Por Fernando Gabeira
Tenho discretas razões para supor que Temer compreenderá o
equívoco de abrir para a mineração, na Amazônia, uma área do tamanho da
Dinamarca. No passado, ele se tornou dono de terras em Alto Paraíso, e a
comunidade que trabalhava há anos ali foi a Brasília pedir ajuda. Terras em
Goiás foram distribuídas a políticos do PMDB. Temer nem sabia exatamente como
eram e o que produziam. Pressionado pelos agricultores alternativos que
trabalhavam ali, Temer resolveu abrir mão de suas terras e as doou à cidade de
Alto Paraíso.
Agora, não se trata apenas de alguns, mas de 47 mil
hectares. As terras não são de Temer, mas do Brasil e, de uma forma indireta,
de toda a Humanidade. Quando os militares criaram a reserva, a ideia era pesquisar
e explorar os recursos de uma forma estratégica. Não creio que pensaram nisso
como um momentâneo desafogo a uma crise econômica provocada pela incompetência
e corrupção.
Não quero raciocinar em termos de estatal ou privado, ou
mesmo de nacional ou estrangeiro. Depois que os militares criaram a reserva,
muita água passou por baixo da ponte, ou mesmo por cima, com os eventos
climáticos extremos.
No fim da década dos 1980, o Brasil ainda era um vilão
internacional porque desmatava a Amazônia. Lembro-me de uma reunião de cúpula
na Holanda em que Sarney não foi porque tinha medo de uma reação negativa. Na
época, além das queimadas e de outros fatores, houve ainda o episódio de
negarem passaporte a Juruna.
Com a realização da Rio-92, o maior encontro de estadistas
no pós-guerra, o papel do Brasil começou a se alterar. De vilão ambiental,
tornou-se um interlocutor importante e passou a ser visto como ator decisivo
nos acordos sobre o aquecimento global.
A Amazônia tornou-se para o mundo um espaço a ser preservado,
respeitada a autonomia nacional sobre suas terras. Países como a Noruega
acharam que se a Amazônia era importante para a sobrevivência de todos,
deveriam investir nela em projetos sustentáveis. E fizeram isso.
Você mesmo esteve na Noruega, embora a tenha confundido com
a Suécia.
A grande crise iniciada em 2008 e fatos posteriores, como a
eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, enfraqueceram mas não destruíram a
disposição planetária de contribuir com a Amazônia.
Sua decisão coloca em risco grande parte do trabalho feito
por todos nós para recolocar o Brasil no âmbito dos países comprometidos com a
preservação do planeta. E de uma certa maneira, despreza os potenciais
investimentos em projetos sustentáveis em nome de uma saída que me parece anacrônica
e predatória.
Tudo bem, Temer, você dirá que serão respeitadas as regras
ambientais para a mineração. Mas quem percorre Minas Gerais e outros pontos do
país constata rapidamente que elas não são respeitadas no Sudeste onde,
teoricamente, concentra-se o grosso da fiscalização.
No segundo decreto, você criou um comitê ligado à chefia da
Casa Civil para monitorar as atividades de mineração nessa faixa que engloba
parte do Amapá e do Pará. Não consigo me convencer disso. O chefe da Civil,
Eliseu Padilha, é investigado por crimes ambientais no Mato Grosso e no Rio
Grande do Sul. E as acusações são amplas, vão de desmatamento a construção de
pistas de pouso clandestinas. Pouca gente sabe disso. Mas está disponível na
internet e no próprio Supremo.
Além de arruinar o trabalho de construção da imagem
nacional, o governo nos propõe uma fórmula de controle na qual a raposa toma
conta do galinheiro. O namoro do PMDB com as riquezas naturais da Amazônia vem
de longe. Romero Jucá é o mais destacado parlamentar buscando fórmulas para
regulamentar a mineração nas terras indígenas.
Nesse momento, Temer, você está cedendo às piores
influências no manejo da Amazônia. Se fosse simplesmente um opositor, talvez
pudesse me alegrar com essa decisão. Antes de ser opositor, sou brasileiro e
lamento ver o Brasil caindo de novo naquele desprezo internacional que sentimos
em Haia, no fim da década de 1980. É uma ilusão você pensar que tudo dará
certo. Até mesmo Padilha e Jucá, que devem estar comemorando, não percebem que
estão atraindo um furacão contra eles. Deveriam ser mais discretos, mas a aposta
é de levar tudo porque aqui não se pune ninguém.
No momento em que publico este artigo, estou tentando entrar
na reserva, que não tem acesso fácil. O argumento de que garimpeiros
clandestinos estão por lá não justifica esta abertura às grandes empresas.
Aliás, Temer, existe uma possibilidade de você estar se deixando execrar
inutilmente. As empresas que você quer atrair também estão no mundo e devem
sofrer pesadas campanhas em seus países de origem.
Não me importa que você confunda Noruega com Suécia,
Paraguai com Portugal, ou mesmo reviva a União Soviética. O essencial é não
confundir a Amazônia com Goiás, onde tantas terras foram passadas a líderes do
PMDB. É um lugar tão complexo, capaz de sepultar não apenas os sonhos pioneiros
como o de Henry Ford, mas também as grandes trapaças.
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