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quinta-feira, março 05, 2009

A enciclopédia que você pediu a Jah – Parte 3


CLIFF, Jimmy
Já houve um tempo em que ele era mais brasileiro do que jamaicano, com direito a mulher e filho na Bahia e o irmão de Pepeu Gomes, Didi, tocando em sua banda. Jimmy Cliff, porém, é um dos poucos astros que podem reclamar para si o título de “embaixador musical da Jamaica”. Foi assim desde a época em que tinha 15 anos e pentelhou o produtor Leslie Kong para gravar uma canção de sua autoria. Antes havia lançado o compacto “Daisy Got Me Crazy”, sem sucesso. A música que mandou financiado por Kong chamava-se “Hurricane Hatie” e foi um dos hits da era do ska.

Anos mais tarde, Cliff mudou-se para Londres, não obteve a repercussão esperada e baixou pela primeira vez no Brasil. O ano era 1968 e ele defendeu a Jamaica no Festival Internacional da Canção cantando “Waterfall”. Voltou à terra natal e interpretou o papel principal de The Harder They Come (Balada Sangrenta), o filme que exportou a cultura rude boy para o mundo inteiro. Ainda gravou belos álbuns de reggae como Give Thankx (puxado pelo hit “The Love I Need”, que virou tema da novela global Água Viva) e o avassalador Give The People What They Want.

Cliff, porém, nunca teve o talento devidamente reconhecido pela massa jamaicana. Seu trabalho foi muitas vezes uma diluição do reggae – o hit “Reggae Night”, por exemplo, é um funkão, composto por La Toya Jackson (ela mesma!) e gravado com o Kool & The Gang. A canção, contudo, foi uma das mais tocadas na Jamaica, em 1983.

É mais provável que o preconceito religioso (Cliff é muçulmano) na ilha tenha perseguido o artista. No livro Reggae: Música e Cultura da Jamaica, o jornalista inglês Stephen Davis afirma que rastas cuspiam nos palcos em que Cliff tocava. Mas, queiram ou não, Jimmy Cliff ainda é o principal artista jamaicano depois de Bob Marley.

COCOA TEA
Ele é um produto do dancehall, a inovação sonora que tomou conta da Jamaica nos anos 80. Mas Cocoa Tea preserva a mensagem antes de tudo. Rastafari convicto, ele transforma seus shows em pregações, mandando mensagens contra a Babilônia e sempre louvando o nome de Bob Marley. Ao mesmo tempo, é um romântico incurável (como mostra “One Woman Show”, faixa de seu belo CD Rikker’s Island). Ele também sabe combinar como poucos a doçura da voz com o punch verbal de DJ. Fez duetos campeões com Shabba Ranks (“Pirates Anthem”) e Cutty Ranks (“Champion Of The World”).

CULTURE
Este grupo se resume a duas palavras: Joseph Hill. Ex-motorista de ônibus, rastaman, poeta, maluco e cantor de voz anasalada, ele até hoje manda e desmanda no Culture. O grupo surgiu em meio ao boom rastafari dos anos 70 com a canção “Two Sevens Clash”, que previa o fim do mundo em 1977. Os rastas compraram o disco, esperaram pelo Armagedon e nenhuma tragédia aconteceu. E o Culture segue firme e forte, lançando discos com firmes mensagens rastafari.

DANCEHALL
O ritmo que colocou a Jamaica no futuro surgiu na segunda metade dos anos 80, apesar de o nome ser um velho conhecido dos jamaicanos – desde a década de 60, ele era usado para definir as festanças dançantes. O responsável pelo surgimento do dancehall chama-se King Jammy. Ao fazer experimentos com seu tecladinho Casio em 1985, ele criou uma nova batida eletrônica.

Jammy batizou a descoberta de sleng teng e chamou o cantor Wayne Smith para improvisar em cima do novo groove. Nascia então “Under Mi Sleng Teng”, canção-tema do dancehall.

O ritmo, porém, custou a pegar. Os jamaicanos torceram o nariz para a nova criação. O dancehall foi ter seu devido reconhecimento apenas quando o cantor Tenor Saw soltou nas paradas “Ring The Alarm”, canção em cima da base instrumental “Stalag 17” que metia a boca na violência do gueto. O dancehall passou a ser adotado por todos os produtores da ilha. Até mesmo Sly & Robbie, a melhor seção rítmica do planeta, não dispensam um bom ritmo eletrônico. “É mais barato, rápido e higiênico”, defendem.

