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quarta-feira, janeiro 10, 2007

Ultimate Fighting: Luiz Alberto Machado entrevista Ulisses Tavares


Luiz - Como você descobriu a poesia?

Ulisses - Hiii, faz muito tempo. Como fui o que hoje se chama de criança super dotada, mas, na época, apenas chamavam de pentelho - porque eu gostava mais de ler e escrever que brincar de bola - encontrei logo na poesia o refúgio para minha sensibilidade. Mas me encantei mesmo foi por volta dos 9 anos. Como estou com 52, foi no final da década de 50, século passado. Havia grande agito com movimentos de poetas declamando seus poemas em ruas, praças e faculdades. Assisti aquilo e resolvi ser como eles. Comecei a declamar em público e expor meus poemas em varais nas praças. Agora, uma outra motivação mais prática e prosaica é que eu era tarado pela professora do primário e ela se encantava com os poemas daquele garoto precoce, seu aluno. Não comi a professora, mas continuei fazendo poemas e nunca comendo ninguém por causa disso. A maioria das garotas, ontem como hoje, de coisa escrita gosta mesmo é do valor que você é capaz de escrever num cheque. Demorei décadas para conhecer as exceções. Tem uma música das Frenéticas que resume isso: "quanto mais a mulher jura/gostar de homem erudito/tanto mais ela procura/um tipo burro e bonito."

Luiz - Só poeta lê poeta? Como se dá isso a seu ver?

Ulisses - Não é nada difícil de entender. O mundo está mais democrático no acesso a informação, mas também a maioria é cada vez mais abrutalhada e insensível. Metade do planeta é shopping center, a outra metade um templo religioso medieval. Com algumas ilhas atlântidas, faróis, aqui e ali. Cúmplices e vítimas ao mesmo tempo, um jogo milenar e cruel da humanidade. Carinha que cresceu ouvindo pagode quanto tempo vai levar para aprimorar o ouvido para melodias mais ricas e elaboradas, seja clássico, jazz ou dodecafônica? A poesia é, assim, pragmaticamente falando, mais acessível aqueles que a praticam e a lêem. No jogo do mercado, então, nem tem discussão: entre um Paulo Coelho da vida e um poeta- por melhor que ele seja- fica-se com o que dá lucro imediato e certo. Principalmente aqui no Brasil onde tem uma massa de pessoas que precisa de dicionário para entender a revistinha da Mônica. E boa parte de nossa elite é analfabeta por opção. O que me faz otimista é que parece que está vindo uma nova geração que é estimulada a curtir poesia desde cedo. Meu livro de poesias para crianças, o Viva a poesia viva, da Editora Saraiva já vendeu mais de 50 mil exemplares. Também, anteriormente, o Caindo na real, da Brasiliense ficou mais de ano entre os mais vendidos e o Aos Poucos Fico Louco, da Editora Globo, esgotou rapidinho. Sem contar o Livro/Agenda da Tribo, voltado para os jovens e no qual colaboro há 13 anos, que nunca tira menos de 150 mil exemplares. Agora, alcançar o povão mesmo, fica na nossa utopia: o pão da carne é uma necessidade, o pão do espírito, a poesia, portanto, um luxo que pode esperar. Ainda bem que temos dois olhos. Um vê o futuro, o sonho, e sorri, o outro vê a realidade e chora.

Luiz - A poesia pode tornar a vida suportável ou isso é apenas um jogo de palavras no desvario poético?

Ulisses - Qualquer coisa em que a gente acredite, bote fé, curta, pode tornar a vida mais suportável. Poesia, como tudo, também é droga, também vicia. O velho Freud chamava isso de sublimação. Eu prefiro chamar de paixão. A natureza é sábia: nem tudo que a gente quer a gente consegue, mas tudo que a gente sonha é possível. A poesia é a corporificação/materialização do sonho. Orgasmo não existe apenas através dos genitais. É algo tinhoso e amplo que pode até nos acontecer por algo imaterial como a palavra escrita. Poeta que é poeta não goza apenas com o pau e buceta, goza até com a caneta. Êpa, acho que cometi um poema.

Luiz - O que você imagina que aconteceu com a poesia, foi a banalização ou você atribui uma outra causa para que ela esteja, digamos, tão ausente do alcance do leitor?

