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sábado, junho 06, 2009

Lembranças do inesquecível Colégio Batista Ida Nelson


Eu e Simas, durante minha formatura no colégio, em dezembro de 1970

Quando conclui o quarto ano primário no grupo escolar Getúlio Vargas, tinha duas opções: fazia o quinto ano primário no grupo e continuava os estudos no colégio estadual Márcio Nery, que funcionava ao lado, ou fazia o exame de admissão para o colégio batista Ida Nelson, onde já estudavam minhas duas irmãs mais velhas, Silene e Simone.

Fiz o exame de admissão e passei, encurtando em um ano a diferença escolar que me separava delas – que eram dois e três anos, respectivamente, mais velhas do que eu. Assim, aos 10 anos de idade, eu já estava começando o ginásio. Como nunca fui reprovado, aos 17 anos já cursava Licenciatura em Física na UEA, que depois tranquei para estudar Engenharia Operacional em Eletrônica, na UTAM.

Por ter sido sempre o menor da turma – exceto a partir do terceiro ano de Eletrotécnica na ETFA –, eu era sempre alvo de gozações. Tirava as “baixarias” de letra me esforçando para ser o melhor aluno da classe. Mas nunca fui um “cdf”. Pelo contrário: onde houvesse putaria, eu estava presente. Mais tarde, já adulto, transformei todas aquelas infâmias recebidas em matéria prima do meu espírito libertário.

Minha grande amiga, nos primeiros dois anos, era a Margarida Doyle, uma gringa desengonçada, mas muito bonita e culta, filha de missionários batistas, que hoje mora no Texas. Bom, pela diferença de altura (eu era um tampinha, de 1,40 cm, ela, uma gigante, de 1,75 cm) não dava mesmo pra gente namorar, mas eu bem que poderia ter aproveitado a oportunidade para aprender inglês, já que ela dominava o português como poucos e me dedicava uma atenção quase maternal.

No futebol society, disputado no campo gramado do colégio, apesar de ser pequeno – ou por isso mesmo – eu também me destacava. Cheguei a ser campeão e vice-artilheiro de um campeonato interno extra-classe, quando estava na terceira série, jogando ao lado de Waldemir (quarta série), Jalves (segunda série), Betão (primeira série) e outros que a memória não alcança. (malte escocês é uma desgraça para embaralhar as lembranças e dar “brancos” na memória)

Mas já que falei em memória, relembro de uma foto histórica tirada em junho de 1970, que deve estar perdida em algum mocó daqui de casa. Estamos lá, eu, Luiz Augusto, Luiz Carlos e Alfredo Vieira, devidamente fantasiados a caráter, na festa “caipira” do Ida Nelson. Eu continuo sendo o menor de todos (1,48 cm, 42 kg, o que hoje é desmoralizante para qualquer sujeito com 14 anos), mas ainda assim meio marrento por estar cursando o quarto ano ginasial.

Nesse dia, pegando “corda” de Luiz Augusto e Alfredo, coloquei o Simas (que ainda ia fazer nove anos) para brigar com o Zé Carlos (de onze anos), irmão do Luiz Carlos. Apesar de ser bem menor que seu adversário, o meu pitbull de estimação – apelidado de “Alemão”, porque ainda era louro – não decepcionou. Os pescoções, safanões e rasteiras que ele levava de mim quando eu estava de mau humor serviram para alguma coisa.

Os dois pivetes passaram uns três minutos se estudando. Aí, com uma esquiva digna de Cassius Clay, Simas se livrou de um murro que passou a milímetros do seu queixo, deu uma “baiana” no Zé Carlos, montou no sujeito, imobilizou seus braços com os joelhos e passou a esmurrá-lo na cara com uma fúria quase homicida.

Se o Luiz Augusto não o tivesse tirado de cima do Zé Carlos, ele teria morto o moleque. O instinto assassino que, depois de adulto, transformaria o Simas em um sujeito destemido, capaz de fazer o Chuck Norris lavar as mãos antes de comer, deve ter aflorado nesse dia. Sim, tenho um pouco de culpa no cartório.

