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terça-feira, dezembro 22, 2009

Chupa que é doce!


Produção de cana-de-açúcar da Agropecuária Jayoro

Maio de 1988. A Agropecuária Jayoro, no município de Presidente Figueiredo, nasceu em 1984, no rastro de financiamentos e incentivos fiscais do Pró-Álcool. Levou quatro anos para começar a produzir. A primeira colheita resultou em menos de 500 toneladas de açúcar.

Intrigados, os burocratas de Brasília avisaram ao governador Amazonino Mendes que uma equipe do TCU iria se deslocar até Manaus para verificar pessoalmente a existência dos canaviais.

Supostamente, uma grande parte do financiamento para consolidar o pólo de cana-de-açúcar do município havia sido desviada para bancar a campanha eleitoral do candidato do governo em 1986 (o próprio Amazonino).

Convocado para desatar o nó, o secretário de Produção Rural, Jaith Chaves, armou um pequeno circo. Com uma semana de antecedência, ele mandou deixar em várias casas flutuantes existentes na orla fluvial de Iranduba uma quantidade considerável de cana caiana, importadas diretamente da Copersucar, de São Paulo.

A robusta cana caiana ganhou esse nome porque as primeiras mudas vieram de Cayenne, capital da Guiana Francesa, então domínio de Portugal, chegando ao Rio de Janeiro, em maio ou junho de 1810, e daí se espalhando pelo país.

Os técnicos do TCU foram recebidos pelo secretário na sede da Sepror. Após as mesuras tradicionais de parte a parte, Jaith Chaves deu uma verdadeira aula sobre o cultivo da cana-de-açúcar na região amazônica.

Segundo ele, os cientistas do Inpa em parceria com os técnicos da Embrapa haviam desenvolvido um cultivar que se adaptava perfeitamente às nossas várzeas. As águas do rio podiam subir durante a maior enchente do mundo, que a cana-de-açúcar continuaria ali, firme e forte.

Para comprovar suas afirmativas, o secretário embarcou os burocratas em uma lancha e rumou para a região do Iranduba. Pararam em uma das casas flutuantes que haviam sido contempladas, previamente, com as canas oriundas da Copersucar.

– Ô compadre Zé Luiz! – berrou o secretário, da amurada da lancha. “Me dê uns roletes dessa sua cana para eu mostrar aqui pros meus amigos de Brasília!”

O caboco não se fez de rogado e entregou um feixe de cana caiana para o secretário.

Com uma habilidade exemplar, Jaith descascou a cana doada pelo caboco, cortou em rodelas e distribuiu para os burocratas. Eles experimentaram e acharam a qualidade da cana excelente.

Para quem não sabe, a cana caiana é a cana mais pobre em sacarose, por isso é a melhor, mais mole e mais gostosa de chupar e, consequentemente, a que dá o melhor caldo.

As canas destinadas ao fabrico de açúcar, por conterem alto teor de sacarose, costumam provocar embaraços intestinais na pessoa que as chupa. Mas desde quando um burocrata de Brasília vai saber desses pequenos detalhes?

Jaith Chaves repetiu a mesma lambança em mais cinco ou seis casas flutuantes. Quando os burocratas se deram por satisfeitos pela qualidade da cana de açúcar, ele resolveu levá-los para ver as plantações. A lancha embicou na direção do encontro das águas.

O secretário apontou para aquele mar verde formado por canaranas e chutou de bico:

– Esses aí são os nossos canaviais nativos! São esses cultivares que foram desenvolvidos pela parceria entre o Inpa e a Embrapa. A gente não vai poder se aproximar muito porque esse tipo de cana é extremamente sensível ao barulho. Os agricultores fazem o manejo pilotando canoas bem devagarinho...

Visivelmente maravilhados, os burocratas começaram a fotografar as canaranas. A lancha iniciou a subida do rio Solimões e nada de o canavial terminar.

Aliás, se eles navegassem até Tabatinga iriam continuar se admirando com as plantações de canaranas dos dois lados do rio. Uma hora depois, pediram para o secretário retornar para Manaus. Estavam satisfeitos com a inspeção.

Concluíram que o futuro do Pró-Álcool estava nas várzeas amazônicas e que o Amazonas, sozinho, poderia abastecer o planeta inteiro com açúcar, cachaça e etanol.


Agricultor fazendo manejo de canavial nativo nas proximidades de Manaus

Para quem também não sabe, canarana é um termo híbrido, junção de “cana” e “rana”. O vocábulo “cana” vem do latim “canna”, e refere­-se ao caule de inúmeras plantas das famílias das gramíneas, como a cana-de-­açúcar e a taquara. O vocábulo “rana” é sufixo de origem tupi (igual, semelhante, parecido). A palavra canarana designa uma planta palustre que se assemelha à cana-de-açúcar, mas que não passa de um vagabundo capim nativo da Amazônia.

Esta gramínea se encontra em vastíssima área da bacia amazônica, principalmente nos rios, igarapés e lagos de águas amarelas, presas ou flutuando, à mercê das correntezas, não tendo apenas um grande valor para a alimentação do gado, mas servindo de abrigo aos peixes à noite, e, durante o dia, protegendo as desovas dos mesmos e a vida dos alevinos que nadam entre as suas hastes e radículas.

Mas desde quando um burocrata de Brasília vai saber desses pequenos detalhes?

O Jaith Chaves, sozinho, colocou eles todos no bolso.

Bom, mas o que se sabe é que, com a ajuda oficial minguando, fustigada pelo clima implacável da região e cortada por uma estrada de terra – frequentemente interditada por causa das chuvas –, a usina da Agropecuária Jayoro entrou em processo de decadência.

Em 1994, as máquinas pararam e restou apenas um pequeno engenho, suficiente para dar conta da produção de 100 toneladas por ano. Uma doce coincidência, entretanto, tirou a Jayoro da lista interminável de projetos agroindustriais fracassados na Amazônia.

A Coca-Cola precisava de açúcar para abastecer sua única fábrica de concentrado, instalada na Zona Franca de Manaus. Ela é uma das cinco maiores do mundo e abastece as 49 fábricas no Brasil. A fábrica também exporta o concentrado para o Paraguai, Colômbia, Venezuela e Austrália.

Levar para Presidente Figueiredo o açúcar do Sul ou do Centro-Oeste do País encareceria demais os custos. O jeito era produzi-lo na região.

A usina, embora funcionando em condições precárias, tinha espaço para ampliar a plantação e maquinário. O casamento aconteceu em 1995.

De lá para cá, a Coca-Cola já investiu R$ 48 milhões na Jayoro. A área plantada passou de 400 para 2.618 hectares – a meta é chegar a quatro mil hectares em 2013.

“A tecnologia da Jayoro nada fica a dever à das maiores usinas do Sul do País”, diz o diretor de relações governamentais da Coca-Cola, Jack Corrêa. “Ela é a única empresa de açúcar da Coca-Cola no mundo”.

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