Ulisses - Isso que chamamos de leitor, a indústria cultural chama de consumidor de literatura. A poesia, dentro dos gêneros literários, hoje é o patinho feio que, mesmo sendo cisne, fica no seu cantinho, hostilizado pelos demais. Já foram os poetas mais apreciados, é certo, mas isso foi na Grécia antiga, na revolução russa, no império islâmico do tempo em que eles não espalhavam bombas e ignorância pelo mundo. Bobagem, a meu ver, ficar preocupado com isso. Melhor e mais efetivo é colocarmos a pouca leitura da poesia onde ela deve estar: no contexto da política e da educação do povo. Não dá pra poesia concorrer, e vencer, em uma cultura de bundas, materialismo, consumismo e comunicação de massa. E, também, relax: se os políticos e os membros da elite dirigente fossem como os poetas, que batalham, discutem e se preocupam pra caralho, tudo estaria melhor. O tempo que nos coube viver é assim mesmo, mudanças e trevas, bem misturadinho. Talvez um dia a revista Caras fotografe a biblioteca de alguém e esse alguém se declare orgulhoso pela biblioteca e não só pela riqueza, bíceps e silicone acumulados.

Luiz - O que você observa da poesia depois que Adorno sentenciou que não podia mais haver poesia depois de Auschwitz?

Ulisses - O ser humano é maior que seu pessimismo, mesmo quando tem uma visão deprê como quase todas de Adorno. Aquilo que denominamos poesia talvez seja a aspiração maior e mais plena do melhor que existe em nós. O homem é, sempre foi e será, uma grande tragédia e uma grande esperança. E também uma grande piada, claro. Lamentamos por Auschwitz mas não vamos deixar de fazer e apreciar a poesia por isso. Se fosse assim, a poesia teria acabado na primeira guerra e ou na primeira peste. E foram tantas, né?

Luiz - A seu ver, arte pela arte ou um engajamento na atitude do poeta?

Ulisses - Engajar, colocar, a poesia pró ou contra qualquer movimento social é sempre um risco para qualquer artista. A poesia, e a arte como um todo, é fortuita, gratuita e doidivanas. A causa pode ser boa, meritória, polarizadora, o escambáu, mas o que importa é que a poesia é que tem de ser boa, enquanto literatura, independente de seu momento ou objetivo. Pessoalmente, quanto mais leio e escrevo, mais me convenço que, de todos os métodos de comunicação, a poesia é a mais fraquinha para mudar alguma coisa na história humana. Melhor o ensaio, o jornalismo e até a propaganda, esta sim, eficiente, infelizmente. Poesia não é remédio, não precisa de rótulo e bula.

Luiz - Você é bem versátil, transita por diversas áreas. Como você concilia poeta, escritor, professor, multimídia?

Ulisses - Atualmente, fiz minha opção Robin Wood, pelos pobres, e o mais pobre que posso ajudar e conheço de perto sou eu mesmo. Vivo de/para literatura 25 horas por dia. Meu padrão de vida despencou. Ando com um Fusca 75, mas vivo de meus direitos autorais. De vez em quando, a vida material me obriga a voltar a exercer uma das minhas sete profissões. Daí eu vou, faço palestras, treino executivos, dou aulas, crio campanhas publicitárias, escrevo artigos e crônicas para revistas e jornais etc. mas volto cada vez mais rapidinho para minha paixão maior, que é escrever. Escrevo muito, agito sempre - estou com mais de 74 livros publicados. Venço pela insistência. Se os leitores não curtiram um livro, lanço outro, sobre outro tema. Meu lema é igual daquela churrascaria de Arkansas, famosa por servir o maior bife do mundo: "Se não gostar, pode comer outro grátis", he, he. Dou graças a Deus por ter sido riponga. Não preciso de muitas coisas materiais para ser feliz. Nem de ter livros. Alugo ou empresto de bibliotecas.

Luiz - Que experiência você traz das alternativas que você usa desde a geração mimeógrafo marginal até o advento da Internet?

Ulisses - A principal experiência é que, seja mimeógrafo ou internet, trabalhar e divulgar poesia nunca é fácil. Embora seja um entusiasta da Internet (já sou um dinossauro da web- afinal fui estrategista do segundo provedor brasileiro, o SBT On Line, e ocupante da primeira cadeira de pós-graduação em web na América Latina (na Fiam)- acho primordial se ler poesia em silêncio, naquela coisa mágica que só o papel proporciona. A vantagem, hoje, é de escala. Eu coloco um poema novo na rede e, em instantes, ele é quintuplicado em inúmeros blogs, chats e sites.

