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quinta-feira, dezembro 03, 2009

Uma Noitada na Broadway - Final


Depois da pré-patuléia do Jeferson, começou a apresentação oficial da patuléia a cargo do Roberto Russo, filho do Arnaldo, mas ele estava tão entediado que nem quis muito papo com a galera.

Limitou-se a colocar pra rolar um DVD de qualidade excepcional, com três representantes do chamado rock alternativo (Wilco, Calexico e Aimee Mann) e três representantes da era jurássica do rock (Leonard Cohen, Lou Reed e Bob Dylan).

Após audição, ele distribuiu exemplares do DVD para os presentes, mas continuou não querendo papo com a galera. E eu estava doido pra perguntar se ele tem (deve ter) o DVD “Rock’n Roll Animal”, do Lou Reed.


Bom, mas foi então que Arnaldo Russo assumiu o comando dos trabalhos para fazer sua apresentação, que tinha como tema os musicais da Broadway.

Musicais da Broadway? Levei um susto.

Como minha curiosidade musical é incapaz de superar o chavão “vá ao teatro, mas não me chame!”, me preparei mentalmente para receber uma aula sobre aquele tipo de entretenimento tipicamente americano, que eu só conhecia de ouvir falar.

“Eu sei que vocês todos já estiveram na Broadway e que, portanto, muita coisa do que vou falar aqui vai soar meio rebarbativo, mas ainda assim gostaria da atenção de vocês para algumas curiosidades específicas sobre esse assunto”, começou o apresentador.

Me senti um peixe fora d’água. Quer dizer que das cerca de trinta pessoas presentes na sala a besta aqui era a única que nunca havia saracoteado antes na Broadway? Aquilo era uma completa desmoralização.

Para ser franco, o lugar mais perto que já estive do território americano foi passar quatro horas confinado em um aeroporto de Los Angeles esperando uma conexão da Varig (via JAL), que me levaria ao aeroporto de Narita, no Japão, no final dos anos 80.

A lembrança daqueles crioulos do tamanho de um guarda-roupas Prosdócimo me encarando fixamente diante do saguão de saída do aeroporto (será que pensavam que eu iria tentar passar por ali?) é uma das duas únicas lembranças (desagradáveis, por sinal) que guardo da terra do Tio Sam.

A outra foi ser miseravelmente roubado por uma crioula do tamanho de um guarda-roupas Bérgamo, que operava a maquininha de refrigerante do aeroporto, durante uma infrutífera tentativa de debelar uma sede da gota serena.

Ao pedir uma simples coca-cola, ela me serviu a gororoba em um gigantesco balde de papelão cheio de gelo, apesar de meus protestos veementes em inglês, português, espanhol e alemão dizendo que não queria gelo.

Engenheiro, eu conhecia a Lei de Newton que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Se há excesso de gelo em um recipiente, necessariamente vai haver escassez de refrigerante.

Não deu outra. Bastou um pequeno gole, para o precioso líquido sumir. A vagabunda não deve ter colocado 50 ml de refrigerante no balde com 5 kilos de gelo, mas me cobrou o preço superfaturado de uma latinha de 300 ml (uns seis dólares, se não me engano!).

Para matar a sede, passei as quatro horas seguintes chupando as pedrinhas de gelo e olhando para os gorilas com cara de mau. Quando finalmente embarquei na aeronave da JAL, o balde ainda estava pela metade. Mas chega de digressões nostálgicas.


Com a categoria de sempre, Arnaldo Russo traçou um panorama dos primórdios da Broadway até os dias atuais, a partir dos trabalhos de produtores, escritores e músicos, como Ziegfeld, Irving Berlin, George e Ira Gershwin, Al Jolson, Cole Porter, Bob Fosse et caterva. Uma aula simplesmente fantástica.

Após a apresentação, Arnaldo Russo ofertou aos presentes um DVD encartado em um belíssimo livreto, onde ele aprofunda os conceitos que haviam norteado a sua inesquecível palestra.

A grande façanha de Arnaldo Russo e Roberto Benigno foi editar mais de 25 horas de vídeo (incluindo os seis DVDs “Broadway - The American Musical”, ancorado pela Julie Andrews) e transformar o catatau em um precioso documentário de 90 minutos de duração.


