Paulo Mendes
Campos
Nossa
Senhora da Paz, da praça do meu amor de Ipanema, santa luminosa de meu
descaminho, eu tenho, confesso, engrandecido, quase tudo nesta vida. Tenho a
esperança de não ser uma crispação permanente. Tenho quase a certeza de ser,
tão-só, um espantalho, batido de chuva e de vento, nas areias movediças da
Guanabara.
Tenho a
consoladora certeza de não ser grande coisa. Nem tão mau quanto imaginam. Nem
tão perdoável quanto diz o meu amigo. Sou só ansiedades que me esbraseiam. E às
vezes me consomem. Ansiedades de que extraio, como de uma vaca doméstica, meu
precário equilíbrio.
Tenho a
confiança. Doce e furiosa. Tenho a confiança dramática no homem que se escreve
com o agá minúsculo do anonimato.
Nossa
Senhora da Paz, da praça do meu amor de Ipanema, tenho tantos defeitos. E tenho
convicções ardentes e simples.
Creio na
Pátria, Nossa Senhora. Creio no óleo da Pátria. Creio no coração da Pátria.
Creio principalmente nas entranhas da Pátria.
Creio no
cara do Norte. Creio no cara do Sul. Creio na gente songamonga do Araguaia.
Nada de
essencial me falta, Nossa Senhora da Paz. Um cavalo talvez. Uma roça. Mas deixa
isso pra lá.
Filhos,
tenho dois. Tenho livros. Tenho discos. Tenho o sentimento do mundo. Tenho – tantas!
– lembranças. Lembranças vermelhas, azuis, negras e cinzentas. Até lembranças
alaranjadas eu tenho.
Tenho uma
melancolia paciente. Salvo em certos dias de névoa seca, quando Maria gosta de
voltar.
Para o
animado martírio do verão carioca, tenho uma excelente geladeira. Tenho vinho tinto
dentro de uma arca. Tenho um aparelho de fondue. Tenho fotografias engraçadas.
Tive ainda mãe.
Tenho,
Senhora, esta máquina de escrever e uma outra. E irmãos. E amigos. E um pai que
bebe cerveja comigo. E a mulher.
Tenho até
janela para o mar. A poucos metros daqui é o oceano de que os mineiros tanto
gostam.
Como se vê,
Nossa Senhora da Paz, Nossa Senhora da Praça do meu amor de Ipanema, não me
lamento. De profundis clamavit, mas
não me lamento. Não me lamentaria nunca, se não me faltasse um elemento. Um
elemento indispensável ao rico e ao pobre, à indústria e ao campo, ao ócio e ao
amor, ao sofrimento e à ilusão.
Nossa
Senhora da Paz, não tenho tempo. Tenho tudo. Mas não tenho tempo.
Vou vendo os
ônibus a caminho da cidade. Vou vendo os barcos a caminho do mar. Vou vendo os
aviões a jato, tão ativos nas suas rotas. Vou vendo os homens falando e programando.
Mas eu não vou. Fico sempre à beira do cais. Fico sempre à beira de mim. Sem
poder seguir a viração do meu dever. Sem seguir a tempestade do meu destino.
Pois não tenho tempo.
Decerto,
grato reconheço, ao ser distribuída a loteca do mundo, muitas coisas foram
colocadas em meu percurso. Muitas e variadas. Mas não ganhei tempo. Não
ganhei, pelo menos, a qualidade de tempo que se casasse comigo, que me servisse
como calça, que estivesse de acordo com meu corpo pequeno. Ou com o meu
extraviado pensamento.
O tempo. O
tempo me sobra demais ou me falta. Uma branca eternidade de horas atadas. Uma
braçada de horas iguais e inúteis. Ou esta pausa indefinida de quem espera o
beijo de um anjo. Ou a campainha de um telefone.
Nossa
Senhora da Paz, da praça do meu amor de Ipanema, nunca me deram tempo. Acho que
nunca terei tempo.
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