Eu, Alfredo, Luiz Augusto e Luiz Carlos éramos os sobreviventes de uma saga que havia começado quatro anos atrás. Muitos dos colegas do 1º ano ginasial haviam ficado pelo caminho: os irmãos Frederico e Álvaro Pontes, José Matozinho, Regilson, Dario Pereira, Augusto Barbosa, Paulo César, Gustavo, Marco Antônio, Bebeto. Dos 50 estudantes iniciais, nossa turma fora reduzida a cerca de 20 porque o sistema era rigoroso. Bastava ser reprovado em uma única matéria na 2ª época para o sujeito repetir de ano. Sobrevivemos.

Só não estava na foto o Roberto Grimberg, um chileno de pavio curto, vindo transferido de Arica no ano anterior, cujos pais eram donos da Fantex, uma loja especializada em vender roupas usadas importadas dos EUA, que, desconfio, eram doadas pelo Exército da Salvação para serem entregues às famílias carentes do Terceiro Mundo. Por conta disso, a loja era ostensivamente desprezada pelos demais comerciantes da cidade. Hoje, seria um brechó de respeito (quando esteve em Manaus, no início dos anos 70, Caetano Veloso gastou os tubos na loja).

Luiz Augusto, o “Careca”, era filho adotivo dos médicos Theomário e Dulce Costa. Só vim saber que ele não era irmão de sangue da Telma (hoje, casada com o empresário Djalma Castelo Branco) uns 200 anos depois. Na época, eu jurava que eles eram irmãos (na verdade, são primos).

Seu outro primo, também apelidado de “Careca”, era um dos melhores dançarinos de Manaus e um dos tops DJs da Boate dos Ingleses. Encontro ele nas baladas de vez em quando. Continua um puta dançarino. Também deve continuar sendo bom nas carrapetas. Luiz Augusto é gerente de um banco.

Luiz Carlos, o “Lacrau”, era filho de um amigo de meu pai na Copam (hoje Reman). Ele namorou com a jornalista Monica Maia, ex-mulher do meu saudoso mano Sebastião Reis, que na época era uma pivete de 13 anos e sonhava em ser jogadora profissional de vôlei.

Luiz Carlos não chegou a ver a pequena Mônica se transformar em um mulherão (hoje, ela está casada com o jornalista Carlos Honorato e mora em Brasília). Ele morreu precocemente, alguns anos depois de a gente se formar no ginasial, quando levava seu irmão, o já citado Zé Carlos, para se alistar no Exército e um ônibus em alta velocidade atropelou sua motocicleta. Tenho muitas saudades dele.

Alfredo Vieira era filho do “seo” Arthunilson, o primeiro comerciante a ter uma rede de supermercados na cidade (“A Colossensse”), e também era o sujeito mais paquerado do colégio por conta de seus românticos olhos azuis. A gatinha Débora Benchimol, então no auge de sua beleza física e espiritual, só faltou cortar os pulsos para namorar com ele. O vagabundo resistiu.

Uma de suas irmãs, Arthunilza, que estudava com a Silene, é casada com o pastor João Chrysostomo de Oliveira Junior, da Igreja Presbiteriana. Seu irmão mais velho, Arthunilson, que estudava com a Simone, foi casado com a Sulamita Farias, que além de estudar comigo também era uma das mais belas fêmeas da Cachoeirinha. Alfredo, que não vejo há mais de 30 anos, se transformou em um próspero empresário do ramo atacadista em Porto Velho (RO).


Pastor Junior e Arthunilza, com os filhos Samuel (casado com Andréa), Josué (casado com Adrianne), Cristiane e as netas Laísa e Bruna

Foi um tempo divertido. Luiz Augusto era o líder da turma. Quando ele entrava na sala dançando meio invocado (era freqüentador assíduo da Boate dos Ingleses) e cantando a pleno pulmões “I woke up this morning baby / I had you on my mind / I woke up this morning baby / You know that I felt so fine / You know I need you / You know that I love you / This is my pledge of love to / My pledge of love / My pledge of love / Darling, darling, darling to you / Yeah, to you, yeah”, não havia quem não se acabasse de rir.

