Por Rafael Galvão
O Serge postou um comentário sobre o lamentável histórico
deste blog e em vez de comentar o comentário achei que ele merecia uma resposta
mais elaborada. Obviamente, como qualquer post neste blog de um preguiçoso,
isso fez com que ela demorasse muito mais para ser escrita do que devia. São os
percalços da vida.
O comentário do Serge me lembrou de outros tempos, um
período que era o auge não apenas deste blog, mas de toda a blogoseira. Os
diarinhos, mais ou menos nos moldes de boa parte do Facebook de hoje, estavam
dando lugar a abordagens mais complexas.
Aos blogs do Hermenauta, do Alex, do
Marcus, do Doni, do Idelber, do Milton, do Bia, do Ina, condomínios como o
Verbeat, o Interney e O Pensador Solitário – um bocado de gente que tinha o que
dizer e tentava fazê-lo de forma razoavelmente elaborada.
Acho que ali se criou
ao menos o embrião de uma comunidade heterogênea e eventualmente conflituosa,
mas empolgante. Li muita gente boa ao longo daqueles anos; gente criativa,
talentosa, engraçada e séria. Fiz alguns amigos para sempre. Mas,
principalmente, ri muito.
Com o tempo, a maioria de nós cansou de escrever potoca e
foi arranjar coisa melhor para fazer na vida. Virtualmente todos os blogs que
compartilhavam o mesmo ecossistema deste desapareceram. A profissionalização da
plataforma também fez com que a maior parte dos blogs se tornasse cada vez mais
redundante.
O fato é que há um bocado de gente falando de coisas com
mais propriedade do que eu – menos Beatles, claro, mas tem gente boa o
suficiente para me fazer pensar duas vezes antes de escrever qualquer coisa
sobre o assunto (o melhor blog do mundo sobre os Fab Four, a propósito, é este
aqui: A Moral to This Song). Mas acho que esses tempos passaram, mesmo, porque
as tecnologias mudaram. Twitter e Facebook suplantaram os blogs.
Isso não é uma confissão de ludismo; porque reclamar disso é
como o dono de cinema que reclama da Netflix, e porque embora use hoje muito
pouco, já houve um tempo em que eu estava quase viciado naquela miséria. Mas
não dá para negar que o Facebook tornou os blogs obsoletos. Blogs como este
aqui – essencialmente ensaísticos, sem escopo definido, basicamente conversa
jogada fora, uma espécie de bar virtual – foram perdendo o sentido, até porque
Facebook e Twitter são muito mais eficientes nesse aspecto.
É por isso que a maior parte daquelas pessoas que escreviam
blogs pode ser encontrada hoje no Facebook; mas num fenômeno curioso, poucas,
pouquíssimas escrevendo algo remotamente bom quanto seus blogs d’antanho.
Acho que funciona assim: o sujeito pensa em algo sobre o que
gostaria de escrever. Nos tempos do blog ele escreveria um texto mais longo e
mais pensado. Hoje ele simplesmente joga imediatamente no Facebook ou no
Twitter uma ideia concisa, excessivamente simplificada do que gostaria de
dizer. E daí não há mais motivo para escrever.
A impressão que tenho é que o que se escreve no Facebook são
essencialmente comentários que buscam o simplismo, links para alguma coisa,
autopromoção descarada, essas coisas. Parece haver uma busca pela frase
definitiva, o aforismo “lacrador” que vai ser compartilhado mais vezes, o que
por si só condiciona qualquer debate a pouco mais que uma batalha de slogans.
Posts – hoje chamados “textões”, o que já indica a má vontade com que são
vistos – nem são raros, mas sofrem de um mal inevitável: estão soterrados em
uma imensidão de outros textões e textinhos. Não têm a dignidade que sua
posição de destaque em um blog lhe dava. Mais que isso, o grande problema é que
ao mesmo tempo outras 10, 20 pessoas estão escrevendo essencialmente a mesma
coisa, com maior ou menor grau de raiva.
Eu não tenho muitas dúvidas de que o Facebook é um dos
responsáveis pelo estado psicológico atual do mundo, pelo aumento da ansiedade,
da irritação, da intolerância: para o bem ou para o mal, uma certa hierarquia
de vozes se perdeu, e o resultado, ao menos por enquanto, é um mal-estar
generalizado, um recrudescimento de confrontos que eram apenas latentes ou
estavam disfarçados.
Mas o pior, mesmo, é que ele acabou com os blogs.
Este blog mesmo “acabou” em 2010, e não pode culpar as redes
sociais; tinha virado uma obrigação que passava a me incomodar, porque já não
fazia tanto sentido. O fato de saber que há leitores exerce uma influência que
pode ser positiva ou deletéria, porque por mais que a gente negue isso lhe
obriga a escrever, de certa forma, e é positiva quando você está com vontade e
deletéria quando o saco está cheio.
Além disso, depois de quase dois mil posts
é meio difícil achar algo que lhe interesse e que você não tenha escrito. Os
comentários razoavelmente despretensiosos sobre quaisquer bobagens que eu fazia
aqui no começo começaram a parecer insuficientes, à medida que gente que se
levava mais a sério, com mais gana, começou a escrever o que eu teria escrito.
Finalmente, a “facebookização” do debate, o crescimento do
processo de “guetização” impulsionado pela ascensão desses movimentos
identitários de todos os tipos, quase invariavelmente infantilizados, ajuda.
Dia desses teve uma passeata da mulher negra. Uma moça disse que, se você não fosse negra, que ficasse em casa. Tem discussão possível nesse caso? Eu não tenho tempo nem estômago para esse tipo de debate. Na verdade, não tenho mais para quase nenhum, nem os bons. Os tempos em que eu me divertia com as pseudo-feministas passaram.
Dia desses teve uma passeata da mulher negra. Uma moça disse que, se você não fosse negra, que ficasse em casa. Tem discussão possível nesse caso? Eu não tenho tempo nem estômago para esse tipo de debate. Na verdade, não tenho mais para quase nenhum, nem os bons. Os tempos em que eu me divertia com as pseudo-feministas passaram.
Mas a verdade é que, depois de tantos anos, ele tinha
passado a ser parte da minha vida; por isso voltei, mas sem a obrigação que eu
mesmo me impunha. E ele vai ficar por aqui para sempre, acho (ou pelo menos até
eu morrer, se é que vou morrer um dia, e deixar de reservar o domínio); às
vezes com um texto, às vezes não.
Não acho que precise de mais que isso. Ele já
está vivendo em um tempo emprestado, mas que bom; a este blog, que me deu
alegrias, raivas e amigos, basta apenas continuar existindo. Não porque é ou
deixa de ser lido: mas porque é parte indissociável de minha história.
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