Já revi o documentário em casa duas vezes e posso garantir a vocês, homeboys, que ele é simplesmente primoroso.

Se algum dia visitar os EUA (voando com o Tio Acram, evidentemente) é muito provável que eu me dispa dos preconceitos e encare um musical na Big Apple (até a origem desse apelido está explicada no DVD).



Como nem todos os meus 5 leitores já estiveram na Broadway, reparto com eles um pouco da aula ministrada pelo grande Arnaldo Russo.

A Broadway é a mais antiga e mais longa avenida de Nova York, a única que se estende por toda a ilha de Manhattan.

Ela também é sinônimo da vida teatral da metrópole, já que os principais palcos ficam nas proximidades da avenida, no chamado Theater District.


A área fica no trecho entre as ruas 42 e 53, no coração da famosa Times Square (que ganhou esse nome em homenagem ao jornal New York Times – a informação também consta no documentário).

A Broadway sempre recebeu peças de vários estilos, mas são os musicais que aquecem as bilheterias.

No passado, o gênero lançou estrelas como Gene Kelly e Fred Astaire, e as obras dos irmãos Gershwin para a Broadway viraram ícones da cultura americana.

Hoje em dia, os musicais representam uma indústria que movimenta 5 bilhões de dólares a cada ano.

Conforme explicou didaticamente Arnaldo Russo, a história da Broadway remonta a própria história do teatro nos EUA.

Mas sua fama e popularidade começaram no século 20, com a concentração de teatros em Manhattan e a acessibilidade que a classe média obteve às apresentações. Se transformou em um sucesso instantâneo.

O diabo é que o cinema mudo, que ainda não representava uma concorrência forte, evoluiu e adquiriu som sincronizado, o que o popularizou e contribuiu para esvaziar as salas da Broadway.

Quando o crash de 1929 derrubou a economia americana, a maior porrada foi sentida na Broadway. Da noite pro dia, grandes produtores dormiram milionários e acordaram na miséria. Dezenas de teatros foram fechados e companhias, desmobilizadas.


Após o crash da bolsa de Nova York, produtores, escritores e músicos da Broadway migram para Hollywood, na Califórnia, que estava começando a se firmar como pólo da nascente indústria cinematográfica. É por influência deles que surge um novo gênero, o "filme de musicais", que se caracteriza por roteiros musicais que mesclam danças, cantos e músicas.

No início dos anos 30, os filmes de musicais sofrem grande influência do teatro. O filme que definitivamente estabelece o gênero é Melodia da Broadway (Broadway Melody - 1929), de Harry Beaumont. Seu êxito provoca uma onda de filmes que rapidamente se tornam populares, como Caçadoras de Ouro (Gold Diggers of 1933 - 1933), A Canção do Deserto (1933) e O Rei do Jazz (1933).

O clássico Voando Para o Rio (Flying Down to Rio - 1933), projeta Fred Astaire e Ginger Rogers. Na sequência, Rita Hayworth por O Protegido do Papai (The Lady In Question - 1940) e Judy Garland por O Mágico de Oz (Wizard of Oz, The - 1939) também ganham notoriedade.

Em 1943, a história começa a mudar com a estréia na Broadway de “Oklahoma”, de Richard Rodgers, que atraiu um grande público de volta aos teatros, batendo um recorde de mais de duas mil apresentações.

Na seqüência, mais espetáculos surgiram, batendo recorde sobre recorde de tempo de permanência em cartaz e, rapidamente, a Broadway se tornou, de novo, o mais respeitado núcleo teatral do mundo.

Hoje a Broadway definitivamente se consolidou no topo de linha teatral. Suas peças e musicais são famosos no mundo inteiro e, em muitas montagens, os teatros são obrigados a fazer mais de uma apresentação diária quase todos os dias da semana.

No final de sua apresentação, Arnaldo Russo explicou porque havia incluído o inglês Andrew Lloyd Webber numa apresentação que, teoricamente, deveria ser dedicada exclusivamente à alma americana.

