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quarta-feira, janeiro 13, 2016

A história do Charlie Show Clube


Em pé: Paulinho Cão, Glauber, Donga, Paulo Pacu, Caboquinho e Petrônio. Agachados: Coteiro, Chicuta, Zé Brilha, Zezinho Alnecy, Hiran Queiroz e Pinto.

Agosto de 1974. No mesmo mês em que o Murrinhas do Egito era fundado, no canto das ruas Parintins e Borba, na média Cachoeirinha, para se transformar em uma das sensações do Peladão daquele ano, em outra parte do bairro, mais precisamente no canto das ruas Maués e Codajás, uma outra turma de moleques, capitaneada por Donga e Hiran Queiroz, sonhava com um projeto ainda mais ambicioso: se transformarem nos “Harlem Globetrotters” dos peladeiros do bairro.

Um dos moleques mais novos da turma, Afonso Pavão (irmão caçula do folgado Tobias), na época um pivete de 13 anos, vinha se destacando desde os oito anos pelas gaiatices que fazia com uma bola no pé. No começo, ele era chamado de “Zé Bonitinho”, depois foi rebatizado de “Charlinho” (em homenagem ao Charles Chaplin) e, finalmente de “Charlie Show”. Mas Afonso Pavão só sabia fazer isso: malabarismos impressionantes com uma bola no pé. Foi o precursor do Red Bull Street Style, a Copa do Mundo de Futebol Estilo Livre. Em homenagem às façanhas do moleque, o novo time foi batizado de “Charlie Show Clube”.

A equipe principal era formada por Glauber (goleiro), Donga, Paulinho Cão (meu ex-companheiro no infanto-juvenil do São Raimundo), Paulo Pacu e Caboquinho. Dos zagueiros, o que menos batia seria professor honoris causa dos vascaínos Brito e Moisés. No meio-campo, dois volantes carniceiros (Pinto e Zé Brilha) e um divino Ademir da Guia (Mário Pombão) armando o time. No ataque, três baixinhos estilo Romário, mas com piques de velocistas jamaicanos: Chicuta, Coteiro e Hiran. No banco, Zezinho Castanheira, Zezinho Alnecy, Petrônio, Américo, Valdir e Tuca. 

A tática do time era simples: tomar a bola do adversário na base do sarrafo, passar para o Mário Pombão e aguardar o lançamento dele para o campo adversário. Dos três baixinhos, o que chegasse primeiro na bola só ia parar dentro do gol do adversário tal a velocidade de cruzeiro dos filhos da puta. Além de velocista, Coteiro era um excelente cabeceador e, por ser ambidestro, chutava forte com os dois pés. Chicuta e Hiran Queiroz eram habilidosos dribladores e gostavam do chute colocado. Juntos, os três eram uma usina de gols permanente.

A primeira façanha do Charlie Show Clube: ganhou um torneio patrocinado pelo Fast Clube, no campo do Fast Clube (onde hoje está a Semsa, na Rua Recife), vencendo o time infanto-juvenil do Fast Clube, na partida final, por 2 a 1 (gols de Chicuta e Hiran). O time infanto-juvenil do Fast Clube, campeão amazonense da categoria na época, era treinado pelo professor Nazareno, que deu muitas “alegrias” aos moleques do Colégio Estadual Rui Araújo.

Empolgados com a presepada, a molecada do Charlie Show Clube resolveu testar sua força no competitivo campeonato infanto-juvenil realizado no campo do Albatroz (atual “Gilbertão”), que reunia 24 equipes. Durante três anos seguidos, de 1975 a 1977, eles foram vice-campeões, perdendo todas as três finais para o invocado Barés Futebol Clube.

Desistiram da empreitada e resolveram voltar à concepção original: ser um time de demonstração do futebol-arte e excursionar pelo interior do estado. O acerto era simples: reuniam jogadores, torcedores e familiares, faziam uma “vaquinha”, fretavam um barco e saíam em busca de emoções fortes pelos rios, furos e paranás no entorno da cidade.

