Por José Ribamar Bessa Freire
Thiago de Mello, aos 92 anos, não verá nesta segunda (5/11),
o crepúsculo deslumbrante no bairro de Educandos, em Manaus, que ele tanto
apreciava em sua infância. Aquela cor amarelo-dourada de ventre de pacu
irradiada pelo sol em fuga, ali na Baixa da Égua, dura um instante fugaz do
cair da tarde. E já será noite, quando o poeta da floresta for homenageado às
19 horas pelo projeto “Amazônia das Palavras”, no início da expedição literária
que navegará 1.300 km pelos rios Negro, Amazonas e Madeira e iluminará oito
cidades, semeando em cada uma delas o prazer da literatura e do ato de ler e de
narrar.
Da expedição fazem parte escritores e artistas. Cada noite,
moradores dessas cidades assistirão duas sessões culturais. Primeiro, um
espetáculo de circo – “Cloro, o Palhaço engolidor de letras” - encenado pelo
ator argentino Diego Gamarra, que apresenta sua mala carregada de livros e
histórias no universo mágico da literatura. Depois, a aula-espetáculo “Catando
piolhos, contando histórias: minhas memórias da Amazônia”, ministrada em Manaus
e Itacoatiara pelo premiado escritor indígena Daniel Munduruku, doutor em
educação pela USP e autor de 52 livros.
As oficinas
Coordenado por Fernanda Kopanakis, doutora em Planejamento
Urbano e Regional (UFRJ) e pelo cineasta e produtor cultural José Jurandir da
Costa, ambos da Associação Mapinguari, “Amazônia das palavras” realizará
durante o dia, em diferentes escolas, cinco oficinas literárias:
1) Contação de
Histórias Indígenas ministrada por este locutor que vos fala, responsável
ainda pela aula-espetáculo nas seis cidades do rio Madeira;
2) Produção de Contos
com o escritor José Roberto Torero, formado em jornalismo e cinema pela USP,
vencedor do prêmio Jabuti na categoria romance, autor de 38 livros, de peças de
teatro e de roteiros para cinema e tv.
3) Sons do Cotidiano
realizada por Bira Lourenço, percussionista de Porto Velho (RO), licenciado em
Música pela UFRGS, professor de percussão em projetos destinados a egressos do
sistema penal e a alunos de escolas públicas portadores de necessidades
educacionais especiais. Ele pesquisa as possibilidades melódicas da água e de
instrumentos e objetos de barro no campo da dramaturgia sonora.
4) Poesia: Narrativa
e Escuta com Elizeu Braga, poeta, ator e artista visual, que executou vários
projetos, entre os quais oficinas intituladas “A Poesia como intromissão” e o
projeto de extensão “Em defesa do patrimônio cultural dos ribeirinhos” da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
5) Animação: Palavra
Animada executada por Leo Ribeiro, doutorando em Design na PUC/Rio, diretor
e produtor de curtas-metragens de animação exibidos em festivais, mostras de
cinema e canais de televisão, além de executor do Projeto “A escola vai ao
cinema”, uma parceria entre o SESC Nacional e Anima Mundi.
As oficinas literárias destinadas a alunos da rede pública
de ensino não pretendem ser fábricas de escritores, cineastas e músicos, mas um
lugar de criação e de troca de ideias. Sua coordenadora pedagógica, Josélia
Gomes Neves, doutora em Educação Escolar, professora da UNIR e de vários cursos
de formação de professores indígenas, incluindo o Projeto Açaí, desenvolve
projetos de extensão com os índios e uma linha de pesquisa sobre currículo,
alfabetização, cultura escrita e oralidade.
Da equipe de “Amazônia das Palavras” fazem parte ainda
cineastas e documentaristas, que entrevistarão moradores e personagens de cada
cidade visitada, desenvolvendo o projeto especial “Imagens da Memória” que será
coordenado pela professora Bete Bullara, formada em cinema pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Ela já realizou para o SESC Nacional mais de 60
oficinas com professores e jovens em 16 estados brasileiros, para as quais
preparou material didático, assim como ministrou curso para professores no Festival
Nueva Mirada, em Buenos Aires.
Os depoimentos de moradores, alunos, escritores, educadores
serão editados para um média metragem que registrará a viagem literária pelos
rios das Amazônia e documentará a poesia, as histórias, os causos, o humor, as
imagens e os sons expressos na rica variedade dialetal do rio Madeira. Trata-se
de contribuir para modificar a situação na qual 54% dos alfabetizados no Brasil
não leem romances, contos ou poesia, segundo levantamento em 2016 do Instituto
Pró-Livro.
Cabaças, pedras, panelas, bacias e outros utensílios
servirão de instrumentos musicais para produzir sons, ritmos e timbres do
cotidiano ribeirinho no ato de contar histórias, explorando o imaginário e a
memória auditiva que inclui o vento, o assovio, as vozes dos animais, o
murmúrio das folhas e outras manifestações do universo físico da Amazônia. Vale
tudo para estimular a comunidade escolar a trabalhar a produção de textos
ficcionais curtos. “Escrevi um conto e te contei, Agora é você quem conta um
conto” será o convite de uma das oficinas que estimulará as narrativas orais
dos estudantes.
O projeto Amazônia das palavras vai deixar ainda em cada
cidade mudas de pau brasil com uma mensagem em defesa da floresta, estimulando
o “pensamento crítico e a capacidade para uma cultura emancipadora de igualdade
e responsabilidade sociais, com um olhar ambiental equilibrado e uma visão
política ética”. As prefeituras de cada cidade estão apoiando as atividades que
contam com o patrocínio do Ministério da Cultura e do BNDES. Faz escuro, mas a
gente canta. “Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar”.
P.S. – A homenagem a Thiago de Mello acontece no auditório
do Centro Estadual de Tempo Integral Gilberto Mestrinho (CETI) no bairro de
Educandos, quando lhe será ofertado o projeto conceitual do “Memória Esperança
Thiago de Mello”, criado pelo artista multimída Rudney Prado e pela arquiteta
Letizia Espósito.
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