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sexta-feira, junho 25, 2010

Os praças de pré


Eu e Ritta Bernadino me autografando seu livro ("O guerreiro verde") na cobertura do hotel Monaco, que pertence a ele marrelógico
 
Na eleição de outubro de 1962, pela primeira vez o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ameaçou o domínio dos partidos da oligarquia, a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD), ao alcançar expressiva votação e eleger uma bancada federal de porte semelhante ao das agremiações conservadoras.

Entre os 409 deputados federais eleitos, o PSD elegeu 122, o PTB 97 e a UDN 96. Para o Senado, o resultado foi semelhante: o PSD elegeu 23 senadores, o PTB 18 e a UDN 17.

No Amazonas, Plínio Coelho (PTB) foi eleito governador e os trabalhistas mantiveram uma bancada forte na Assembleia Legislativa, onde se destacavam o jornalista Arlindo Porto e o advogado Bernardo Cabral.

O sargento do Exército e advogado recém-formado Francisco Ritta Bernardino acabou na 1.ª suplência do PSD, que elegeu, entre outros, Homero de Miranda Leão, Ruy Araújo e Danilo Corrêa.

Na época, era comum que a cada três meses os titulares se licenciassem para que os suplentes assumissem, em um rodízio saudável, já que não havia prejuízos financeiros: suplentes e titulares continuavam recebendo seus salários no final do mês.

Quando Danilo Corrêa se licenciou para Ritta Bernardino assumir, o advogado Manuel Barbuda, presidente do PTB, entrou com um pedido de impedimento do suplente pessedista no TRE, argumentando que ele, na condição de sargento do Exército, era inelegível, pois pela Constituição em vigor sequer poderia se alistar como eleitor.

O artigo 132, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, rezava o seguinte:

Não podem alistar-se eleitores:

I – os analfabetos;

II – os que não saibam exprimir-se na língua nacional;

III – os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.

Parágrafo Único – Também não podem alistar-se eleitores os praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior.

Como Ritta Bernardino não pertencia a nenhuma escola militar de ensino superior, ele estava automaticamente na condição de “praça de pré”, seja lá que diabo isso significasse. Foi um para pra acertar.

O deputado Bernardo Cabral foi uma das poucas pessoas que tomou as dores de Ritta Bernardino e brigou dentro do PTB para que o partido desistisse da ação, o que acabou acontecendo.

Depois de ser empossado pela ALE, Ritta Bernardino resolveu investigar a origem do termo que Manuel Barbuda lhe enquadrara.

A história começou na primeira década do século 19, quando as forças militares de Napoleão Bonaparte tomaram a Europa, em nome dos ideais democráticos da Revolução Francesa.

Napoleão tinha a intenção de dominar a Europa dividindo o continente entre aliados e amigos da França.

Em 1806, ele resolveu radicalizar: declarou o Bloqueio Continental por meio do qual pretendia sufocar a economia inglesa, já que os ingleses eram os únicos adversários à altura do francês turrão.

Ao ser intimado por Napoleão, em 12 de agosto de 1807, para aderir ao Bloqueio Continental contra a Inglaterra, d. João VI foi evasivo em sua resposta e procurou ganhar tempo, fechando os portos do reino aos ingleses e enviando ao Brasil o primogênito d. Pedro I, com o objetivo de resguardá-lo.

Ao mesmo tempo, ele começou a se preparar para a guerra: publicou um édito real tornando obrigatório o serviço militar de todo português entre 18 e 25 anos.

Os moleques receberam treinamento militar de duas semanas, um mosquetão e 11 balas (era o máximo que podiam carregar no alforje) e sua missão era vigiar a orla de Lisboa, à espreita dos navios franceses.

Quando os escaleres franceses começassem a desembarcar na praia as tropas de Napoleão, caberia aos moleques fustigarem os invasores até a chegada das forças regulares de Portugal.

A esse contingente foi dado o nome de “praças de pré”, porque eles seriam responsáveis pelo pré-show. Coisa de português.

Com o fito de evitar deserções (nem todo mundo tinha pré-disposição para ser “boi de piranha”), d. João VI decretou, também, que os moleques estavam impedidos de exercer qualquer outra função (pública ou privada), que não aquela.

Ser candidato a cargo eletivo, então, nem pensar. Ou os “praças de pré” brigavam contra os franceses ou morriam de fome. Coisa de português.

Acontece que antes da jiripoca piar, d. João VI, a família real e mais de 15 mil pessoas fugiram para o Brasil.

Por alguma razão esotérica, os “praças de pré” não foram desmobilizados.


A primeira Constituição brasileira, ainda sob a égide das ordenações vicentinas, manteve o impedimento dos “praças de pré” e as Constituições subsequentes idem, provavelmente porque ninguém sabia do que se tratava e a regra de ouro da política brasileira sempre foi deixar do jeito que está para ver como é que fica.

O entulho jurássico só foi removido de vez na Constituição de 1988, cujo relator, Bernardo Cabral, ficou sabendo da história pelo colega deputado. O país está devendo essa para o hoje empresário Ritta Bernardino, chairman do famoso hotel Ariaú Tower.

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