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terça-feira, janeiro 16, 2007

A Poesia Xamânica do Beatnik Surrealista


Sim, há leitores que, há pouco mais de quatro décadas, engalfinharam-se em livrarias por uma obra de poesia. Era 1963 e a pequena editora Massao Ohno lançava "Paranóia", livro que, com acidez e liberdade estética, como dito e repetido desde então, perfazia a gênese da cidade de São Paulo, a uma vez louvando e maldizendo suas ruas e avenidas. Lançava-o para vê-lo esgotado em duas velozes semanas.

Roberto Piva, seu autor, era então um jovem recém-passado dos 20 anos, muito diferente do senhor que agora vê suas obras quase completas relançadas pela editora Globo. Afora uma e outra desejável omissão, seus poemas ressurgem reunidos em três volumes, o primeiro dos quais, "Um Estrangeiro na Legião", tem posfácio de seu ex-parceiro daqueles anos loucos e também poeta Cláudio Willer.

Aqueles leitores da década de 1960 – sem dúvida, em matéria de poesia, os que mais se aproximariam do que se pode chamar de "fanáticos" – talvez se entristecessem ao ver Piva trancafiado em seu apartamento na Santa Cecília, já descrente da vida que pulsa nas ruas. Das ruas, segundo denunciam suas janelas fechadas e empoeiradas, só lhe alcança o som das buzinas. Das calçadas, quem sabe, um ou outro leitor, um ou outro aspirante a poeta, a tocar-lhe de surpresa o interfone.

Solitário, Piva se cansou da cidade em cujas praças e parques despejou seu verbo e, não fosse a falta de dinheiro, já teria se retirado para morar "no meio do mato, num sítio qualquer", em suas mais apoéticas palavras. "Não sou um poeta da cidade; sou um poeta na cidade", retifica o paulistano de nascença, para possível aflição dos que nele leram o Walt Whitman desta metrópole ou o Rimbaud de um céu mais cinzento.

Resta-lhe, entretanto, ainda que por vezes com amargura semelhante, ler os poemas que retira das pilhas de livros que ocupam seu apartamento, de Murilo Mendes a Federico García Lorca, passando por Dante Alighieri. E resta-lhe também, quando atiçado, conversar sobre eles e sobre ela, sua fiel companheira, a poesia.

"A poesia, dizia André Breton, é a mais fascinante orgia ao alcance do homem. E Freud explicava que ela liberta as nossas tensões psíquicas", ensina Piva, aproveitando para explicar o modo como lhe sobrevêm os poemas. Escreve em "iluminações", em "surtos", que curiosamente acumulam-se em intervalos de 12 em 12 anos. Os três volumes que a Globo lança agora correspondem justamente a seus três principais surtos, como explica Alcir Pécora, organizador da publicação.

O primeiro, "de viés beat, whitmaniano e pessoano"; o segundo, "de traços psicodélicos e experimentais"; o terceiro, "místico e visionário", todos nas palavras de Pécora. A poesia tem de ser assim, em surtos? "A minha poesia tem de ser assim", responde Piva. "Ou melhor", corrige, após segundos de silêncio, "é assim".

Em todos os seus surtos existiria a mesma necessidade de transgressão que havia no primeiro? "Não, depende do ritmo, da iluminação do momento, da contemplação. Poesia não é coisa programada", anuncia, para novamente deixar imperar o silêncio enquanto pensa. "A poesia não é lógica. É analógica", despeja.

Mas é um instrumento adequado para combater "as odiosas convenções sociais", como anunciara no posfácio de "Piazzas", que praticamente constituía um manifesto de suas intenções, éticas ou estéticas? "Sim, desde que não seja engajada e programática". E emenda: "poesia, como dizia Octavio Paz, é uma arte minoritária. E uma minoria deixa de ser minoria quando tem a posição transgressora correta".

O silêncio volta a protagonizar o ar do claustrofóbico apartamento. O mote da conversa talvez estivesse, de fato, exasperado. Talvez não merecesse mais palavras ditas. Piva, no entanto, tem algo mais a pontuar, quem sabe conferindo sentido e redenção a tudo aquilo: "A poesia é um caminho que exige vocação e sacrifício. Mas tem suas alegrias também".