Citou o sucesso de “O Fantasma da Ópera”, “Evita”, “Cats”, todos eles encenados na Broadway. Eu vou meter minha colherzinha no mingau e transcrever abaixo uma crônica do Ivan Lessa, publicada em janeiro de 2002, no site BBC-Brasil. Curtam.

Gatos e trens


Foi anunciado no dia 15 que o musical Cats deverá cerrar as cortinas de vez, aqui em Londres, no preciso dia de maio em que completará 21 anos em cartaz.

Dois dias antes, ficamos todos sabendo também que o musical Starlight Express, também de Andrew Lloyd Webber, vai parar na estação após apenas 18 anos em cartaz.

A imprensa lamentou o fato e enumerou os dados: Cats, estréia em 1981, 9 mil performances, renda de mais de US$ 2 bilhões em suas diversas montagens pelo mundo, lucro de 2.500 vezes sobre o investimento original, para quem acreditou financeiramente no espetáculo. Os dados referentes a Starlight Express, só de começar a pensar neles me cansam.

Houve na imprensa uma certa choradeira. Os obituários e necrológios se abstiveram de fazer comentários críticos, ao contrário do que acontece com gente. Vou eu então e, de mansinho, tento estragar a festa, ou melhor, o velório.

Achei ótimo saírem os dois do cartaz. Por mim, teriam ficado ano, ano e meio, no máximo, e estamos conversados. Sou um anti-Lloyd Webber. Por quê? Quando me perguntam costumo responder, mais ou menos fazendo graça, de que sou contra o multi-milionário, hoje com belíssima cadeira na Câmara dos Lordes, simplesmente que sou contra porque sou a favor de musicais, coisa com a qual ele não tem nada a ver.

Por falar em ver: não vi Cats, não vi Starlight Express. Do cavalheiro que ameaçou deixar o país caso o Partido Trabalhista chegasse ao poder (chegou e Lloyd Webber ficou), só vi, no palco, Evita e, réu confesso, admito que gostei.

Talvez fossem as letras de Tim Rice (é apenas Sir, cavaleiro do Reino), a produção, o meu entusiasmo de recém-chegado a Londres, não sei dizer. Mas sei cantarolar apenas duas músicas de Lloyd Webber: o do pranto Argentino - feito vocês - e aquela do Cats, que fala em meia-noite, coisa e tal. E que lembra direitinho o Bolero, de Ravel. O resto entrou por um ouvido saiu por outro. Dança, musical dele também não tem. Ou não tinha. E espero que assim continue a ser.

Me entendam bem, não quero ver o West End londrino, ou seja a Teatrolândia, repleta de remontagens de Cole Porter e Rodgers e Hammerstein. Não. Quero ser seduzido como o fui em 68, quando aqui cheguei pela primeira vez: pelo teatro puro e simples.

Teatro não pode ser feito para turista, nem do turista deve viver. Culpam o 11 de setembro pelo encerramento das atividades empresariais de lorde Lloyd Webber. É o contrário. Foi, talvez, o único aspecto positivo do atentado terrorista e o chega-pra-lá na turistália.

2 comentários:

Lorena F. Pimentel disse...

Ainda bem que você decidiu repartir o conteúdo, pois eu de fato nunca estiva na Broadway, ou melhor dizendo, na terra do tio Sam.

Sendo terrivelmente aficionada por musicais, agradeço de coração o texto!

A transição que do cinema mudo para o cinema falado, que você comenta, é bem narrada em Singing in the Rain, por exemplo.

Ainda sim, a Broadway obteve sucessos fenomenais, a citar por exemplo, My Fair Lady nos anos 50.

O único pedido, e eu sei que seria um tremendo abuso, é que seria fenomenal se você pudesse dividir o documentário que Arnaldo Russo e Roberto Benigno fizeram.

Se você puder, considerarei um presente de Natal adiantado.

Simão Pessoa disse...

Lorena, vou pedir que o Arnaldo Russo lhe presenteie com uma cópia do documentário. Evidentemente, você precisa fornecer um endereço para entrega. Se achar conveniente, me informe pelo e-mail simaopessoa@gmail.com. Abração.