O gênero, porém, trouxe uma certa banalização para a música jamaicana. A falta de imaginação impera: basta surgir uma nova batida e ela será exaustivamente seguida pelos outros artistas da Jamaica. Há também uma identificação perigosa com a boca-suja e a glorificação da violência por parte de alguns DJs. Muitos veteranos – Bunny Wailer, por exemplo – acham que o novo gênero é responsável pela decadência das letras de reggae e que, graças ao dancehall, a garotada repudia a filosofia rastafari e prefere falar de armas, violência e mulheres. Essa segunda bronca se mostrou uma grande bobagem: astros que só falavam em sacanagem e bandidagem acabaram se convertendo à fé rasta. E hoje não são poucos os bambas da velha geração que usam e abusam da eletrônica em seus discos – o próprio Bunny Wailer já se rendeu à sleng teng.

DJs
Os DJs eram os animadores de público nos sound systems, espécie de discotecas ambulantes que dominaram a Jamaica nos anos 50 e 60. Cabia a eles a tarefa não deixar o pique cair e colocar discos para tocar, como disc-jóqueis tradicionais. Com o passar dos anos, a comunicação com o público e o uso do microfone se tornaram mais importantes do que a própria seleção musical das festas.

Eles faziam o que se chama de talk over, ou seja, pegavam a base instrumental das músicas e davam seus recados. Foi assim que surgiram nomes como U-Roy (considerado por alguns o pai da criança – versão historicamente contestada), Prince Jazzbo e I-Roy. Através dos microfones eles faziam declarações de amor, trocavam provocações (é histórica a briga entre Jazzbo e I-Roy), faziam bravatas e mandavam mensagens de paz. Com a popularização do rastafarianismo, no final dos anos 60, os DJs passaram a fazer comentários sócio-políticos. Exemplo: Big Youth, de tanto alertar a população jamaicana, ganhou o apelido de O Gleaner Humano – uma alusão ao Daily Gleaner, o jornal mais importante da ilha.

A cultura DJ foi exportada para os EUA ainda nos anos 70, por meio do jamaicano Clive Campbell (DJ Kool Herc). Os habitantes dos guetos americanos assimilaram a novidade, que originou o hip hop. O talk over, portanto, é pai do rap.

O estilo mais sério dos DJs balançou a partir de 1979, com a ascensão de Yellowman. Os temas passaram a variar entre sexo (obsessão de Yellowman, em seus primeiro discos, e de Eek-A-Mouse), sátiras (especialidade do DJ que adotou como pseudônimo Charlie Chaplin). Esses reis do palavreado tornaram-se superstars na década de 90, quando nomes mais sacanas e mais grosseiros como Shabba Ranks, Ninja Man e Tiger assumiram os microfones. Hoje, muito mais do que qualquer astro de trancinhas, os DJs são os grandes ídolos, os verdadeiros senhores da música jamaicana.

DONALDSON, Eric
Ele é o autor de “Cherry Oh Baby”, reggae manhoso que ganhou o mundo em 1976, na interpretação dos Rolling Stones. Eric Donaldson integrava um grupo vocal chamado West Indians e ganhou notoriedade ao sagrar-se vencedor de um concurso de calouros - a música campeã era “Cherry Oh Baby”. Iniciou então uma carreira solo de altos e baixos que mantém até hoje. O seu melhor momento foi nos anos 70, quando tinha à disposição músicos do quilate de Cat Coore e Ibo Cooper (do Third World) e o percussionista Denzil Laing. No Maranhão, Donaldson é tratado como rei: fez diversos shows na terrinha e em 1997 animou o carnaval rasta da cidade.

DRUM’N’BASS
Denominação politicamente correta para o jungle, ritmo que invadiu a Inglaterra na segunda metade dos anos 90. O gênero se caracteriza por batidas loucas de acid house com baixo de reggae e vocal raggamuffin. Emergiu em raves e rádios piratas inglesas. Um dos primeiros astros a tirar o jungle do gueto foi o indiano UK Apache (não confundir com Apache Indian), que em 1983 estourou na Grã-Bretanha com “Gangsta Kid”.

No ano seguinte, DJs (que, para os ingleses, são os caras que ficam nas pick-ups) como Grooverider já promoviam raves nababescas na Brixton Academy. General Levy, então um mediano artista de raggamuffin, comandou a invasão jungle no carnaval de Notting Hill – o mesmo palco santo onde o Aswad gravou o LP Live And Direct. Hoje o jungle prefere ser chamado de drum’n’bass. Os vocais ragga foram preteridos por sons mais espaciais (vide LTJ Bukem) e até mesmo flertes com formatos eruditos ou progressivóides (Goldie e as pirações do disco Timeless, de 1995). Mas as conexões com a Jamaica não foram rompidas. “O jungle é um orgulho britânico, mais uma dos múltiplos derivados do reggae”, exulta Tony Gad, baixista do veterano grupo Aswad.