Jorge de Lima, panfletário do Caos

Foi no dia 31 de dezembro de 1961 que te compreendi Jorge de Lima
enquanto eu caminhava pelas praças agitadas pela melancolia presente
na minha memória devorada pelo azul
eu soube decifrar os teus jogos noturnos
indisfarçável entre as flores
uníssonos em tua cabeça de prata e plantas ampliadas
como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e como tua boca
palpita nos bulevares oxidados pela névoa
uma constelação de cinza esboroa-se na contemplação inconsútil
de tua túnica
e um milhão de vagalumes trazendo estranhas tatuagens no ventre
se despedaçam contra os ninhos da Eternidade
é neste momento de fermento e agonia que te invoco grande alucinado
querido e estranho professor do Caos sabendo que teu nome deve
estar com um talismã nos lábios de todos os meninos

Paranóia (1963)


Os anjos de Sodoma

Eu vi os anjos de Sodoma escalando
um monte até o céu
E suas asas destruídas pelo fogo
abanavam o ar da tarde
Eu vi os anjos de Sodoma semeando
prodígios para a criação não
perder o ritmo de harpas
Eu vi os anjos de Sodoma lambendo
as feridas dos que morreram sem
alarde, dos suplicantes, dos suicidas
e dos jovens mortos
Eu vi os anjos de Sodoma crescendo
com o fogo e de suas bocas saltavam
medusas cegas
Eu vi os anjos de Sodoma desgrenhados e
violentos aniquilando os mercadores,
roubando o sono das virgens,
criando palavras turbulentas
Eu vi os anjos de Sodoma inventando a
loucura e o arrependimento de Deus

Paranóia (1963)


Visão de São Paulo à noite
Poema Antropófago sob Narcótico

Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada
sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cú nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos
beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola
eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta
chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
e o Estrondo

Paranóia (1963)


Paranóia em Astrakan

Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo seus olhos com
lágrimas invulneráveis
onde crianças católicas oferecem limões para pequenos paquidermes
que saem escondidos das tocas
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
estéreis e incendeiam internatos
onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
última janela
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorróidas das
beatas
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
imaginação

Paranóia (1963)


O Inferno Musical

As horríveis pianolas
de câncer
descendo várias semínimas
até o Galo
ondas do meu agrado
& sempre
sonorizando a Hora Premeditada
OS QUINZE VELOCÍPEDES
NA LADEIRA
DO AMOR
como um Mar de bocas
tóxicas de Sagitário
ondulando nas almas
que dançam despidas
MONSTROS GIRATÓRIOS


Piazzas (1964)


Piazza V

Oswald Spengler tem uma
porta no seu tornozelo
& nuvens através dele
limpando a pele
que projeta
um velho cachecol marrom
em seu olho
eu penso
pelos seus
líquidos compassos de sátiro
até
um cenário de músculos
impedido de esmagar
o carvão de
vidro verde
que aquece
a estrela nua de
anteontem
Oswald Spengler tem uma porta no seu tornozelo
batendo
até
altas horas

Piazzas (1964)


Ganimedes 76

Teu sorriso
olhinhos como margaridas negras
meu amor navegando na tarde
batidas de pêssego refletindo em seus olhinhos de
fuligem
cabelos ouriçados como um pequeno deus de salão
rococó
força de um corpo frágil como âncoras
gostei de você
eu também
amanhã então às 7
amanhã às 7
tudo começa agora num ritual lento & cercados de
gardênias de pano
Teu olhar maluco atravessa os relógios as fontes a tarde
de São Paulo como um desejo espetacular tão
dopado de coragem
marfim de teu sorriso nascosto fra orizzonti perduti
assim te quero: anjo ardente no abraço da Paisagem

Abra os olhos e diga ah! (1976)


Pornosamba para o Marquês de Sade

esta homenagem coincide com a deterioração da
Bastilha Sul-Americana minada pela crise de corações
& balangandãs econômicos onde se mata de tédio o
poeta & de fome o camponês & sobre os pés femininos
se calça a bota de chumbo de várias cores gamadas
com Hitlers de plantão em cada esquina recoberta de
saúvas & amores escancarados como túmulos onde tuas
coxas Marquês, servem de amparo delicado para o
garoto que chupa teu pau enquanto uma mulher ruiva
te cavalga Assim, anotemos o nome da
vítima-orgasmo-blasfêmia antes que as araras entrem
na orgia com seus estimulantes bicos recurvos & um
estratagema de cipós afague os sóis da desolação
quotidiana em nível de Paraíso A noite é nossa Cidadão
Marquês, com esporas de gelatina e pastéis de esperma
& vinhos raros onde saberemos localizar o tremor a
sarabanda de cometas o suspiro da carne

