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terça-feira, março 17, 2015

Pequeno manual do sexo virtual seguro


Reza a lenda que nos anos 1980, quando os formatos VHS e Betamax disputavam a hegemonia do vídeo doméstico, foi o apoio da indústria da pornografia que determinou a vitória do primeiro.

Vinte anos mais tarde, em 2013, estimava-se que os sites pornô eram mais acessados do que Netflix, Amazon e Twitter. Juntos.

A nova safra de capacetes de realidade virtual, como o Oculus Rift do Facebook, ainda está em processo de desenvolvimento, mas já tem gente pensando em aplicações de sexo virtual imersivo nesses universos ficcionais altamente verossímeis. Coisa que, aliás, o cinema com sua mania de prever o futuro meio que já sinalizou no passado recente em filmes como O Demolidor.

A verdade, embasada por esses e outros dados, é que a gente gosta de uma putaria virtual.

Sexo e tecnologia sempre andaram juntos. Na verdade, é possível estender essa máxima: sexo e todo o resto sempre andaram juntos. Tudo que facilita, viabiliza ou aponta para uma oportunidade de ir para a cama com outra pessoa captura a nossa atenção. Mais que isso, muitas vezes, torna-se o norte das nossas ações.

Aldous Huxley, autor de clássicos como Admirável Mundo Novo, disse que “um intelectual é alguém que encontrou algo mais interessante que o sexo.” Essa nossa obsessão, tão bem sintetizada por Huxley, é compreensível. Afinal, sexo é bom demais.

É fascinante como sexo e tecnologia percorrem caminhos improváveis, tal qual um casal apaixonado e cheio de tesão, a fim de se encontrarem. Fascinante e um pouco intrigante, dado que a tecnologia, com suas telas azuis e (esperamos) assépticas seja quase sempre vista como uma interface fria, o oposto do calor aconchegante que uma transa proporciona. O que explica o sucesso dessa dupla à primeira vista improvável?

O prazer mediado por telinhas

Apesar dessa aparente contradição, a tecnologia serve muito bem e em diversas frentes ao sexo. Com uma ajudinha da imaginação, mesmo a mais básica delas, a menos rica em feedback sensorial, funciona. Tomemos como exemplo o sexting.

O termo “sexting” foi cunhado em 2005 por um jornal australiano e é uma combinação das palavras “sex” e “texting”, esse último, numa tradução livre, sendo algo como mandar mensagens de texto via SMS, pelo celular. Já deu para sacar do que se trata, certo?

Em vez de avisar o seu colega que você irá se atrasar para a reunião, ou mandar uma mensagem à sua mãe dizendo que a viagem foi tranquila e você chegou bem, as pessoas passaram a dizer sacanagens umas às outras porque... bem, por que não?

Posteriormente, com o MMS e a chegada dos smartphones e seus inúmeros apps de bate-papo com suporte a fotos, vídeos e mensagens de áudio, o sexting se modernizou, virou multimidiático.

Você provavelmente já se emocionou lendo um texto na tela do computador, ou vendo um filme na TV. Talvez já tenha desabado em lágrimas e sorrisos com a imagem chuviscada de um projeto de pessoinha numa máquina de ultrassom. As telas, ou o que aparecem nelas, mexem com a gente. Por que excitar-se com um celular na mão seria diferente?

Praticar sexting exige imaginação, uma pitada de coragem e confiança irrestrita no parceiro, mas apesar desses poréns é uma coisa natural. Para Jenna Wortham, é natural e generalizado. Em um belo ensaio na revista digital Matter, ela sentenciou: todo mundo manda sexting.

No projeto, Jenna pediu a voluntários, conhecidos ou não, que enviassem fotos deles mesmos nus e contassem suas histórias de sexting. As motivações, como se pode ler nos 16 relatos selecionados, variam. Mas é notável, em vários deles, a preocupação com a exposição, com possíveis vazamentos, com as consequências de se desarmar e se expor tanto a outra pessoa acarretam.

Casos de revenge porn, vazamentos em grupos no WhatsApp e invasões com a finalidade de encontrar e divulgar imagens íntimas são comuns. Mais do que imaginamos.

Para cada Scarlett Johansson que tem sua privacidade exposta, existe um punhado de mulheres anônimas que “caem na rede”, que são violadas de uma maneira vil, sem chance de defesa, muitas vezes sem sequer saber de onde veio o ataque.

Em boa parte dos casos, a origem desses vazamentos anônimos é o sexting. Não encare isso como um grande sinal de proibido, como sua tia conservadora que sempre joga a culpa na vítima quando casos do tipo aparecem no jornal. Entenda como um alerta gentil de alguém que vê com naturalidade a exteriorização do prazer, mas que está ciente dos riscos potenciais.

