dá para negar que o Facebook tornou os blogs obsoletos. Blogs como este aqui  essencialmente ensaísticos, sem escopo definido, basicamente conversa jogada fora, uma espécie de bar virtual  foram perdendo o sentido, até porque Facebook e Twitter são muito mais eficientes nesse aspecto.

É por isso que a maior parte daquelas pessoas que escreviam blogs pode ser encontrada hoje no Facebook; mas num fenômeno curioso, poucas, pouquíssimas escrevendo algo remotamente bom quanto seus blogs d’antanho.

Acho que funciona assim: o sujeito pensa em algo sobre o que gostaria de escrever. Nos tempos do blog ele escreveria um texto mais longo e mais pensado. Hoje ele simplesmente joga imediatamente no Facebook ou no Twitter uma ideia concisa, excessivamente simplificada do que gostaria de dizer. E daí não há mais motivo para escrever.

A impressão que tenho é que o que se escreve no Facebook são essencialmente comentários que buscam o simplismo, links para alguma coisa, autopromoção descarada, essas coisas. Parece haver uma busca pela frase definitiva, o aforismo “lacrador” que vai ser compartilhado mais vezes, o que por si só condiciona qualquer debate a pouco mais que uma batalha de slogans. 

Posts  hoje chamados “textões”, o que já indica a má vontade com que são vistos  nem são raros, mas sofrem de um mal inevitável: estão soterrados em uma imensidão de outros textões e textinhos. Não têm a dignidade que sua posição de destaque em um blog lhe dava. Mais que isso, o grande problema é que ao mesmo tempo outras 10, 20 pessoas estão escrevendo essencialmente a mesma coisa, com maior ou menor grau de raiva.

Eu não tenho muitas dúvidas de que o Facebook é um dos responsáveis pelo estado psicológico atual do mundo, pelo aumento da ansiedade, da irritação, da intolerância: para o bem ou para o mal, uma certa hierarquia de vozes se perdeu, e o resultado, ao menos por enquanto, é um mal-estar generalizado, um recrudescimento de confrontos que eram apenas latentes ou estavam disfarçados.

Mas o pior, mesmo, é que ele acabou com os blogs.

Este blog mesmo “acabou” em 2010, e não pode culpar as redes sociais; tinha virado uma obrigação que passava a me incomodar, porque já não fazia tanto sentido. O fato de saber que há leitores exerce uma influência que pode ser positiva ou deletéria, porque por mais que a gente negue isso lhe obriga a escrever, de certa forma, e é positiva quando você está com vontade e deletéria quando o saco está cheio. 

Além disso, depois de quase dois mil posts é meio difícil achar algo que lhe interesse e que você não tenha escrito. Os comentários razoavelmente despretensiosos sobre quaisquer bobagens que eu fazia aqui no começo começaram a parecer insuficientes, à medida que gente que se levava mais a sério, com mais gana, começou a escrever o que eu teria escrito.

Finalmente, a “facebookização” do debate, o crescimento do processo de “guetização” impulsionado pela ascensão desses movimentos identitários de todos os tipos, quase invariavelmente infantilizados, ajuda.

Dia desses teve uma passeata da mulher negra. Uma moça disse que, se você não fosse negra, que ficasse em casa. Tem discussão possível nesse caso? Eu não tenho tempo nem estômago para esse tipo de debate. Na verdade, não tenho mais para quase nenhum, nem os bons. Os tempos em que eu me divertia com as pseudo-feministas passaram.

Mas a verdade é que, depois de tantos anos, ele tinha passado a ser parte da minha vida; por isso voltei, mas sem a obrigação que eu mesmo me impunha. E ele vai ficar por aqui para sempre, acho (ou pelo menos até eu morrer, se é que vou morrer um dia, e deixar de reservar o domínio); às vezes com um texto, às vezes não.

Não acho que precise de mais que isso. Ele já está vivendo em um tempo emprestado, mas que bom; a este blog, que me deu alegrias, raivas e amigos, basta apenas continuar existindo. Não porque é ou deixa de ser lido: mas porque é parte indissociável de minha história.

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