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quinta-feira, janeiro 04, 2007

Os chacoalhantes poemas de Chacal


Bermuda larga

Muitos lutam por uma causa justa

Eu prefiro uma bermuda larga

Só quero o que não me encha o saco

Luto pelas pedras fora do sapato



Eles os

eles são assim mesmo:
estranhos bizarros
quimeras sob os cabelos

eles são assim mesmo:
búfalos pirados
e a arrogância necessária
para sobreviver

quando você vir um poeta
tire o chapéu:
ainda não nasceu
quem possa matá-lo

eles são assim mesmo:
insolentes.



Poeta

o homem não pode ser poeta.
mas é.
é preciso ter a arrogância
e a humildade necessária
para ser.



Papagaio

Estranho poder o do poeta,
Escolhe entre quase e cais
Quais palavras lhe convêm.
Depois as empilha papagaio
E as solta no céu do papel.



Papo de Índio

veiu uns ômi de saia preta

cheiu di caxinha e pó branco

qui eles disserum qui chamava açucrí.

aí eles falarum e nós fechamu a cara.

depois eles arrepetirum e nós fechamu o corpo.

aí eles insistirum e nós comemu eles.



Revolução

vocês repararam como o povo anda triste?

é a cachaça que subiu de preço

a cachaça e outros gêneros

de primeira necessidade

cachaça a dois contos, ora veja,

veja a hora,

que horas são,

atenção

apontar:

FOGO!



Reclame

se o mundo não vai bem

a seus olhos, use lentes

... ou transforme o mundo.

ótica olho vivo

agradece a preferência



20 anos recolhidos

chegou a hora de amar

desesperadamente

apaixonadamente

descontroladamente

chegou a hora

de mudar o estilo

de mudar o vestido

chegou atrasada

como um trem atrasado

mas que chega






Ai de mim, aipim

ai de mim, aipim.

ô inhame, a batata é uma puta barata. Deixa

ela pro nabo nababo que baba de bobo. Transa

uma com a cebola.

aquele hálito? que hábito! me faz chorar.

então procura uma cenoura.

coradinha, mas muito enrustida.

a abóbora tá aí mesmo.

como eu gosto de abóbora.

então namora uma.

falô. vou pegar meu gorrinho e sair poraí pra

procurar uma abóbora maneira

té mais, aimpim

té mais, inhame


Na porta lá de casa

Na porta lá de casa

tem dizendo lar romi lar

uma bandeira de papel

na porta lá de casa

as crianças passam

e se atiram no chão

e se olham por dentro

das bocas das palavras

na falta de qualquer espelho

na porta lá de casa

passa o amor o calor

de cada um que passa

na porta lá de casa.




Ponto de bala

os mortos tecem considerações

os tortos cozem quietos

as crianças brincam

e bordam desconsiderações




Prezado cidadão

Colabore com a Lei

Colabore com a Light

Mantenha luz própria.




Rápido e rasteiro

Vai ter uma festa

que eu vou dançar

até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro

tiro o sapato

e danço o resto da vida.




Verão

Revoada

cabeleiras cambalache

andarilha

na trilha do sol.




Primeiro eu quero falar de amor

meu amor se esparrama na grama

meu amor se esparrama na cama

meu amor se espreguiça

meu amor deita e rola no planeta.


Fogo-fátuo

ela é uma mina versátil

o seu mal é ser muito volúvel

apesar do seu jeito volátil

nosso caso anda meio insolúvel

se ela veste seu manto diáfano

sai de noite e só volta de dia

eu escuto os cantores de ébano

e espero ela chegar da orgia

ela pensa que eu sou fogo-fátuo

que me esquenta em banho-maria

se estouro sou pior que o átomo

ainda afogo essa nega na pia


Caro Ácaro

bailar
como um dervixe
como um zulu

bailar
e abolir o fixo
o estável o previsto

bailar
e bulir com as células
a linfa o plasma

bailar
e fluir como um rio
e flanar pelo rio

baila

II

dançar
e não estagnar, carne triste
em presídios, hospícios, escritórios

dançar
e deixar o corpo ditar o ritmo
e deixar a boca soltar a voz

(quem sou eu para contrariar meu corpo
aliás, quem sou eu senão meu corpo?
quem é esse que diz eu?

um anãozinho com distúrbios sexuais?
um infeliz que se faz de vítima?
um bípede implume?
um impostor vulgar?)

dançar


Caleidoscópio Cinemascope

a vida é um cristal
que se reflete em pedaços
a vida como ela é
é a coleção dos cacos

vi um filme que Aladim
da lâmpada tirava um gênio
ele era James Dean
que tinha a cabeça a prêmio

eu parti do Irajá
passando por Paraty
eu ainda chego lá
até onde quero ir

vi um filme que Fellini
fez num ensaio de orquestra
tinha tiro de canhão
e acabava numa festa

se no mato me perdi
nesse mato me acharei
entre mais de mil picadas
numa delas sou o rei

eu vi Deus e o diabo
dançando na terra do sol
Glauber Rocha era o máximo
tão bom quanto rock-and-roll

minha estrada é um filme
cheio de amor e ódio
pra onde quer que me vire
cinemascope caleidoscópio.

Espere, Baby

espere baby não desespere
não me venha com propostas tão fora de propósito
não acene com planos mirabolantes mas tão distantes

espere baby não desespere
vamos tomar mais um e falar sobre o mistério da lua vaga
dylan na vitrola dedo nas teclas
canto invento enquanto o vento marasma

espere baby não desespere
temos um quarto uma eletrola uma cartola
vamos puxar um coelho um baralho e um castelo de cartas
vamos viver o tempo esquecido do mago merlin
vamos montar o espelho partido da vida como ela é

espere baby não desespere
a lagoa há de secar
e nós não ficaremos mais a ver navios
e nós não ficaremos mais a roer o fio da vida
e nós não ficaremos mais a temer a asa negra do fim

espere baby não desespere
porque nesse dia soprará o vento da ventura
porque nesse dia chegará a roda da fortuna
porque nesse dia se ouvirá o canto do amor
e meu dedo não mais ferirá o silêncio da noite
com estampidos perdidos.

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