Ulisses Tavares nasceu em Sorocaba (SP), em 1950, e fez sua estréia literária em 1959, com a publicação de poemas nos jornais Folha de Sorocaba e Diário de Sorocaba. Em 1963 realizou exposição de poemas em varais, em praças públicas de São Paulo. Em 1977, publicou Pega Gente, seu primeiro livro de poesia independente e um clássico da “geração marginal”.
Em 1978, lançou o jornal/movimento Poesias Populares - O Jornal do Poeta, que teve mais de 20 edições e reuniu cerca de 350 poetas de todo país. Entre 1978 e 1990 foi editor do Núcleo Pindaíba Edições e Debates, com Aristides Klafke, Arnaldo Xavier e Roniwalter Jatobá,
Ulisses Tavares ficou famoso nacionalmente quando, no início dos anos 80, um personagem da novela “O Amor é nosso”, da rede Globo, inspirado nos “poetas marginais”, começou a declamar seus versos para todo o país.
No período de
Em 1994, fundou a UTI Edições Criativas. Sua obra poética abrange os livros O Eu entre Nós (1979), Caindo na Real (1984), Aos Poucos Fico Louco (1987) e Pulso (1995). Ulisses Tavares é um dos poucos polígrafos da literatura brasileira, ou seja, escreve sobre diferentes assuntos e em diversos formatos (de poesia a romances, de contos a histórias em quadrinhos, de crônicas a ensaios).
Além da literatura, ele atua como professor de criatividade aplicada à redação, propaganda e marketing, compositor, dramaturgo, roteirista de cinema e de televisão, especialista em marketing político, professor de jornalismo digital e um autor de sucesso, com mais de 4 milhões de exemplares vendidos de seus livros, prestes a chegar a publicação do seu 100º livro.
Autor de "Diário de uma paixão" e "Histórias quentes de bichos e gentes", ambos pela Geração Editorial, Ulisses Tavares mora em uma fazenda ecológica próxima de São Paulo e cria cachorros da raça english springer spaniel.
A poeta Leila Míccolis assim escreveu sobre a sua (dele) obra: "Numa linguagem urbana, direta, muitas vezes óbvia, (Ulisses Tavares) questiona, provoca, agride, sem subterfúgios nem entrelinhas: quem gostar, bom proveito, quem não, se retire. Sendo seu trabalho de resistência, de denúncia, de crítica, se propõe a ser ativo - função de toda 'poesia necessária', para empregar uma expressão usual.".
Desculpe, Cecília
eu canto porque o instante existe
mas minha vida não está completa.
sinto gozo, sinto tormento,
sei que a canção não é tudo.
ainda sou gente, embora poeta.
Maravilhas da Fauna
Vacas de açougue,
tigres de circo,
patos que apitam,
peixes contaminados,
aves sem pés nem cabeça
quietas no supermercado.
Maravilhas da Flora
Pinheiros natalinos sintéticos,
flores cor-de-fuligem,
arbustos esqueléticos,
florestas de antenas de TV,
alfaces com DDD.
[1,75m de não faça isso,]
1,75m de não faça isso,
68kg de não faça aquilo,
é dose:
meu irmão já nasceu adulto precoce.
[papai e mamãe]
papai e mamãe
moram separados.
como só tenho um coração,
cada um mora de um lado.
[rola a bola]
rola a bola
livre o drible
defesa surpresa
apela na canela
salta uma falta
sem tevê juiz não vê
escorrego já no prego
chute estoura pra fora
craque no ataque
quero e recupero
sede de rede
fé no pé
cara a cara
com o goleiro
pronto o apronto
chutar pra marcar
puxa vida
apitaram
o fim da partida
do gol que quase fiz
cumprimento a torcida
lembranças à mamãezinha do juiz.
Biografia
quando sozinho, sofro.
com gente, finjo.
se amado, fujo.
amante, disfarço.
permanecendo, inquieto.
calado, penso.
pensando, calo.
tocado, tremo.
tocando, recuo.
vencedor, desinteresso.
vencido, odeio.
quase morto,
vivo assustado.
quase vivo,
morro de medo.
Conteúdo
No toque, a troca.
No ato, o salto.
No esfrega, a entrega.
Na mão, o coração.
No rir, o repartir.
No sangue, o bumerangue.
Na ida, a vida.
