Gilfrancisco Santos (*)
pego a palavra no ar
no pulo raro
vejo aparo burilo
no papel reparo
e sigo compondo o verso
Chacal
A publicação da antologia 26 Poetas Hoje (1976), seleção e introdução da professora de literatura da Faculdade de Letras e da Faculdade de Comunicação da UFRJ, Heloisa Buarque de Hollanda, deu muito que falar. Segundo a autora “o livro levantou uma questão que precisava ser colocada naquele momento: o que é literatura? Ele irritou porque pôs em dúvida os paradigmas, derrubando explicitamente o mito de grande poesia”.
A irreverência de Chacal chegou a ponto de declarar anos depois (1985) que “26 Poetas Hoje é um cocô cheiroso. Pegou o bonde atrasado da legitimação. Constatou o que já rolava há algum tempo. E misturou alhos com bugalhos, como uma Frente Liberal. Não se pensava se a gente era marginal ou não. O livro é um grande engodo. Não se pode fazer certas misturas. É um livro que não tem importância nenhuma na literatura. Tem pessoas que vieram a reboque e que não prestaram, nem prestam, serviço algum à literatura. A Heloisa fez o livro para provar a tese que ela queria. Tipo esses discos de rock com 20 grupos. Eu fiz a produção do lançamento no Parque Laje e fui mal pago. É com tristeza que eu recordo esse livro”.
A coletânea 26 Poetas Hoje, inegavelmente abriu as portas do mercado editorial para a maioria dos que participaram da antologia. Somente pela coleção “cantadas literárias” foram publicados: Chacal, Ana Cristina César e Francisco Alvim. A poesia marginal preencheu uma parte do vazio deixado pela repressão ostensiva aos movimentos organizados de contestação política. A geração do desbunde queria curtir a vida, e um grupo repensou os métodos de militância política, ao fazer do próprio cotidiano uma arma de protesto contra o status quo.
Na verdade, a poesia marginal tem um tronco muito forte com as influências pelo modo de vida alternativo de contracultura norte-americana, iniciada
Ricardo de Carvalho Duarte, pseudônimo de Chacal, tido como um dos poetas marginais, encara o fato como algo normal, dada à forma inovadora e agressiva do nascimento de sua poesia no início dos anos 70. Integrante da geração mimeógrafo, seus livros, de mão em mão, rodaram o Brasil.
Com seus ingredientes próprios de lirismo e humor, Chacal publicou mais de 13 livros. Carioca de Copacabana (Rio de Janeiro), nasceu em 24 de maio de 1951, filho de Marcial Galdino Duarte e Maria Magdalena de Carvalho Duarte, Chacal tem dois filhos, João Vicente e Júlio Trindade.
Chacal sempre gostou de ler e escrever, mas aos vinte anos descobriu a poesia de Oswald de Andrade e percebeu que gostava realmente de poesia. “Até então, eu achava a poesia uma coisa muito dura, muito fechada e triste. Refiro-me a essa poesia que é dada em escola, essa coisa mais parnasiana, que não tinha a ver com meu mundo e minha vida”.
Com a leitura de Oswald foi incentivado a publicar seu primeiro trabalho, “Muito Prazer, Ricardo” (no final de 1971), livrinho mimeografado-cartão de visitas, 100 cópias, onde esclarece na apresentação "essas são as coisas que faço com prazer/achei que você podia saber e brincar/com elas./ Taí". É do tempo de “Muito prazer”, um poeminha que virou clássico no verão 71-72, RJ: “vai ter uma festa/que eu vou dançar/até o sapato pedir pra parar/aí eu paro, tiro o sapato e danço o resto da vida.”
Assim, talentosíssimo, Chacal partiu para a poesia reinventando o verso rápido e rasteiro, a prova dos nove da alegria, e se propondo, audaciosamente, a não apenas fazer poesia mais ainda a viver a poesia (o que inclui o corolário genial que é viver de poesia - que o diga seu segundo livro “Preço da passagem”, poesia-artimanha, em véspera de viagem, para “descolar a grana” da passagem com a venda do livro).
Na coluna Geléia Geral, que mantinha no jornal Última Hora, o poeta Torquato Neto registrou para a posteridade, no dia 08/01/72, sábado, a seguinte nota:
“Vejo cada dia mais Oswald de Andrade tornado patrimônio da civilização brasileira. Vejo os artistas cultuarem Oswald de Andrade e produzirem enxurradas de versalhadas – saladas na mesa farta de figurações melosas – a massa falida fingindo ser biscoito fino. Ninguém vi com um entendimento tão afetivo (A de afetivo é a primeira letra do ABC) do Caderno do Alumno de poesia de Oswald de Andrade quanto Chacal, Ricardo, autor deste maravilhoso Muito Prazer – edição mimeografada, mimeografada com desenhos.
Muito Prazer tem presente, antes de tudo uma idéia de livro, uma estrutura de livro (apresentação, dedicatória “para corações apaixonados”, indicação da coleção em que o volume está inscrito, os textos e por fim o “obrigado pela tensão dispensada”).
- CHA – CAL começa pelo começo: “Primeiro eu quero falar de amor” – ele escreve poesia com o prazer da descoberta das coisas, sabe brincar bonito –, é muito bonito.”