Queremos, com este texto, dar dicas objetivas para você curtir essa experiência íntima mediada por smartphones. É possível, é o que faremos, mas seria irresponsável não avisá-lo de antemão que não existe tecnologia 100% segura.

Nada, do ponto de vista técnico, garante que suas fotos íntimas estarão a salvo de olhos que você não quer que as vejam. Esteja sempre ciente disso. Certo? Ok, vamos em frente.

Preparando o terreno para o sexting seguro


A traição do seu companheiro de sexting não é o único vetor para vazamentos, nem deve ser a única fonte de preocupações. Na real, terceiros são mais perigosos. Eles podem estar à espreita, apenas aguardando uma brecha ou criando iscas para fisgar os menos precavidos.

Contra eles, existem dois cuidados, não concomitantes, mas que podem (devem!) ser usados em conjunto: conectar-se a redes seguras e usar apps com criptografia. Dizendo assim parecem coisas altamente complexas, mas na prática é bem provável que você as use e nem saiba.

Uma rede segura é uma protegida por senha e de procedência conhecida – dica do Google.

Um ponto de acesso Wi-Fi pode ser configurado de diversas maneiras, com ou sem senha e, se com, usando protocolos diversos como WEP (fraco) e WPA2 (recomendado).

Redes particulares, essa que você talvez use em casa, saem na frente por barrar, a princípio, a entrada de estranhos e ser algo certo, conhecido.

Usar uma rede pública aberta (sem senha) é arriscado já na conexão: nada garante que ela não seja uma falsa, criada para atrair vítimas. E mesmo que não seja o caso, a presença de mais pessoas na mesma rede em que você navega é um perigo em potencial.

Pode ser que nada aconteça; pode ser, porém, que alguém esteja interceptando toda a comunicação não segura (sem criptografia) na esperança de conseguir algo valioso. É por isso que todo especialista de segurança desaconselha o uso delas para atividades delicadas, como transações bancárias e, sim, o sexting. (Caso seja entendido pode apelar para uma VPN, mas isso está além do que a maioria está disposta a lidar.)

A criptografia anula as consequências de uma eventual interceptação de dados. Caso dados criptografados caiam em mãos erradas, o dono delas teria um punhado de bits desordenados e sem sentido.

Transmitir dados criptografados significa que apenas as duas pontas da conversa conseguem decifrar a mensagem. Qualquer um que interfira terá um trabalho enorme para ter acesso ao conteúdo desses dados. Às vezes, tão grande que não compensa o esforço.

A Electronic Frontier Foundation tem uma tabela bem bacana sobre a segurança e privacidade de um punhado de apps e serviços de troca de mensagens – provavelmente mais do que os que você conhece.

É curioso notar, por essa lista, como os mais seguros são os menos populares (e mais complexos) e como alguns que vendem a ideia da privacidade não são lá tão seguros. Vide o Snapchat.

Os melhores apps para sexting

Eu adoro o conceito do Snapchat. Acho que ele funciona para bem mais do que sexting, embora essa finalidade seja inegavelmente um dos seus pontos fortes – tanto que já virou negócio nos EUA e uma dor de cabeça para os donos do serviço, que precisam lidar com adolescentes mandando fotos deles mesmos peladões.

É fácil entender por que o Snapchat ganhou essa fama de app para sexting: em tese, ele anula o salvamento da foto e as consequências que essa característica do digital libera, que são a cópia infinita da original e a facilidade em compartilhá-la.

Segundo a tabela da EFF, o Snapchat criptografa as fotos e mensagens quando elas estão em trânsito e teve o código auditado recentemente, mas o conteúdo em si não é criptografado e, pior, apps de terceiros podem ser usados.

O maior problema do Snapchat, entretanto, é de percepção. A premissa, de fotos e vídeos que só podem ser vistos apenas uma vez, pode dar uma falsa sensação de segurança.

Falsa porque nada impede o “print”, nem o uso de ferramentas que salvam, na surdina e sem alertas ao remetente, as fotos e vídeos feitos pelo app. Foi essa permissividade que viabilizou aquele vazamento de imagens no final do ano passado.

Ok, Snapchat é legal, mas tem lá suas falhas. Se você quer segurança absoluta, qual app usar, então? Algumas boas alternativas esbarram no grande dilema da segurança digital, que é equilibrar segurança e comodidade.

Esses dois conceitos costumam ser conflitantes, como se estivessem em uma gangorra. Fazer com que eles fiquem nivelados é um dos grandes desafios modernos.

Não à toa, soluções reconhecidamente seguras, como TextSecure e o PGP (para e-mail) alienam usuários que não sabem ou não querem lidar com camadas extras de complexidade.

