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quarta-feira, janeiro 31, 2007

Os gozos da alma de Geraldo Carneiro




Felipe Tadeu


Especial para o Jornal Musical, da Alemanha


O mineiro Geraldo Carneiro é homem de muitos ofícios: escreveu peças teatrais, roteiros para cinema e tv, traduziu obras de William Shakespeare e Goethe, publicou livros de poesia e uma biografia sobre Vinícius de Moraes. Mas há quem diga que seu maior talento mesmo é como letrista, ele que já compôs com gente da mais alta estirpe como Egberto Gismonti, o mestre do tango Astor Piazolla, Francis Hime, Wagner Tiso, o regente John Neschling, seu irmão Nando Carneiro e até com Jacob do Bandolim, dentre outros. Algumas de suas principais composições estão reunidas no terceiro volume da coleção Poetas da Canção, bela iniciativa do Sesc Rio concebida e produzida por outro poeta da música, Sérgio Natureza.

Gozos da alma é um CD acompanhado de libreto que está chegando à praça depois dos volumes dedicados ao maranhense Salgado Maranhão e ao carioca idealizador do projeto. As doze músicas que constam no álbum traçam um perfil muito bem delineado da trajetória de Geraldinho como letrista inconfundível da chamada música popular brasileira. Pouca gente sabe que o cidadão nascido em Belo Horizonte em 1952 e radicado no Rio de Janeiro desde os três anos de idade começou do outro lado, ou seja, criando música, e não texto. "Ele sempre brincou, dizendo que o maior benefício que ele e Egberto (Gismonti) puderam fazer como dupla para a música popular se deu quando ele, Geraldo, parou de fazer música, e o Egberto deixou de escrever letra", conta Nando Carneiro, o co-autor da música mais emblemática da carreira do Geraldo, a canção "Lady Jane".

A parceria com Egberto começou cedo, quando Geraldo tinha vinte anos, e a primeira música que fizeram juntos foi a primorosa "Água e vinho". Mas antes de Egberto, veio Eduardo Souto Neto, com quem Geraldo escreveu "Tristeza, tristeza", um samba que chegou a tocar bastante no Rio por volta de 1967/68. "Choro de nada", trabalho da dupla, está no disco em interpretação de Danilo Caymmi, um chorinho que foi gravado anteriormente por Vinícius de Moraes e Toquinho, e também por Tom Jobim. Já de Gismonti, a única faixa presente em Gozos da alma é "Palhaço (mais clara, mais crua)", um clássico da música instrumental que nasceu da letra de Geraldo. "Eu queria ter incluído no disco também a faixa 'Água e vinho', mas a EMI, a gravadora original da música, não nos passou os direitos", revela o poeta, que também lamentou o fato de Egberto não estar presente no disco como instrumentista: "Ele estava viajando no curto período em que gravamos o CD. Eu sinto a falta dele no CD, Egberto é uma pessoa central na minha vida".

"Palhaço (mais clara, mais crua)" reaparece em registro irretocável de Olívia Byington, o grande destaque dentre os intérpretes. Olívia é dona absoluta de quatro faixas do disco: ela canta também "Olha a Lua", de Geraldo e John Neschling, "Luz do tango", com música de Piazzolla, e "Lady Jane". Todas elas já haviam sido gravadas por Olívia, artista que está para Geraldo Carneiro assim como Aracy de Almeida para Noel Rosa. A "Luz do tango" do Gozos da alma consegue ser bem superior à do disco de estréia de Olívia Byington, o marcante Corra o risco. "Foi muito delicioso revisitar essas canções que fizeram parte da minha vida. "Palhaço", por exemplo, foi composta para um disco meu, o Anjo vadio", disse Olívia, que pretendia, à época do lançamento de seu último álbum, Canção do amor demais, gravar um disco inteiro com composições de Geraldo. Idéia já descartada, em virtude do presente lançamento.

Francis Hime, outro parceiro assíduo, emplacou três músicas no songbook: a faixa que dá nome ao disco, "O amor passou" e "Lundu", três fonogramas cedidos pela gravadora Biscoito Fino. Duas delas interpretadas pelo próprio Francis, sendo "Lundu" cantada por Lenine, uma inspirada faixa da dupla extraída da Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião. A mulher de Francis, Olivia Hime, brilha no disco em "Falta-me você", de Jacob do Bandolim e Geraldo. Assim como Zezé Motta, que volta atuar em "Rita Baiana", com música de Neschling, e "A flor e o cais", de Wagner Tiso e Geraldo, na voz de Danilo Caymmi. E há lugar também até para o AfroReggae, que vem com "A aquarela dela", feita com Anderson Sá, Cosme Augusto, Dinho, Jairo Cliff, Joel Dias e José Junior.

Não poderia faltar de forma alguma canção dos tempos de A Barca do Sol, o cultuado grupo da cena alternativa carioca que singrou os anos 70 e deixou três álbuns inesquecíveis. Com A Barca, Geraldo Carneiro iria arrebanhar uma legião de fãs apaixonados por rock e pelo experimentalismo da trupe capitaneada por Nando Carneiro, mais Jaques Morelenbaum, Alain Pierre, David Ganc, os irmãos Muri e Marcelo Costa e Beto Rezende, além de Marcelo Bernardes, Marcos Stuhl e Ritchie. A "Lady Jane" do primeiro álbum da banda (1974) volta aqui com todo seu encantamento.

Um comentário:

Anônimo disse...

Geraldo Carneiro é um ótimo letrista, poeta,
blaguista, usador de cabelo cumprido,
viajante internacional.