Na mesma coluna, o poeta Waly Sailormoon adicionava um trecho intitulado “Viva a rapaziada”: Muito Prazer – apresentação dum jovem poeta. Muito Prazer: apresentação dum simples portador duma nova sensibilidade. Glossário para ignorantes: Ponto de Bala, entre outras coisas, confeitaria de Ipanema, Rio de Janeiro, gebê, Brasil. O livro é dado pelo autor aos corações apaixonados nas escarpas das dunas do barato, praia de Ipanema, Rio de Janeiro, gebê, Brasil.
O livro seguinte foi “Preço da Passagem” (1972), 1.000 exemplares, com 34 folhas mimeografadas dentro de um envelope. Com a grana da venda do livro, Chacal viaja para a Europa, morando em Londres, Amsterdã e Lisboa, no período 1972/1973. É desse período a redescoberta da oralidade da poesia, uma forma barata e imediata de apresentação de um texto. De volta ao país, ele começa a organizar grandes happenings poéticos chamados Artimanhas, através do grupo Nuvem Cigana.
Por quase dois anos Chacal também trabalhou com o Grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, integrado por Evandro Mesquita, Patrícia Travassos, Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé e outros. Para o grupo escreveu seu primeiro texto teatral, Alguns anos-luz Além, uma parábola sobre o sectarismo, mas a peça acabou sendo montada pelo Lua me dá Colo, grupo dirigido por Ricardo Wadington. Em 1977, formou-se em Comunicação pela UFRJ.
No ano de 1978, foi co-autor da peça "Aquela Coisa Toda", com o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, um dos hypes do verão daquele ano. Sua passagem pelo Asdrúbal foi muito importante para sua formação poética, viajando por várias cidades do Brasil, inclusive do nordeste, ele observa a linguagem do povo nordestino o que fez ampliar seu horizonte poético. Em 1983, foi co-autor da peça "Recordações do Futuro", com o grupo Manhas e Manias.
Reconhecido no universo cultural brasileiro, o poeta Chacal usa a palavra como instrumento verbal para denunciar o cotidiano da barbárie, sempre recorrendo ao humor e à metalinguagem. Em seu processo criativo é raro o poeta trabalhar a palavra, por entender que o poema tem uma estrutura inconsciente. O processo é espontâneo, dentro de uma linha surrealista, desenvolve-se no inconsciente e aflora em sua “anatomia”.
Cronista, letrista, autor de teatro e, sobretudo, poeta, Chacal adentra nos anos 80 caminhando pela poesia antropofágica herdada do mestre Oswald de Andrade. Nesse meio tempo, publica “América” (1975), “Quanpérius” (1977), “Olhos Vermelhos” (1979), “Nariz Anis” (1979), “Boca Roxa” (1979), “Tontas Coisas” (crônicas, 1982) e “Drops de Abril” (1983). “Acho que o poema não tem que ter modelos preestabelecidos. Têm pessoas que só trabalham daquele jeito e são ótimos, têm que ter forma, métrica, aquela grade para se soltar na formalização. Eu acho que o poema sabe de si. Vem de uma forma ou de outra, mas vem”.
Em 1986, é a vez de “Comício de tudo”, crônicas publicadas no Correio Brasiliense, Folha de São Paulo e Jornal do Brasil, entre 1983/1986. Em 1991, Chacal lança mais um livro, “Letra”, 40 poemas xerocados, dentro de um envelope, fórmula encontrada para enfrentar a crise econômica e o desinteresse das editoras pela poesia.
De certa forma, Cacaso na condição de professor universitário, exerceu uma certa liderança entre os marginais, conquistando admiradores e popularizando esse tipo de produção no meio acadêmico, cujos textos publicados na época em Opinião e Movimentos, foram recentemente reunidos na segunda parte (Bate Papo sobre Poesia Marginal) do livro Não Quero Prosa, em que figuram alguns dos principais textos do autor sobre o movimento. Entre eles, é preciso destacar “Tudo da Minha Terra”, detalhada análise do impacto causado pela obra de Chacal.
Chacal é um dos poetas que participavam dos históricos fins de semanas na fazenda do Lui (Luiz Olavo Fontes) em Vassouras com João Carlos Pádua, Charles (neto de Carlos Ronald de Carvalho, famoso poeta modernista) e Ana Cristina César, onde se desenrolavam altas discussões sobre a poesia marginal, na maioria das vezes, sob a batuta do mestre Cacaso.
Chacal viveu o tempo todo ponteando seus versos. Esteve por algum tempo entre os roteiristas da Rede Globo e morando em Prado, Sul da Bahia, onde desenvolvia atividades de hoteleiro. Jornalista formado pela Escola de Comunicação da UFRJ em 1977 e também Produtor cultural, entre 1996/1998 foi editor da revista O Carioca.
Atualmente coordena o projeto CEP 20000 (Centro de Experimentações Poéticas), criado por ele em 1990 e patrocinado pela Rioarte, com o objetivo de divulgar a pesquisa de jovens artistas pelo Rio de Janeiro. Mensalmente, na última quarta-feira de cada mês, acontece um evento que reúne poetas e ouvintes.
O poeta reitera e aponta a internet como um novo espaço de disseminação, valorização e expressividade da poesia na contemporaneidade. A Vida é curta pra ser pequena, é seu livro mais recente numa edição do autor.
Chacal está também presente na MPB, através das parcerias com Moraes Moreira, Jards Macalé, Lulu Santos, Vermelho, Cláudio Venturini, Evandro Mesquita, Patrícia Travassos e outros. Maiores informações sobre o poeta, aprontos e novos poemas no endereço http://chacalog.zip.net/
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