Augusto Nunes
Leiam sem pressa os quatro parágrafos, transcritos em itálico,
extraídos de um artigo publicado pelo Estadão sob o título “A corrupção e morte
da cidadania”. Volto em seguida com o nome do autor e a data da publicação.
A corrupção representa
uma violação das relações de convivência civil, social, econômica e política,
fundadas na equidade, na justiça, na transparência e na legalidade. A corrupção
fere de morte a cidadania. Num país tomado pela corrupção, como o Brasil, o
cidadão se sente desmoralizado porque se sabe roubado e impotente. Sabe-se
impotente porque não tem a quem recorrer. Descobre que os representantes traem
a confiabilidade do seu voto, que as autoridades ou são corruptas ou omissas e
indiferentes à corrupção, que os próprios políticos honestos são impotentes e
que a estrutura do poder é inerentemente corruptora.
Dessa impotência se
firmam as noções de que “nada adianta” e de que no fundo “são todos iguais”. A
fixação desses sentimentos representa o fim da cidadania, pois ela se baseia na
participação ativa do indivíduo na luta por direitos e na cobrança e
fiscalização do poder. Quanto mais agonizante a cidadania, mais ativa se torna
a corrupção. O corrupto sente-se à vontade para se justificar e até para
solicitar o aval eleitoral para continuar na vida política.
O poder no Brasil
protege os corruptos. A estrutura do poder público é corruptora. Em paralelo, a
estrutura fiscalizadora favorece a impunidade. Mas se a corrupção, sua proteção
e a impunidade se tornaram estruturais, há uma vontade explícita de manter
intacta a estrutura corruptora. Essa vontade se manifesta de várias formas. A
principal é a falta de iniciativa das autoridades constituídas. Outra ocorre
pelo bloqueio das mudanças institucionais e legais que visam a ampliar e aperfeiçoar
os instrumentos de combate à corrupção. No Congresso, medidas de combate à
corrupção e mudanças moralizadoras da Lei Eleitoral foram sistematicamente
derrotadas pela maioria governista, com o apoio de chefes dos poderes
superiores.
A sociedade já percebeu
que a corrupção estrutural está albergada na falta de vontade de mudar e de
punir e na vontade explícita de proteger. A racionalidade do cidadão não
consegue compreender o porquê e o como de tantos casos de corrupção não
resultarem em nenhuma prisão dos principais envolvidos. E porque a razão não
consegue compreender essa medonha impunidade, o cidadão sente-se desmoralizado.
A corrupção assume a condição de normalidade da vida política do país. A
degradação e a ineficiência do poder público atingiram tão elevado grau que não
se pode mais acreditar que, apesar de lentas, as mudanças virão.
O autor só pode ser algum falso moralista enfurecido com a
transformação do embargo infringente em primo do habeas corpus, certo? E o
texto só pode ser coisa da elite golpista ainda inconformada com a derrota
decidida pelo voto do ministro Celso de Mello, certo? Errou duplamente quem
embarcou nessas deduções. O artigo saiu na edição de 29 de abril de 2000. E foi
escrito por José Genoino, então ─ como agora ─ deputado federal do PT paulista.
Parece mentira, mas é isso mesmo.
Também parece mentira que há menos de 14 anos, quando já ia
longe o ataque aos cofres estaduais e municipais controlados pelo partido, as
vestais de araque ainda reivindicassem aos berros o monopólio da ética. Na
virada do século, embora Delúbio Soares já ocupasse o posto de tesoureiro da
quadrilha em formação, José Dirceu seguia recitando de meia em meia hora, com
sotaque de Passa Quatro, o mantra hoje reduzido a refrão do hino do grande
clube dos cafajestes: “O PT não róba nem dêxa robá”.
É compreensível que o deputado federal José Genoino, sem
ficar ruborizado, ousasse exigir cadeia para quem fazia o que ele faria na
presidência do partido que, ao alcançar o poder federal, acabou transformando o
assalto ao dinheiro público em programa de governo. O artigo publicado pelo
Estadão sugere que são até brandas as penas aplicadas pelo STF aos companheiros
condenados por corrupção ativa: 7 anos e 11 meses para José Dirceu, 6 anos e 8
meses para Delúbio Soares e 4 anos e 8 meses para Genoino.
Não há embargo infringente que dê jeito nisso. Para recorrer
à esperteza que justificou um novo julgamento e provavelmente os livrará da punição por formação de quadrilha, os três
mensaleiros precisariam de quatro ministros dispostos a não enxergar o que eles
são: corruptos ativos. Dirceu, condenado
por 8 a 2, teve o apoio de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Genoino (9 a 1)
só foi socorrido por Lewandowski. Delúbio (10 a 0) não comoveu sequer o
ministro da defesa dos pecadores.
A seita que prometia acabar com a ladroagem, quem diria,
agora luta para conseguir que três sacerdotes corruptos se safem da pena
adicional por formação de quadrilha, que submeteria a trinca à prisão em regime
fechado. Eufóricos com o adiamento do embarque no camburão, os devotos já
preparam um carnaval temporão para festejar a conquista do regime semiaberto. O
desfile da Unidos do Mensalão, de qualquer forma, não poderá ultrapassar o fim
da tarde.
No começo da noite, os três destaques terão de recolher-se à
cadeia. É lá que os companheiros presidiários vão dormir por centenas de
noites.
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