Uma das paradas mais indigestas foi encarar um torneio patrocinado pelo Botafogo, de Terra Nova, valendo um novilho. Havia 32 times inscritos. Jogos de 20 minutos sem mudança de campo, no estilo mata-mata. O torneio ia começar às 8 horas da manhã de um sábado e se prolongar até às seis horas da tarde, porque o campo na beira do rio não possuía refletores. Se ocorresse algum atraso (por exemplo, a bola caiu no rio e ninguém conseguiu pegar de volta, aconteceu um dilúvio torrencial e umas das traves – de samaumeira – foi atingida por um relâmpago, um jogador foi se molhar no rio e levou uma ferrada de arraia, alguém foi esfaqueado durante uma discussão banal por conta de um erro do juiz, essas coisas), o torneio seria reiniciado no dia seguinte.

O Charlie Show Clube era o solitário representante de Manaus. Os demais times eram oriundos do Manaquiri, Catalão, Careiro da Várzea, Careiro-Castanho, Iranduba, Janauary, Cuieiras, Recanto do Buriti, Pau Rosa, Boqueirão, Comunidade do Jacaré, Lago do Limão, etc. Na hora dos capitães de equipes se reunirem com os juízes para acertar os detalhes do torneio, Donga resolveu bagunçar o coreto:

– Olha, moçada, desculpem qualquer coisa, mas, na real, a gente só veio aqui pegar esse novilho pra fazer um churrasco na Cachoeirinha porque está faltando carne na cidade...

Automaticamente, o time manauara virou a equipe a ser batida pelas outras 31 equipes do torneio, já que os caboquinhos não eram bestas de deixar aqueles folgados da capital colocarem a mão no prêmio. O torneio foi uma verdadeira guerra, com os jogadores do Charlie Show Clube sendo caçados em campo sob a vista grossa dos juízes para delírio da torcida local. Fazendo das tripas coração, o time do Donga venceu três partidas no tempo normal e se classificou para a grande final contra o próprio Botafogo, quando um temporal diluviano suspendeu a competição. A partida foi remarcada para a manhã de domingo.

Na manhã de domingo, outra surpresa: havia novamente 31 equipes inscritas (“são os retardatários de ontem”, explicou candidamente seu Godofredo, o organizador do torneio). O time da Cachoeirinha não quis aceitar a mudança no regulamento. Discute daqui, discute dali, o salseiro se formando, até que Hiran Queiroz reuniu a equipe e cantou a pedra:

– Bem, moçada, pra que já está no inferno não custa nada dar um abraço no Cão... Vamos à luta!

O Charlie Show Clube continuou vencendo suas partidas no tempo normal quando, por volta das 16 h, seu Godofredo parou a competição com outra novidade.

– Olha, como acabam de se inscrever mais 12 equipes, a disputa agora vai ser na base do pênalti...

O torneio se transformou num ganha-chama à base de pênalti, com o Charlie Show Clube ganhando e chamando seus adversários. Não havia a menor hipótese de os folgados da capital colocarem a mão no prêmio. A tarde já estava escurecendo e a ladainha continuava a mesma: Chicuta batia no canto, fazia o gol, Glauber ia para o gol, defendia a cobrança, o Charlie Show Clube ganhava mais uma e já havia outro adversário em campo. Na verdade, eles ficariam naquela ladainha durante uma semana se o capitão Donga não enquadrasse seu Godofredo:

– Chefe, vamos fazer o seguinte: vamos considerar os dois times campeões, matar esse novilho e fazer um churrasco aqui mesmo. Não vamos levar porra nenhuma pra Manaus!

Seu Godofredo concordou com a decisão salomônica, o churrasco foi feito, o Charlie Show Clube voltou pra Manaus por volta das 9 h da noite e nunca mais quis jogar na Terra Nova.

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