Minha indicação, e um dos apps que melhor lidam com essa questão, é o Telegram. Atenção: é o Telegram no modo de chat secreto, que torna a comunicação segura à custa da comodidade (olha aí!) de conversar por vários dispositivos ao mesmo tempo.

Para ativar esse modo, que “corta” a nuvem do papo e coloca os dois interlocutores em contato direto, sem intermediários e por apenas um dispositivo, toque no botão de nova mensagem e selecione “Novo Chat Secreto”.

Telegram

Usando o Telegram no modo chat secreto, ele ganha criptografia de ponta a ponta. E mais: se uma conversa é apagada em um dos celulares usado no papo, ela some no outro.

Além disso, o Telegram também passa a lidar com mensagens que expiram depois de um tempo, da mesma forma que o Snapchat. E vale para texto, fotos, vídeos e arquivos.

Todos os ingredientes para ter um papo mais quente com a segurança que algo assim demanda estão aqui, relativamente acessíveis e fáceis de serem usados.

Outra boa solução é o iMessage, da Apple, combinado com o FaceTime para vídeo chamadas e ligações. Ambos também são criptografado de ponta a ponta e, no caso do iMessage, conta com fotos e vídeos que expiram (ainda que não haja muita flexibilidade em relação a prazos).

O FaceTime é bastante simples de usar, com dois toques se começa uma chamada por vídeo. O problema? Ambos precisam ter um iPhone ou iPad, já que esses apps só funcionam nos dispositivos da Apple.

Existe ainda uma terceira opção, essa feita especialmente para conversas sigilosas (por texto e voz). É o app CoverMe, com versões para iPhone e Android.

Todas as funções que o modo chat secreto do Telegram oferece estão disponíveis aqui, e mais: chamadas privadas, atendimento dependente de senha e uma espécie de cofre digital, que protege suas fotos e outros arquivos salvos no próprio aparelho.

E ele cobre mensagens de texto (SMS) comuns, o que é interessante se você é do tipo old school. Tem fetiche pra tudo nesse mundo, né?

Cuidados extras

Caitlin Dewey, do Washington Post, nos lembra de outra possível brecha do sexting: a rastreabilidade da foto.

É que mesmo que seu rosto não apareça (eis aí outra boa dica!), provavelmente alguma outra informação pessoal ficará vinculada à imagem, como o número do telefone ou o perfil de rede social usado para o envio.

Não é só o que aparece na foto que pode ser identificado. O arquivo digital dela carrega informações reveladoras. São os dados EXIF, meta dados que toda fotografia carrega consigo.

Eles registram num pedaço da foto coisas como data e hora da foto, marca e modelo do smartphone usado e, dependendo da configuração do aparelho, até a localização exata onde a foto foi tirada.

Na maioria dos apps modernos, como Snapchat e WhatsApp, as imagens trocadas perdem esses dados. Elas são redimensionadas, “salvas novamente” (ou nem isso, no caso do Snapchat), ações que criam uma nova foto limpa, sem resquícios da original.

De outro modo, porém, é bom atentar para esses detalhe e não dar margem ao azar. No computador, o próprio sistema (Windows ou OS X) exibe os dados EXIF nos respectivos gerenciadores de arquivos e links para apagá-los.

No smartphone, que é o local que nos importa, apps como TrashExif (iOS) e EZ UnEXIF Free (Android) fazem o serviço. Você pode se antecipar e mexer nas configurações de ambos os sistemas a fim de que eles não salvem informações comprometedoras. Aqui ensina como fazer.

Todas essas dicas são válidas e ajudam a blindá-lo contra possíveis situações chatas – para dizer o mínimo. O principal, e tão importante que vale repetir o alerta, é estar ciente do interlocutor, da pessoa com quem você compartilha tamanha intimidade.

O amor incondicional de hoje pode virar frustração e raiva em um momento futuro, e esses sentimentos, serem canalizados em ações baixas, como o revenge porn. Nenhuma vítima disso esperava que fosse acontecer, o que nos dá uma dimensão de como somos pessoas imprevisíveis.

Eu sei que duvidar do parceiro pode dar aquela broxada, então a confiança é, além de importante no contexto racional da coisa, um ingrediente indispensável para ter prazer no sexting. Ela é a famosa união do útil ao agradável.

Dizem que há algo de afrodisíaco no risco, mas não se deixe levar totalmente por essa ideia. Mande nudes, troque sacanagens por texto, curta com seu parceiro quando vocês não estiverem fisicamente juntos, mas se a preservação da sua privacidade e intimidade é algo importante para você, não faça isso com qualquer um.

Não existe tecnologia capaz de vencer a vontade de fazer o mal do ser humano.