No início de 1987, vários parintinenses residentes em Manaus começaram a frequentar o Bar do Jô, localizado no Conjunto ICA-Maceió, nas proximidades do Colégio Leonor Mourão. Era um boteco de dimensões modestas, mas que possuía um imenso quintal paradisíaco. Entre os primeiros frequentadores do Bar do Jô estavam Afrânio, Ary Cavalcante, João do Carmo, o “Careca”, Fernando, Ariosto, Asa, Arlindo Jr., Chiquinho, Laurinho, Kaká Ferreira e Dodozinho Carvalho, todos eles torcedores do bumbá Caprichoso. No quintal do boteco, eles tocavam as toadas do touro negro e promoviam bingos, rifas e sorteios visando arrecadar recursos para futuramente adquirir instrumentos para a Marujada de Guerra. Até então os ritmistas do touro negro utilizavam muitos instrumentos emprestados pelo GRES Vitória Régia, da Praça 14, que tinha como presidente o empresário João Braga Neto, também torcedor do Caprichoso.
Na mesma rua do Bar do Jô, distante uns 50 metros do
boteco “caprichoso”, o chefe de gabinete da juíza trabalhista Lucy Stone,
Arlindo Jorge Mubarac, um dos fundadores do GRES Andanças de Ciganos, montou um
barzinho para ser administrado por Rômulo, seu irmão caçula, que havia chegado
de Santarém há pouco tempo e estava desempregado. Infelizmente Rômulo desistiu
da empreitada porque era evangélico e Arlindo Jorge foi obrigado a segurar o
pião na unha. Como era conhecido no bairro da Cachoeirinha como “Bode”, Arlindo
Jorge fez uma corruptela da palavra “bodega” ironizando seu próprio apelido e
batizou o botequim de Bar do Bodeco.
Sem ter a menor ideia da rivalidade existente entre os
bumbás de Parintins, Arlindo Jorge pintou casualmente o piso do Bar do Bodeco
de “vermelhão” e rapidamente ele se transformou em ponto de encontro dos torcedores
do bumbá Garantido. Os próprios frequentadores do Bar do Jô começaram a se
referir ao Bar do Bodeco como “bar do contrário” e os torcedores do touro
branco compraram a ideia. Eles passaram a frequentar o boteco para tocarem as
toadas de seu boi favorito. Movido pelas circunstâncias, o dono do Bar do
Bodeco acabou se transformando em torcedor do Garantido.
Nesse meio tempo, o conhecido Sacy da Pareca também
abriu um barzinho na rua Ramos Ferreira, nas imediações da quadra do GRES
Mocidade Independente de Aparecida, e liberou o espaço para os brincantes dos
dois bumbás, sem nenhum tipo de favoritismo. Se nos bares da ICA-Maceió o
forrobodó rolava com instrumentistas tocando ao vivo, no bar do Sacy da Pareca
quem comandava o embalo eram as fitas cassetes gravadas artesanalmente durante
os festivais de Parintins, muitas delas de excelente qualidade. Entre os
primeiros frequentadores do boteco estavam Ary Cavalcante, Laurinho, João do
Carmo, o “Careca”, Afrânio, Ladico, Sucuba (irmão do futuro senador João Pedro
Gonçalves) e Julhão Viana.
Foi tendo esses três botecos como epicentro que a
febre do bumbás de Parintins começou a se alastrar por Manaus que nem um
tsunami, a partir da propaganda boca a boca dos frequentadores habituais e dos
cristãos novos convertidos para a causa. De uma hora para outra, cerca de 200
pessoas começaram a bater ponto nessas improvisadas rodas de toadas, sempre nas
tardes de sábado, e os botecos ficaram pequenos para acomodar tanta gente
interessada em conhecer melhor a brincadeira do “dois pra lá, dois pra cá”. Era
necessário encontrar um novo espaço.
Um dos primeiros a perceber o potencial da brincadeira
dos bumbás como entretenimento de massas na capital amazonense foi João do
Carmo, o “Careca”, funcionário de carreira do Ibama e pesquisador das tradições
indígenas na Amazônia. Toda noite de terça-feira, ele reunia uma parte da
colônia parintinense residente em Manaus para esmiuçar o assunto. As conversas
aconteciam em sua própria residência, na rua Ramos Ferreira, no famoso “Buraco
do Pinto”.
– Olha, minha gente, essa onda do bumbá de Parintins
vai pegar pra valer aqui em Manaus e nós precisamos nos preparar direitinho para
não perder o controle da brincadeira! – vaticinava Careca. – Nós temos tudo
para transformar Manaus numa excelente vitrine para o Festival Folclórico de
Parintins!
