Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sábado, julho 11, 2009
Carta aberta ao governador Eduardo Braga
Por Armando de Paula (*)
Senhor Governador do Amazonas, Eduardo Braga:
Apelo à força política aglutinada democraticamente em suas mãos, como última instância na busca de ver estabelecer-se definitivamente em nosso Amazonas, pelo menos o nascimento oficial de sua própria cultura, uma vez que ela ainda não foi sequer reconhecida como existente, de modo a ser tratada como tal.
Faço isso na esperança de não precisar “queixar-me ao bispo” como tenho sido ironicamente aconselhado a fazer, como se o Amazonas fosse terra de ninguém, ou ainda estivéssemos no começo do século e a borracha, a ópera, os coronéis de barranco e as prostitutas parisienses ainda estivessem na moda.
Não é de hoje que observo o vai e vem das ambições mais diversas correndo célere em seu fazer daninho e, como vampiros, ano a ano, a sugar a vitalidade singular de nossa cultura legitimamente amazonense, nascida dos anseios culturais da população, através de seus artistas, sensíveis antenas e arautos que, captando o momento psicológico das multidões e se expressando livremente, contribuem grandemente para sua evolução e progresso, isso desde que a civilização existe.
Muito se tem esperado do Amazonas em termos culturais, no Brasil e no mundo. Quem somos nós pelo que expressamos? Qual é nossa verdadeira identidade? Quem poderá dizer?
Alguns anos atrás, certo governador, por ignorância ou indiferença, afirmou que no Amazonas não havia arte e cultura, que a única coisa que reconhecia era o Festival de Parintins como expressão cultural. Menos mal, considerando-se que os tambores desse movimento já encontravam eco no coração de nossa gente. Assim, ele, em sua “macro visão”, iria promover a grande revolução cultural.
Desse modo resolveu sem nenhuma consulta, nenhuma pesquisa, nenhuma investigação aos legítimos valores culturais da nossa terra, importar o que havia de mais imponente e pomposo na cultura européia, e implantá-lo verticalmente no juízo da população, como quem pretende a golpes de machado abrir caminho para novas idéias. É o velho método “goela abaixo”, bastante popular no Amazonas entre os que chegam ao poder. Será que ninguém ainda pensou no descabimento de um festival de samba na Chechênia?
Quero deixar claro que não sou contra nenhum tipo de manifestação cultural, pois, como artista, busco constantemente evoluir para uma compreensão mais elevada, que me conduza a uma superior apreciação da vida, o que inevitavelmente me leva a um profundo respeito ao papel que cada um desempenha em cada canto de nossa imensa aldeia global.
Serão sempre bem vindas, para nosso deleite e crescimento espiritual, toda e qualquer expressão cultural de qualquer parte do Mundo, que, como aves viajantes visitem sempre nosso quintal, em alegre algazarra por nossos pomares.
O que não deve acontecer por uma simples questão de coerência é permitir que tais aves numa forçosa migração predatória façam seus ninhos em todos os galhos de todas as árvores comendo todos os frutos de nosso viveiro, impedindo até que possam cantar nossos passarinhos.
Questiono, com isso, inclusive a falta de equilíbrio da balança do direito social, constitucionalmente estabelecido, sabedor que de que o Amazonas possui não apenas uma vasta biodiversidade, mas também uma enorme sociodiversidade.
Menciono o acontecimento, simplesmente porque desde então, a Expressão Amazonense sofreu um golpe ainda maior que a indiferença já praticada, que foi o prejuízo de uma comparação desleal aos olhos de nossa gente.
De um lado, a “pomposidade” dos elementos alienígenas importados, ancorados na aparência de grandes e cintilantes eventos, que não traduzem sentimentos de empatia e senso de identificação necessárias, própria da arte produzida e nascida dos anseios do próprio povo, sendo que tais manifestações ganharam o direito de ter milhões de reais à disposição para sua inteira realização.
Do outro a, aparência tímida e acanhada de nossos melhores esforços em nossas manifestações culturais, que não parecem atingir sequer o status de diversão casual, devido à falta do glamour que só o dinheiro pode patrocinar, o que justamente a Expressão Amazonense não tem, desde tempos que já se perdem.
O que é oferecido como forma de apaziguar os ânimos (uma espécie de “cala boca”), enquanto vai se empurrando a cultura com a barriga, se compara às migalhas atiradas de uma lauta mesa, que além de não saciar a fome e sede do pedinte, ainda o aprisiona na humilhante situação de mendigo.
Ora, que elemento vigoroso é esse que brota do seio povo e explode numa canção popular, levando todos a cantar pelas ruas da cidade sua alegria e orgulho de pertencer a uma determinada cultura, como faz por exemplo o povo baiano? Trata-se neste caso da “expressão baiana”! Com cara e jeito de baiano!
Como não poderia deixar de ser, é o artista baiano celebrando sua liberdade de expressão, plenamente identificado com os anseios culturais de sua gente, num transbordamento cultural tão intenso que subjuga fronteiras, a ponto da mesma ser exportada, estudada e até imitada em diversos lugares do mundo! E qual a diferença desta para a expressão amazonense? P R I O R I D A D E !!!
Senão por algumas iniciativas demagógicas ao longo desta insólita trajetória, o artista amazonense sempre encontrou grandes obstáculos ao seu fazer artístico. Além do desprezo do qual falamos, ele tem que remar muito para atravessar o rio volumoso da burocracia, colocado ali como uma ameaça perene a testar as últimas fibras de sua resistência.