Luiz - Você acha que a Internet tem contribuído para a difusão da poesia? Ela tem melhorado, tem possibilitado reconhecer novos poetas?

Ulisses - Claro que sim, indiscutívelmente. A Internet, ao contrário do que achavam os profetas do apocalipse, vem ampliando a capacidade e necessidade de todo mundo, principalmente os jovens, de terem um melhor vocabulário, escreverem fluentemente, de aprenderem a ler e escrever, enfim. Mas, não nos iludamos: quem gosta de poesia, vai ter mais facilidade de encontrar poesia na net. Quem não gosta, vai fazer o que faria sem a web: procurar bundas e paus. Não há tecnologia, por si só, que faça um upgrade imediato das cabeças e espíritos. E poema ruim com flash é apenas um flash bem feito.

Luiz - A seu ver, o que há com o poeta que ele não consegue atingir melhor o público, ficando restrito às rodinhas que ainda se renova mas as caras que são as mesmas sempre em recitais, em saraus? Como ampliar esse universo? Essas práticas são antiquadas e o poeta precisa buscar novas fórmulas ou é a poesia mesmo que não chega?

Ulisses - Já fiz, e faço, trocentos recitais de poesias, de todo tipo, em todo lugar. Com música e sem música. Com teatro e sem teatro. Com pintores e performáticos e a seco. A verdade/realidade é chata mas é isso aí: poesia é coisa para iniciados. Quem não gosta, ou não está acostumado, vai preferir mesmo é um forró, um bailão, uma outra atração qualquer. Recital de poesia é igual teatro alternativo: ninguém é contra, mas ninguém vai nem amarrado. Quem tem saco pra ouvir poeta declamando, de duas uma: ou é poeta, e está louco por uma chance de mostrar também seu poema, ou é alguém que de fato curte poesia. Se é que consola, quem vai a um recital de poetas está pronto para achar aquilo bonito, e isso é bacana. Não sei sinceramente, nem como marketeiro e publicitário, como aumentar esse universo. Acho que temos tentado de tudo um pouco- misturar com vídeo, som, pintura, performance, body art etc. Mas lutamos contra um fato intransponível no atual momento: poesia ainda não dá ibope e pronto. Quem sabe, queira Deus, os ventos da fortuna mudem. Mas, dái, o mundo também terá mudado. A seu ver, o público é conservador ou a vanguarda que não encontra base em suas utopias? Vanguarda tem que ser, claro, vanguarda. Mas não deve ser prepotente. A vanguarda entende e interpreta muito bem o que a maioria, a retaguarda, não consegue entender e interpretar, nem bem nem mal nem mais ou menos. Como esperar, então, que o povo coma hoje, já, agora, os finos biscoitos que ela fabrica? Paciência, humildade e compreensão, pois, mais caldo de galinha. Quem aposta na utopia tem que esperar a viabilidade da utopia. A seu ver, que atitude ou compromisso deve ter o poeta do nosso tempo? De preferência, nenhum. O compromisso do poeta é com sua poesia. E já é o bastante se conseguir cumprir. O resto é cosmética, jogo de mercado, veleidade, ego. O que você destaca como uma excelência poética hoje? Poderia citar, literalmente, dezenas de nomes. Leminsky, Antunes, Frederico Barbosa, Ademir Assumpção, Glauco Mattoso, Bráulio Tavares, Drummond e tantos outros. Mas, quando comparo ao que se fez antes, bem antes, um Bocage, um Arentino, um Dante, um Virgílio, acho tudo muito pobrinho e tôsco. Poesia é soda mesmo. Quanto mais eu leio, mais exigente fico. Tanto que, até dos meus mais de mil poemas, eu só dou nota 5 para dois ou três no máximo.

Luiz - O que você teria a dizer aos que estão entrando hoje, engatinhando ainda, na senda da poesia?

Ulisses - Ufa, finalmente uma pergunta fácil: escrevam o que quiserem, publiquem e apresentem como quiserem, inclusive aproveitando as facilidades de edição e exposição de hoje. O único conselho que posso dar, depois de tanto tempo brigando pela poesia, e pode ser válido e ajudar é: fodam-se! Quem mandou escolherem a poesia como alternativa de vida? Poesia é a coisa mais fácil e complicada que existe. Quem quer moleza e sucesso imediato que vire cantor sertanejo. Ou político. Ou traficante. Ou coma baratas num big brother da tv.

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