Ele também tinha uma habilidade fora do comum para rabiscar, em questões de segundos, caralhos gigantescos em qualquer caderno que estivesse dando sopa em cima das carteiras. Por conta de uma dessas presepadas (ele desenhou uma série infinita de caralhos de todos os tipos em cada uma das páginas em branco de um caderno de seis matérias da Margareth, que passou o resto da aula chorando), nós, os machos, fomos obrigados a passar o segundo semestre inteiro escrevendo em um caderno 1.500 vezes a frase “Devo ser educado”, durante o horário do recreio, confinados no salão nobre do colégio.

Para evitar fraudes, a diretora, Dona Yvone Carvalho, assinava as dez páginas em branco do caderno, onde devíamos escrever o “castigo”. Com uma semana, Luiz Augusto aprendeu a falsificar a assinatura da diretora. Aí, virou graça. A gente pegava o autógrafo dela nas páginas em branco e, depois, entregava um caderno já escrito de casa com os autógrafos do “Careca”. Ela nunca percebeu o truque.

Se dei uma guinada definitiva pra esquerda ao longo da vida, dêem graças ao Alfredo e ao Luiz Augusto. Oriundos de famílias ricas, eles nunca precisaram pegar ônibus. Os motoristas das famílias vinham os apanhar na frente do colégio em automóveis confortáveis. Como o Luiz Carlos morava em São Francisco, a cinco quadras do colégio, ele ia pra casa a pé.

A exemplo do Luiz Carlos (nossos pais eram operários da Copam), eu também era pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré, e tinha de ir a pé do Ida Nelson até minha casa, no canto da Parintins com a Borba, na Cachoeirinha, a dez quarteirões de distância (uns 2 km, acho). Hoje, acho uma moleza, mas na época, era uma pedreira. Fora agüentar os ônibus passarem cheio de estudantes do colégio e, raivosamente, eles se aproximarem das janelas para me xingar de “liso”, “otário”, “goiabão”, porque eu ia a pé.

Um determinado dia, Luiz Augusto e Alfredo dispensaram os carros da família e me levaram para um bar na frente de onde hoje é o Posto Saci. Pediram guaraná e biscoitos. Confesso que eu me fartei como nunca havia feito. Na seqüência, fizeram parada para um ônibus, dizendo que iam pagar minha passagem. Fui o primeiro a entrar. De repente, eles bateram na traseira do ônibus (sinal típico pro coletivo ir embora), o motorista trancou a porta e arrancou.

Fiquei preso numa câmara de terror. Havia umas cinco meninas da minha classe na parte traseira do ônibus, antes do cobrador. Eu praticamente implorei de joelhos, para que uma delas me emprestasse o dinheiro da passagem. Todas, inevitavelmente, falaram que o dinheiro estava contado. Entrei em desespero. Quase chorando de vergonha, expliquei a situação para o cobrador. Ele foi generoso.

Na parada seguinte, em frente ao Getúlio Vargas, no canto com a Av. Castelo Branco, o cobrador deu um toque para o motorista, ele parou o ônibus e abriu a porta traseira. Desci sob uma chuva de impropérios. Quem mais me xingava eram as minhas colegas de classe. Por muito pouco elas não chegaram ao orgasmo.

O que ainda bem me lembro desse dia fatídico é que tirei a camisa do colégio e amarrei na cabeça, como se fosse uma bandana de tuaregue, e fui chorando de humilhação até a minha casa. Minha mãe não entendeu nada. Hoje eu sei que aquilo foi uma prévia para o bom combate. E que, a partir dali, eu seria um gauche na vida.


Da esquerda pra direita: Alfredo, Rosilene, Luiz Carlos, Margareth, Roberto, Wanda (prima do Alfredo), nosso paraninfo, professor Weider Leão (?), eu, Dulce Daou, Luiz Augusto e Rosana (prima do Luiz Carlos). O resto do mulherio (Janete - que tinha as pernas mais bonitas do colégio -, Sulamita, Rosemeire, Clarice, Ednéia, Denise, etc) havia tomado chá de sumiço.

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