Por Joaquim Ferreira dos Santos
A estudante perguntou como era essa coisa de escrever. Eu
fiz o gênero fofo. Moleza, disse. Primeiro, evite estes coloquialismos de
“fofo” e “moleza”, passe longe das gírias ainda não dicionarizadas e de tudo
mais que soe mais falado do que escrito. Isto aqui não é rádio FM.
De vez em quando, para não acharem que você mora trancado
com o Domingos Paschoal Cegalla ou outro gramático de chicote, aplique uma
gíria como se fosse um piparote de leve no cangote do texto, mas, em geral,
evite. Fuja dessas rimas bobinhas, desses motes sonoros. O leitor pode se achar
diante de um rapper frustrado e dar cambalhotas. Mas, atenção, se soar muito
escrito, reescreva.
Quando quiser aplicar um “mas”, tome fôlego, ligue para o
0800 do Instituto Fernando Pessoa, peça autorização ao bispo de plantão e, por
favor, volte atrás. É um cacoete facilitador.
Dele deve ter vindo a expressão “cheio de mas-mas”, ou seja,
uma pessoa cheia de “não é bem assim”, uma chata que usa o truque de afirmar e
depois, como se fosse estilo, obtemperar.
Não tergiverse, não diga palavras complicadas, não escreva
nas entrelinhas. Seja acima de tudo afirmativo, reto no assunto. Nada de passar
páginas descrevendo o clima da estação, esse aborrecimento suportável apenas
quando vemos as curvas da Garota do Tempo recortadas contra o chroma-key do
“Jornal Nacional”.
Abaixo o prólogo com a lente aberta, nada daquelas
observações sensíveis sobre a paisagem e, a não ser que você seja o Dashiell
Hammett ou o Raymond Chandler, esqueça o queixo quadrado do bandido ou a
descrição pormenorizada dos personagens. Corte o que for possível. Depois dê
uma de Raymond Carver e, nem aí para os pruridos da vaidade, mande o resto para
o editor acabar de cortar.
Sempre cabe uma linha a menos no texto, é o efeito Rexona
aplicado na axila gramatical. Evite essas metáforas complicadas, passe por cima
de expressões como “em geral”, como está no primeiro parágrafo, pois elas têm a
mesma função-paralelepípedo dos parênteses, dos travessões. Chute para fora da
página tudo mais que faça as pessoas tropeçarem na leitura ou darem aquela ré
em busca do verdadeiro sentido da frase que passou.
Deixe tudo em pratos limpos, sem tamanho lugar-comum. Ouça a
voz do flanelinha semântico gritando a chave para o bom texto. “Deixa solto,
doutor.”
É mais ou menos por aí, eu disse para a menina que me
perguntou como é essa coisa de escrever.
Para sinalizar o trânsito das ideias, use apenas o ponto e a
vírgula, nunca juntos. Faça com que o primeiro chegue logo, e a outra apareça o
mínimo possível. Vista Hemingway, só frases curtas. Ouça João Cabral, nada de
perfumar a rosa com adjetivos.
Mergulhe Rubem Braga, palavras, de preferência com até três
sílabas. “Pormenorizada”, vista acima, é palavrão absoluto. Dispense, sem
pormenores.
O texto deve correr sem obstáculos, interjeições, dois
pontos, reticências e sinais que só confundem o passageiro que quer chegar logo
ao ponto final. Cuidado com o “que quer” da frase anterior, pois da plateia um
gaiato pode ecoar um “quequerequé” e estará coberto de razão. A propósito, eu
disse para a menina, perca a razão quando lhe aparecer um clichê desses pela
frente.
Você já se livrou do “mas”, agora vai cuidar do “que” e em
breve ficará livre da tentação de sofisticar o texto com uma expressão
estrangeira. É out. Escreva em português. Aproveite e diga ao diagramador para
colocar o título da matéria na horizontal e não de cabeça para baixo, como está
na moda, como se estivesse num jornal japonês.
Pode-se escrever baixinho, como faz o Verissimo, que ouviu
muito Mario Reis para chegar àquela perfeição de texto de câmara. Outra opção é
desabafar pelos cinco mil alto-falantes o que lhe vai na pena da alma, como faz
o Xico Sá, que aprendeu a escrever com o Waldick Soriano.
Escreva com a sonoridade que lhe aprouver, nunca com cacófatos
assim ou verbos que façam o leitor perguntar para o vizinho do lado que
maluquice é essa de “aprouver”. Fuja da voz passiva, da forma negativa, do
gerundismo e principalmente da voz dos outros. Se falo fino, se falo grosso,
ninguém tem nada com isso. O orgulho do próprio “falo”, e fazê-lo firme e com
charme, é uma das chaves do ofício.
De vez em quando, abra um parágrafo para o leitor respirar.
Alguns deles têm a mania de pegar o bonde no meio do caminho e, com mais
parágrafos abertos, mais possibilidades de ele embarcar na viagem que o texto
oferece. Escrever é dar carona.
Eu disse isso e outro tanto do mesmo para a menina. Jamais
afirmei, jamais expliquei, jamais contei ou usei qualquer outro verbo de
carregação da frase que não fosse o dizer. Evitei também qualquer advérbio em
seguida, como “enfaticamente”, “seriamente” ou “bemhumoradamente”.
Antes do ponto final, eu disse para a menina que tantas
regras, e outras a serem ditas num próximo encontro, serviam apenas de lençol.
Elas forram o texto, deixam tudo limpo e dão conforto. Escrever é desarrumar a
cama.
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