Coxas (1979)


1 - OS ESCORPIÕES DO SOL

O adolescente ajoelhou-se abriu a braguilha da calça de
Pólen & começou a chupar.
Eram 4 horas da tarde do mês de junho & o sol batia no
topo do Edifício Copan suas rajadas paulistanas onde Pólem
& luizinho foram fazer amor & tomar vinho.
O adolescente vestia uma camiseta preta com o desenho no
peito de um punho fechado socialista, calças Lee desbotadas
& calçava tênis branco com listras azuis. Você é minha
putinha, disse Pólen. Isso, gritou Luizinho, gosto de ser
chamado de putinha, puto, viado, bichinha, viadinho ah
acho que vou gozar todo o esperma do universo!
Neste instante um helicóptero do City Bank aproximava-se
pedindo pouso & os dois nem ligaram continuando com
suas blasfêmias eróticas heróicas & assassinas.
O guarda que estava no helicóptero então mirou & abriu
fogo.
Luizinho ficou morto lá no topo do Edifício Copan com
uma bala no coração.
Por onde é preciso começar?
Pólem não sabia mas seu olho sabia, sua mão sabia, sua
política cósmica sabia.
Hermafrodita morto no musgo mais alto. Suas baleias de
ternura, suas tranças do mais puro ouro, suas sardas em
torno do narizinho meio arrebitado & insolente.
Luizinho era uma sombra dentro do seu coração anarquista
& rápido suas lágrimas quebraram o aço dos elevadores com
seus guinchos de múmias eletrificadas ondas de reflexos
polaróide em frente à Igreja da Consolação rostos picados
nos escritórios & seus violinos enfadonhos, o amor
começaria por uma perda?
A atmosfera cor de azeitona era um alívio para o coração
metralhado pela dor construída ao crepúsculo doente em
cargas elétricas & surdas feitas de veludo & espinhas de
peixe um rodízio de aberrações crispou o rosto de Pólem
que agora tomou um ônibus & percorreu São Paulo num
suspiro rodando & rodando por aquela massa cinzenta do
capitalismo periférico sem escapatória & suas grandes asas
cobriam o Sol & seus escorpiões.
Enquanto isso os cinemas sofriam ataques contínuos de
office-boys armados com estilingues & bolinhas de gude &
partilhavam da turbulência do Grande Terror com
máscaras feitas de folhas de bananeiras & bermudas
justíssimas onde podia-se ver magníficas coxas & lindos pés
descalços com tornozelos rodeados com florzinhas amarelas
& muitos traziam a palavra COMA-ME costurada na
bermuda na altura do cú.
Naquela tarde todo mundo estava com vontade de nadar
em sangue.
anjos da verdade pensou pólem em sua calma
estranguladora de babuínos agora devem começar as
quermesses com leitões coloridos purê de maçã & delicados
tutús à mineira ostras de Cananéia apimentadas servidas
com retumbantes batidas de Maracujá (a fruta da paixão)
codorninhas recheadas com uvas passas & torresminhos com
queijo ralado o verão bem poderia chegar com seu perfume
de acarajé invadindo os colégios fazendo os adolescentes
terem ereções & as garotas desmaiarem de desejo com seus
pequeninos seios latejantes.
agora
um anjo pousou
em seu ombro
& pólen adormeceu
Quando acordou alguém tinha deixado em suas mãos o
livro As Américas e a Civilização de Darcy Ribeiro & ele
desceu do ônibus para sentar na praça Buenos Aires & ler.
Abriu na página 503 & leu:
"Os Guerreiros do Apocalipse.
Uma vez implantadas as bases do estado-militarista na
América do Norte, uma série de acontecimentos comoveram
a opinião pública, os governantes, os militares, conduzindo
toda a classe dirigente do país a crises sucessivas de
apavoramento e histeria."