Esquizo
Tem um cara dentro de mim
Que faz tudo ao contrário:
Não temo amar, ele se borra
Sou esperto, ele é otário
Não amolo ninguém, ele torra
Acredito em tudo, ele é ateu
Sou normal em sexo, ele tarado
Agito sempre, ele fica parado
sou bacana, ele escroto
quem me faz infeliz e torto
É sempre ele, nunca fui eu.
[achada a garrafa]
achada a garrafa,
não tinha dentro gênio nenhum
para atender meus três desejos:
boca para encher de beijos
bolso onde sobrasse algum
alegria repartida à esmo.
mas tinha muita pinga
o que vinha a dar no mesmo.
Roupas
se me protegesse.
se me enfeitasse.
mas apenas me esconde.
Santo nome em vão
o ruim de ser povo
é avalizar um empréstimo novo
em Calcutá
sem nunca ter ido lá.
Poeminha Machista
lutei tanto para transformar
você de mulher em posse,
só o que consegui foi uma
ejaculação precoce.
Toque
alguma coisa estranha acontece
quando se toca em gente.
experimente.
Meditação Transcendental
para meditar,
o homus modernus ocidentalis
cruza as pernas
deixa as costas eretas
os braços relaxados
concentra a atenção num ponto
e, assim imóvel em
pensamento e ação,
liga a televisão.
Luzir
deixar crescer o amor.
olhar o amor que cresce.
pegar então o amor,
esse balão,
subir com ele até
bater a cabeça no céu.
agora, soltar o amor,
deixar subir o amor,
subir sozinho.
Daltonismo
olhe de novo:
não existem brancos.
não existem amarelos.
não existem negros.
somos todos arco-íris.
Certas Religiões
olhar para o alto.
tão alto que se tenha
um torcicolo eterno
e nunca mais se possa
olhar direto para o próximo.
UFO
está todo mundo
vendo disco voador.
mas Eu que é bom
ninguém repara.
My God
nada sei sobre a vidinha do
pernilongo que mato
indiferente na parede.
mas desconfio que era
a única que ele tinha.
Soneto desbundado
a poesia pode ser quadrada
enquadrada para sê-la
camisa-de-força rimada
fazer ouvir estrelas.
nada impede também a poesia
de não falar coisa com coisa
igual jacaré escrevendo na lousa
em vez de preta, da cor do dia.
por que não a poesia, menina
cantando detalhes simples
um beijo, pulo na piscina?
tímida, pirada, sortida
negócio de poesia é este: riiip
rasgar o coração da vida.
Religião
olhar para o alto.
tão alto que se tenha
um torcicolo eterno
e nunca mais se possa
olhar direto para o próximo.
Por um triz
a gente perde um amor por
tão pouco.
o lugar que não se foi
olhar não cruzado
rua desviada
frase não ousada
mão recolhida instantes após.
amor que perdi
quem me ensinou.
Refazendo
a ausência do soco
reforça o punho,
a falta do chicote
atiça o domador,
a despensa vazia
aguça a língua,
a supressão da palavra
aviva o discurso,
a imprevisão do certo
devolve o inexorável,
a abstração do corpo
prepara o repartir,
a descoloração da rosa
reintegra a paisagem,
a andança no charco
redescobre a terra firme,
a pororoca do medo
desperta a coragem,
a recusa da garrafa
retorna o vinho,
a cortada do caule
reforça a raiz,
a supressão do canto
reinventa o verso,
a despedida do vôo
refaz o arremesso,
a solidão aberta
reescreve o amor.
Sôfrego
meu medo é ficar sozinho.
abraço o primeiro copo
agarro o primeiro corpo
e amo na mais completa solidão.
Vale de lágrimas
triste sina de gerações:
perdendo o medo de trepar
descobrimos o medo de amar.
Os Jovens Bandeirantes
(Um soneto sujo de sangue)
Depois dos portugueses ladinos infantes
Enganando e trucidando ingênuos silvícolas
E depois dos destemidos bandeirantes
Esmagando cocares cabeças e clavículas
Ficou estabelecida a sangrenta tradição:
Tivemos 500 anos de branca supremacia
Levando tudo do índio que ficou na mão
Sem terra, sem árvore, sem alforria
Mas foi todo o acontecido pouco
Nesta terra de manos cruéis e loucos
Inventaram uma nova moda, por esporte
Com fogo, pedras e chutes, diverte-se a escória,
Os novos bandeirantes continuando a história,
Dando aos índios a saída de sempre, a morte.
(São Paulo, Brasil, 8 de janeiro 2003, dia do assassinato do caingangue no Rio Grande do Sul.)
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