Por sugestão do anfitrião, os torcedores do Caprichoso
resolveram criar uma entidade jurídica denominada “Movimento Marujada”, cujo
principal objetivo expresso nos estatutos seria contribuir finaceiramente para
a manutenção da Marujada de Guerra do touro negro. O trabalho dos “marujeiros”
seria voluntário. Entre os fundadores do Movimento Marujada estavam Sérgio
Viana, Rogério Roça, Afrânio Gonçalves, Pedro José, João do Carmo, Roberto
Santiago, Patrocínio, Wallace Maia, Chiquinho Severino, Henrique Medeiros,
Renato Azedo, Norma Elaine, Lene Medeiros, Ângela Garcia, Edinalda, Edna, Tio
Mazinho, Varlene Cid, Beto Medeiros, Dalva Andrade, Asa, Mariano, Kaká
Ferreira, Laurinho, Carlos Nery, Ariosto, Mercinha, Fernando Marinho, Zezinho Cardoso,
Cabo Cecílio, Lélio Lauria e Dodozinho Carvalho.
No início de 1988, o vendedor de seguros Ademir Matias,
que também era cozinheiro nas horas vagas, perdeu o emprego por causa da crise
econômica deflagrada pelo Plano Bresser e resolveu se virar nos trinta arrendando
o restaurante dos funcionários da Delegacia Regional do Ministério da
Agricultura, localizada na rua Maceió. Amigo de Ademir há vários anos, Tio
Mazinho descobriu que o restaurante não funcionava nos dias de sábado e sugeriu
ao empresário-cozinheiro que o espaço fosse utilizado como palco da brincadeira
de boi durante aquela folga semanal. A sugestão foi levada aos dirigentes da
autarquia, que aprovaram a ideia. Nascia o Bar do Boi, que tinha na linha de
frente Kaká Ferreira, Rogério, Ademir, Jonas e Tio Mazinho, todos do
Caprichoso. O pessoal do Garantido não quis participar oficialmente da administração
do boteco, mas tinha espaço cativo nas rodas de toada. Cerca de 500 pessoas
começaram a frequentar semanalmente o panavueiro.
Em meados de 1990, num incidente até hoje mal
explicado, um dos seguranças do Bar do Boi matou a tiros um dos frequentadores
do boteco e o assunto foi explorado à exaustão pela mídia sensacionalista. Os
dirigentes da autarquia federal acabaram com o Bar do Boi na mesma hora. Os torcedores
do bumbá Caprichoso ficaram sem pai nem mãe.
Para sorte deles, no início daquele mesmo ano o empresário José Azevedo, da TV Lar, comprou o Caiçara Clube de Campo, dos funcionários da Reman (Refinaria de Manaus), para transformá-lo na TVlândia, o clube campestre de seus funcionários. O contador de José Azevedo era o parintinese Wallace Maia, do Movimento Marujada. Foi ele que cantou a pedra:
Para sorte deles, no início daquele mesmo ano o empresário José Azevedo, da TV Lar, comprou o Caiçara Clube de Campo, dos funcionários da Reman (Refinaria de Manaus), para transformá-lo na TVlândia, o clube campestre de seus funcionários. O contador de José Azevedo era o parintinese Wallace Maia, do Movimento Marujada. Foi ele que cantou a pedra:
– Os funcionários da TV Lar não estão nem aí para o
clube, mas o “seu” José Azevedo que dar uma função social ao espaço. Formem uma
comissão para falar com ele. De repente, o empresário pode ceder a TVlândia
para o Bar do Boi.
Dito e feito. O empresário deu carta branca aos
dirigentes do Movimento Marujada. Por falta de manutenção, entretanto, a
TVlândia estava muito deteriorada, precisando urgentemente de reparos nas
instalações elétricas e hidráulicas. Apresentador do Caprichoso e então
secretário municipal de Comunicação, o jornalista Marcos Santos cantou a pedra:
– O prefeito Artur Neto é torcedor do Caprichoso.
Formem uma comissão para falar com ele. De repente, o prefeito pode dar uma
força na infraestrutura do Bar do Boi.
Dito e feito. No comando da comissão estava a
estudante de jornalismo Goreth Garcia. O prefeito não só garantiu uma completa
reforma nas instalações da TVlândia como também acabou conquistando o coração
da estudante de jornalismo, com quem depois casou e teve um casal de filhos.
Na TVlândia, o Bar do Boi começou a se transformar em
um verdadeiro entretenimento de massas, atraindo mais de 4 mil pessoas nas
tardes de sábado. Os itens oficiais do touro negro (Cunhan-Poranga, Rainha do
Folclore, Porta-Estandarte, Levantador de Toadas, Amo do Boi e o próprio bumbá
Caprichoso) começaram a fazer pequenas apresentações especiais durante o evento
e a brincadeira foi lentamente conquistando os corações e mentes dos manauaras.
Nesse meio tempo, o bumbá Garantido resolveu fazer seu
próprio “bar do boi” a partir da criação informal da associação “Amigos do
Garantido”, inspirada no Movimento Marujada. O principal objetivo da associação
era ajudar financeiramente a Batucada do touro branco. Nos primeiros anos, por
uma série de circunstâncias, o Curral do Garantido – como ficou conhecido o
evento promovido pelos Amigos do Garantido – não conseguiu se firmar em um
local específico, o que desagradava seus torcedores e provocava uma baixa
participação popular nas apresentações do touro branco. O curral começou no
Clube Municipal, na Av. Torquato Tapajós, depois se mudou para o ginásio do
Atlético Rio Negro Clube, no centro da cidade, depois foi para a quadra do GRES
Mocidade Independente de Aparecida, e assim por diante.