APAVORAMENTO Nº 1

dezoito garotos & dezoito garotas foram emparedados vivos
em caixas construídas com chicletes que só Adams fabrica &
tostados dentro de um porão de arsênico & cascavéis.


APAVORAMENTO Nº 2

quinze adolescentes de ambos os sexos foram chicoteados na
bunda por batalhões da TFP que os insultavam enquanto
trezentos rapazes & moças de seita imperialista Hare
Krishna cortavam rodelas de cebola & colavam em seus
olhos.


HISTERIA Nº 1

a confraria reacionária Unidos em Série promovedora de
festivais de telenovelas nas fábricas jogou uma substância
criadora de histeria CBK7 no reservatório de água de um
colégio de freiras & as alunas peidavam 3 dias & 3 noites
sem parar & depois se flagelaram & crucificaram.


HISTERIA Nº 2

setenta adolescentes fascistas do Colégio Objetivo criaram
no laboratório de química (com o auxílio de alguns
professores) uma substância hipnótica cuja finalidade é
levar a vítima ao arrependimento seguido de crises de
misticismo histérico.
Esta substância foi testada no bairro operário da Moóca &
durante 2 meses às 6 horas da tarde na Avenida Paes de
Barros os operários se reuniram para rezar.

Pólen costumava organizar sua vida às quintas-feiras mas
estávamos numa quarta & sua loucura era da pesada sem
distinção de raça credo ou cor & uivava pelas ruas com
duas panteras pintadas em seu peito falando com os amigos
sobre as poesias de Maquiavel, Cesar Borgia, Castruccio
Castracani o herói das galáxias medievais no início da era
burguesa dos chinelos & pincenê agora devidamente
catalogada na Ruína Absoluta sem permeios Kennedyanos
na mexerica & suas pompas fúnebres.
O trombadinha quis saber se Pólen acreditava no lúmpen.
O trombadinha tinha sido descabaçado por um esquimó
bolsista da P.U.C. Pólen declamou doze poemas escritos
contra a C.I.A. O trombadinha queria dar.
Pólem comeu-o ali mesmo, depois de roubar sua camisa.
O trombadinha queria mais.

pólem então chamou seu amigo economista sádico &
classicista & fez ele comer o trombadinha que suspirava
dizia palavrões inflamados pedia para ser cintado e chamado de
Arlete & toda a imaginação delirante de Eros irrompeu no
cérebro do economista que queria ver a vertigem de perto
antes de se converter para sempre ao ateísmo militante
soltando suas farpas contra a figura de Nonô o Curandeiro
padroeiro do trombadinha.

Coxas (1979)


ANTROPOLÍTICA DE ENTREGA EM PROFUNDIDADE

1- Transformar a praça da Sé em horta coletiva &
pública
2 - Acelerar o processo de desinibição
3- Provocar focos revolucionários na confraria reacionária
Unidos em Série
4- Ouvir música tentando conceber o Universo Paralelo
5- Pintar desenhos obscenos nas ruas
6- Desmascarar os limites do mistério
Pólen amou Lindo Olhar debaixo de um ipê roxo junto à
fogueira.
O Agente Cartesiano tentou ganhar Coxas Ardentes no
papo.
O Agente Cartesiano queria um festival de paixões &
sonhava com manufaturas.
O Agente cartesiano tremia ao ouvir palavras como: carga
de espinafre, gavião berolina, fundo da flor, polvo nômade,
saci prancheta, colarinho de gorila, nascido no mato, ovo
de turco.
O Agente Cartesiano foi morto por Coxas Ardentes no
melhor estilo renascentista com anel de veneno & tudo.
A agulha de tricô carismática
(rock balada: letra & música
de Coxas Ardentes)
pele de foca Nabucodicanduras
ganhou uma lebre ao amanhecer
gelou suas patinhas na crista da onda
espetou seu coração no punhal
do engraxate
agora a costela escoteira corre a língua
na bunda adormecida
o punhal é anfíbio
Coxas Ardentes tomou um gole de Kirsch & seus olhos
arderam em lágrimas pensando no hamburguer com bacon
por comer & seus amores passados & a solidão presente em
marcha agônica de Wagner urso do salão Nietzscheano
propiciador de omeletes de queijo com vinho verde &
batucadas pornosambas de Luiz II da Baviera & Peter Gast
tocando zequinha de Abreu ao piano enquanto Cosima Wagner
fritava salsichões vienenses para o grupo de filólogos &
Lou Andreas Salome onde acendeu seu fogo dionisíaco &
pitagórico para além do horizonte de palavras mortais de
Coxas Ardentes que só terá descanso quando estiver nos
braços do Andrógino Antropocósmico.

