Luiz
Antonio Solda
João
Maria tenta desesperadamente escrever uma peça de teatro para
participar de um concurso. Folheia livros, consulta anotações. A
campainha toca, ele vai atender. É Fausto, acompanhado do Diabo.
João
Maria esperava Godot, mas diz nada. Fausto, que firmara um pacto com
o Diabo, quer que João Maria o ajude a procurar Margarida, expressão
de pureza a virtude. João Maria se recusa. Tem que lavar toda a
louça e levar as crianças no colégio.
Mefistófeles,
escondido atrás da cortina, ouve toda a conversa. Misteriosamente, o
telefone toca.
É
Goethe. Começa o bate-boca. A mulher de João Maria reclama do
barulho. João Maria vende a alma a Goethe, que lhe promete a
juventude eterna, a satisfação dos desejos e dois ingressos para o
show da Rita Lee.
A
empregada, encarnando o conflito humano entre a matéria e o
espírito, ignorando a situação, pede aumento.
Surge
Godot, não se sabe de onde, representando as obras de cunho
universal. Alguém tenta servir o cafezinho. As luzes se apagam.
Mefistófeles passa a mão na empregada. Tumulto. O inspetor Poirot
invade o apartamento. Fica no ar aquele cheiro de carta rasgada.
***
Bentinho
e Capitu estão almoçando. Em outra mesa do restaurante, Tom Jones,
o andarilho generoso e irreverente, interrompe o licor e observa a
salada dos Irmãos Karamazov. É sábado. Um baiano reclama da
feijoada.
***
Um
rei é assassinado. No velório, os presentes refletem sobre as
paixões humanas, a harmonia social e a moral da sociedade. Três
feiticeiras horrendas mandam um pombo-correio para Riobaldo, General
do Exército Real, avisando que ele será o futuro soberano do
Nordeste.
Sem
saber de nada, Riobaldo come o pombo. Chove em todo o sertão.
Riobaldo, com disenteria, mata o Rei Duncan, tornando o clima
sombrio. Intriga. Medo. Violência. Todos vão ao McDonald’s mais
próximo.
***
João
é noivo de Maria. Trocam carícias no velho sofá desbotado. O
retrato do pai os observa. Dona Rosinha prepara o jantar. Dalton
Trevisan passa pela sala na ponta dos pés, tropeça num lugar comum
e cai nos braços do vampiro de Curitiba. Mistério. Tchekov e
Maupassant zombam dos leitores. Trevisan, observador atento dos
pormenores da realidade, se afoga. Um moço em Curitiba só tem um
remédio: afogar-se. Pára a música, fecham-se as cortinas e ninguém
mais toca no assunto.
***
O
Grande Vazio da Alma Humana está na sala vendo televisão. A
Fantasia Exótica Magistral volta da feira e encontra os Traços
Primitivos fazendo algazarra no banheiro. O Grande Vazio pergunta
pelo salsão. Não havia salsão na feira.
A
Fantasia Exótica chama todo mundo e faz uma descrição do mundo tal
como ele realmente é. Tolstoi, apavorado, foge de casa. O Compêndio
de Gramática explica que o artigo é a parte da palavra que serve
para exprimir a extensão em que o substantivo será tomado.
Pânico
no palco. A omissão do Artigo Definido acaba incriminando a
Formulação do Plural, que foge do país.
O
Grande Vazio da Alma Humana continua vendo televisão.
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