O nomadismo do boi da Baixa de São José só teve um
ponto final em 1996, por interferência direta de Arlindo Jorge Mubarac, o
fundador do Bar do Bodeco. Colega de setor de Arlindo Jorge no Tribunal
Regional do Trabalho, o advogado Almerinho Botelho era presidente do Olímpico
Clube. Arlindo era sócio do clube. Durante uma conversa informal entre os dois,
Arlindo cantou a pedra:
– Porra, Almerinho, o Garantido não possui um curral
fixo e vive se mudando de um lado pra outro que nem bosta n’água. Teria algum
problema se os ensaios do boi fossem realizados no Parque Aquático do Olímpico
Clube?
– Não vejo problema nenhum, parceiro! – explicou o
advogado. – Pede pro pessoal do Garantido me procurar que eu converso com eles!
Dito e feito. Arlindo Jorge relatou sua conversa para
Junior do Garantido, ele falou com o resto da galera vermelha e branca, uma
comissão do touro branco foi conversar com o advogado e os ponteiros foram
acertados. No coquetel para o anúncio da nova parceria, com a presença de Zé Walmir,
presidente do bumbá Garantido, foram expedidos 150 convites, mas compareceram
mais de mil pessoas. Ficou acordado também que o curral do Garantido
funcionaria às sextas-feiras.
Naquele mesmo ano foi fundado oficialmente o Movimento
Amigos do Garantido (MAG), cujo principal objetivo expresso nos estatutos seria
contribuir finaceiramente para a solidificação patrimonial e estrutural o bumbá
Garantido. O MAG se tornou responsável pelos ensaios oficiais do boi em Manaus,
incluindo a administração do curral no Olímpico Clube. Entre os fundadores do
MAC estavam Mencius Melo, Marco Aurélio Medeiros, Brito do BEA, Marconi Jucá, Pampico
Bulcão, Edjander Mota, Maurício Filho, Liduína Moura, Roseani Novo, Julhão
Viana, David Melo, Welciane Jacintho, Felipe Novo, Marcos Cohen, Izoney Thomé,
Rivaldo Pereira, Val Batuel e Amarildo Teixeira. No primeiro evento realizado
no Olímpico Clube foram vendidos 4 mil ingressos. O touro branco havia
encontrado uma vitrine à altura de suas tradições.
Em outubro de 1998, por iniciativa do vice-prefeito de
Manaus Omar Aziz foi realizada a 1ª edição do Boi Manaus como parte das
celebrações oficiais pelo aniversário da capital amazonense, comemorado no dia
24 de outubro. A ideia era misturar o ritmo das toadas de boi-bumbá à alegria
contagiante dos carnavais fora de época, as conhecidas micaretas, como forma de
valorizar os representantes legítimos da nossa cultura regional. Durante três
dias consecutivos, o Sambódromo se transformou em palco para milhares de
pessoas que cantaram, brincaram e dançaram ao som das toadas. O sucesso foi tão
grande que o Boi Manaus foi incluído no calendário oficial de turismo da
cidade.
Como na micareta, o Boi Manaus tem desfiles de
levantadores de toadas e bandas de boi-bumbá, seguidos por cerca de 100 mil
brincantes e simpatizantes em cada noite, vestidos de tururi – uma espécie de
abadá nativo que identifica a preferência dos brincantes por determinado
artista. O tururi também serve como ingresso para as tribos acompanharem o trio
elétrico de seu artista ou grupo favorito na pista do Sambódromo. Quem não
compra o tururi pode assistir a festa das arquibancadas, com capacidade para 120
mil pessoas, cujo acesso é gratuito.
No início de 1999, cacifado pelo sucesso estrondoso do
Boi Manaus, Omar Aziz se reuniu com os representantes do MAC e da Marujada de
Guerra e cantou a pedra:
– A brincadeira de vocês já conquistou os manauaras,
mas o crescimento da festa está sendo prejudicado pelo limitado espaço físico dos
atuais currais no Olímpico Clube e na TVlândia. Minha sugestão é que vocês
utilizem o Sambódromo tal como nós fizemos no Boi Manaus. Eu já conversei com o
prefeito Alfredo Nascimento e com o governador Amazonino Mendes e eles
aprovaram a ideia. Nós vamos fornecer toda a infraestutura necessária para as
apresentações semanais. A meta de vocês é colocar 50 mil pessoas no Sambódromo
para brincar de boi e dar uma função social para aquele “elefante branco”...
Os dirigentes das duas associações aceitaram o desafio,
mas acordaram em fazer suas apresentações em semanas alternadas: num sábado funcionaria
o curral do Caprichoso, no outro, o curral do Garantido. O resto, conforme se
diz, é história.
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