DEKKER, Desmond
Um dos primeiros candidatos a superstar internacional na Jamaica, Dekker (nome verdadeiro: Desmond Dacres) nasceu em Kingston, no ano de 1943. Veio de uma família musical (seu irmão, George, cantou nos Pioneers; a irmã, Pauline, gravou vários duetos com outros canários) e aos 19 anos de idade iniciou uma duradoura colaboração com o produtor Leslie Kong.

Estourou “Honour Your Mother And Father”, hit nos bailes, e o que veio em seguida faz parte da própria história da canção jamaicana. Desmond se juntou ao grupo vocal The Aces e juntos emplacaram canções como “007 (Shanty Town)”, que narrava a vida dura dos bairros de lata de Kingston, e o clássico “Israelites”. A canção foi composta em 1968 e rendeu ao cantor destaque na parada inglesa e turnê de sucesso no Reino Unido.

Em 1971, Leslie Kong morreu de forma misteriosa (dizem que foi praga dos Wailers) e Dekker perdeu o rumo. Hoje é mais lembrado por um ou outro vexame (chegou até mesmo a ser preso por dirigir embriagado) do que por ter sido um dos primeiros talentos natos a prenunciar a explosão mundial da música jamaicana.

DODD, Clement “Sir Coxsone”
Nos anos 50, a música da Jamaica vivia de compactos de R&B contrabandeados dos EUA. O sujeito que tivesse as bolachas mais raras abria um sound-system (espécie de discoteca a céu aberto), colocava o povo para dançar e fazia a vida. Clement Dodd foi um desses sortudos, mas teve visão suficiente para sobreviver além das discotecas. Abriu no ano de 1962 o Studio One, lendário celeiro de talentos do reggae.

Lee Perry foi técnico de som do lugar, os Skatalites eram “a banda da casa” e, entre os talentos que passaram pelo local, estão Bob Marley & The Wailers, Dennis Brown, Burning Spear e Mighty Diamonds. Se por um lado foi um visionário, por outro Dodd possuía todos os vícios dos “donos da música” da época: pagava tostões a seus contratados, roubava canções (Bob Andy perdeu as contas das co-autorias que deu ao empresário) e desconhecia toda e qualquer lei de direito autoral. Atualmente Coxsone Dodd mora em Nova York e o Studio One é apenas uma boa lembrança para os eternos veteranos do chacundum jamaicano.

DREADLOCKS
As chamadas “tranças horríveis” (na opinião preconceituosa dos anos 60) são um dos pilares do rastafarianismo. Para muitos, os dreads funcionam como uma antena que capta boas vibrações.

DREADZONE
Grupo formado por três ex-integrantes do Big Audio Dynamite (o baterista Greg Roberts, o tecladista Tim Brand e o baixista Leo Williams) que aposta nos efeitos psicodélicos e inebriantes do dub, adicionando à sua música efeitos tirados de filmes B, baixos cavalares e ruídos produzidos em estúdio. Demonstra conhecimento da história do reggae, mas aponta para o futuro: seu mais recente CD, Biological Radio, inclui uma versão ano 2000 para “Ali Baba”, do veterano John Holt.

DRUMMOND, Don
O primeiro gênio trágico da música jamaicana. Trombonista de formação clássica, Drummond foi um dos criadores do ska, junto com o guitarrista Ernest Ranglin. Foi também um dos primeiros músicos locais a aderir à filosofia rastafari – que na época não era muito aceita pela comunidade local. Sabia tudo de produção. Com sólida formação jazzística, era somente o “maestro” dos Skatalites até ser chamado por Clement Dodd para trabalhar no Studio One como arranjador. Drummond acabou levando consigo os Skatalites e deixando brilhantes participações em gravações como a de “I Should Have Known Better”, cover dos Beatles, e “Simmer Down”, dos Wailers.

O problema é que, se de gênio e louco todo mundo tem um pouco, Drummond possuía um nível de maluquice um tanto acima da média. Em janeiro de 1964, ele matou a amante – a dançarina Margarita Mahfood – a facadas. Preso e dado como insano, morreu abandonado num sanatório em Kingston.

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