Por Rubem Braga
Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de
que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará
até as entranhas.
Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar,
e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs
no seio da noite. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas
tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no
meio de tuas iniqüidades e de tua malícia. Sem Leme, quem te governará? Foste
iníqua perante o oceano, e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas.
Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam
diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão. E os
escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua
face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um
bando de carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as
muralhas ruirão.
E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas as
tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde
Menescal até Alaska. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu
terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.
Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras
refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do
verão.
Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto,
pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação. Tuas
donzelas se estendem na areia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a
tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência.
Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza,
porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.
Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas
estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado
o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas
linhas dos altos do Babilônia.
E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão
libertados para todo o número de suas gerações.
Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e
levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de
vossos pecados?
Antes de te perder eu agravarei tua demência — ai de ti,
Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões
de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água
salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.
E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: reserva
para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre
algas, ela habitará.
E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas na
casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres
silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos
cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas. Pois grande foi a
tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se incendiou o
Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não
vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.
A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e
a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes se coagularam as
lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará. Assim qual escuro alfanje a
nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão;
porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus
bares.
Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e
aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em
verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de
máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre
ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!
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