Coxas (1979)


9- NORTE/SUL

A caravana ladra & os cães passam
você mija na boca aberta da bicha
os anjos quebraram suas coxas no muro do hotel todo
vermelho de susto
o leitão blindado dança no zig-zag de Heronimus Bosch
seu tango de petúnias
o botão de controle da Sala das Torturas
no porão do hospital é um olho parado amarelo
vozes cachos de tâmaras tafetás rasgados de onde salta a noite
gritos de garotos de botas e biquinis
sendo flagelados por vinte putas alucinadas de cocaína
corredores apinhados de gerentes de banco
dando o cú para druidas com os paus embrulhados em
celofane
peidos sintonizados de vinte mil pombas no telhado
La terra trema
galáxias alvejadas derramando seu suco sobre nossas
cabeças
Hitler sacudindo seu pau mole para os Capitães de Areia
locomotivas nas planícies bêbadas de vinho
ilhas magnéticas rolando pelos mares
com seus pássaros exóticos tocando banjo & flauta doce
o garoto sofreu o ataque da ave de rapina chamada Zeus &
seus testículos hipnotizaram a luz do sol vedando a
adoração da luz para os patriotas do pornosamba & suas
matracas tatuadas
La terra trema
a toca do coelho paranóico & sua Baviera de folhas verdes
ronronando até o ponto máximo da febre amarela
Muchachos ragazzi garçons boys garotos com vaselinas-antenas
duplas mãos na escadaria da Pensão Coração Adormecido pés
descalços pisam bocas entreabertas dos irmãos
transbiológicos
travesseiros recheados de penas pornográficas
vôo rasante da última senzala iluminada gargalhando de
esplendor.

Coxas (1979)




Cliente da mucosa

Exu comeu Tarubá & você nunca
foi a Pamaribo
quando garoto eu me impressionei
com o estudo de Lawrence sobre
Edgar Allan Poe
nunca mais esqueci
assim como não esqueci Ferreira da
Silva & nossas leituras de
Sein und Zeit
hoje posso me virar do avesso, amor
como o escorpião que injeta no
seu braço
leites vindouros não jorrados
doce choque na porta de suas tripas
o suor é amigo e concubina
nesse sol maluco que azucrina
& me faz levitar amando as
estrelas derrubadas.

Quizumba


Lamento do Pajé Urubu-Kaapor

antes
de desaparecer
no
túnel
das nuvens
chega o vento
a caixa do céu
se abre
a estrela
no olho às
vezes
é o
coração que bate
estou sozinho
no topo
dos hemisférios

Ilha Comprida, 91

Ciclones (1997)


Revelações

para Jacques Vallée

frio nas fronteiras de topázio
abandonei-me ao mês do Deus do vento
floresce no meu corpo um ponto secreto
entre os cometas vivos do êxtase
Mairiporã, 94

Ciclones (1997

Um comentário:

Anônimo disse...

Certamente, Roberto Piva é um grande poeta. Mas talvez sua poesia deva mais à sua pessoa do que à sua estrutura. Piva copia muito, sem dialogar. César Vallejo e outros. Ademais, deve-se dizer que Piva sempre concedeu muito à cidade de São Paulo e seu esquema de vida: sem Masao Ohno, filho de general, como Piva faria estripulias nas madrugadas da ditadura? O próprio Piva se vangloria de sua esperteza, de sua "costa-quente". Ele preciava de costa-quente para ser um libertino: legal, vou arrumar um amigo batuta para quebrar vidraças e sair na maior. Então estamos acertados: continuamos na mesma, cada um correndo por um lado, na sombra da asa de alguém, e damos a isso o nome de poeta marginal. Sim, Piva não se marginalizou: ingenuidade acreditar que ele tenha sido, alguma vez, poeta marginal: nós é que lhe demos este título, por não querer conferi-lo aos verdadeiros marginais.
Márcio, Vila Zatt