Ele compete duramente para conseguir uma mísera pauta para exercitar seu labor artístico, mostrando seu trabalho em algum canto desprestigiado e sem a publicidade adequada, ou até em lugar mais sofisticado, porém sem poder realizar com um mínimo de condições a apresentação de sua arte por falta de recursos.
Essa situação produz uma constante e angustiosa frustração geral, tanto nele que produz, como em quem assiste, dando largas à visão de que o artista amazonense é preguiçoso e incompetente, e a expressão amazonense é uma quimera; o que significa ainda dizer que no Amazonas realmente não tem arte e cultura: “Necessário importar!”
Depois de realizar seu show, ele é obrigado a transitar em diversos departamentos para por em dia a papelada, para receber a ninharia imposta por uma tabela aviltante, que ele é obrigado a aceitar se quiser continuar vivo como gente e como artista, tendo ainda que esperar ansiosamente por meses até receber. Louvo o profundo heroísmo desses corações intrépidos, pura inspiração para mim!
Todo esse comportamento surpreendentemente rude dos setores no comando do Estado à nossa prata da casa, se choca escandalosamente com o tratamento dispensado à quem vem de fora patrocinado pelo governo, quando a coisa lhe interessa.
O artista já chega com um bom cachê garantido, imediatamente pago, sem burocracia ou qualquer embaraço, numa demonstração clara quanto ao senso de prioridades de quem hoje conduz o leme desse barco sem quilha, há muito navegando ao sabor das conveniências pessoais de uns e outros.
E para provar vou narrar aqui o mais recente episódio onde as máscaras caíram e não é possível mais ignorar a declarada posição do governo em relação à nossa cultura: há dois na SBPC de Belém, o senhor, como autoridade máxima em nosso Estado, convidou a SBPC para se reunir no Amazonas que aceitou e escolheu para esta reunião, o tema “Amazônia – Ciência e Cultura”, realçando a importância da atividade cultural como parte inalienável do evento deste ano.
Mas aí entrou a politicagem, a vaidade, as intrigas, a sabotagem e o desprezo pelos artistas locais e tudo foi “por água abaixo”, carregado pela enchente do descaso governamental, conforme já foi amplamente denunciado pelo pesquisador do INPA William Nazaré.
O Governo do Amazonas tem o dever moral de pelo menos dar uma explicação aos artistas e à sociedade amazonense do porque dessa discriminação absurda contra os nossos valores culturais legítimos colocando em xeque até o bom-senso, senão à própria sanidade de quem nos governa.
Incrível, mas tudo isso acontece justamente quando o governo se prepara no maior descaramento para gastar a rodo num descabido festival importado de Jazz, dizendo que não tem dinheiro para apoiar nossa cultura.
Aqui expresso meu desabafo, impelido pela mais pura necessidade, na esperança de um dia poder livre e consubstancialmente oferecer meu trabalho a apreciação geral e dele viver com dignidade, distante do perigo de descambar pelo caminho do alcoolismo e da auto-destruição como tenho visto nos meus 30 anos de fazer artístico na vida de muitos hoje à margem do caminho. Ou até quem sabe ser passível de coisa pior: transformar-me em funcionário público e esquecer de vez meu sagrado compromisso com a arte, ilhado geográfica e culturalmente nesse imenso rincão.
Assim, se para mais nada servir este manifesto, expressão legítima de uma dor, seja ele um marco histórico no desenvolvimento cultural de nossa tribo. Que todos saibam que um dia alguém disse não a esse estado de coisas, especialmente às futuras gerações que ávidas de desenvolvimento haverão de questionar o atraso.
Possa ele por outro lado sinalizar a luz da aurora de um novo tempo. Tempo de resgate e sedimentação de nossa legítima expressão amazonense, que nada mais é do que nossa voz alegre e consciente, potente e vibrante, partindo a plena confiança de nossos saudáveis corações, anunciando ao mundo que no Amazonas existe vida inteligente, criativa, responsável e competente, apta a administrar o imenso patrimônio natural do qual é dona, em benefício de suas gentes, as gentes de todo mundo, e assim poder dizer sem os artifícios da propaganda demagógica, sim, eu tenho orgulho de ser amazonense!
(*) Armando de Paula é compositor, cantor, músico, produtor fonográfico e agitador cultural – além de meu amigo de infância
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3 comentários:
Querido Simão: Hoje revivendo grandes emoções, relendo no teu blog a acarta enviada ao governador do amazonas, a qual destes honrosamente o mais que devido valor, fico muitíssimo satisfeito com o carinho recebido do amigo de infãncia, que muuto tem me inspirado por sua libertária maneira de ser e proceder nesta constante busca, fruto dessa insasiável sede de...porra! sei lá o quê.
Fica aqui, na falta de uma melhor compreensão, um grande e carinhoso abraço.
Armando de Paula
Fala Simão Pessoa! Adorei o blog, muita informação que o Brasil e o mundo precisam conhecer.
Rui de Carvalho
Compositor e Designer
Cheguei a seu blog por acaso pesquisando algo no Google. Muito interessante esse texto. Identifiquei nele vários aspectos que também reclamamos em meu estado. Foi surpreeendente.
Aqui sofremos migração predatória e destruidora de nordestinos que impõem sua cultura e destróem a nossa, exigindo em nossa casa que fiquemos calados.
Parabéns pela visão tão clara que vc teve na analogia aos passarinhos.
Sucesso ao seu Amazonas.
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