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terça-feira, fevereiro 28, 2012

Mamonas Assassinas 4Ever


Março de 1996. Por volta das 9h da manhã de um domingo, o jornalista Augusto Banega telefona para minha casa e canta a pedra:

– Meu chapa, eu preciso que você venha agora mesmo aqui pra redação do Amazonas em Tempo, que os Mamonas Assassinas acabaram de se foder em um acidente de avião!

Naquele domingo ensolarado, Augusto Banega, que era editor de Cidades, estava como editor geral plantonista da edição de segunda-feira.

Na redação, somente os jornalistas da editoria de Esportes.

Assim que entrei na redação, Banega foi avisando:

– Já convoquei o Mário Adolfo. A gente vai sair com uma edição especial sobre os Mamonas na edição de amanhã e preciso de matérias sobre eles, porque as agências nacionais ainda não mandaram porra nenhuma! Como vocês dois são os únicos humoristas da redação, se virem pra fazer um bom trabalho!

– Bicho, eu só conheço os Mamonas Assassinas de escutar “Pelados em Santos”, no rádio, todo santo dia. Não sei nem o nome dos músicos! – tentei explicar. “Nunca publiquei uma linha sobre a banda no caderno de Cultura do jornal. Aliás, nós não temos nem fotos deles nos arquivos...”

Ao ouvir aquilo, Augusto Banega ficou simplesmente puto.

Ele acendeu um cigarro e ficou fumando furiosamente na sacada da redação, no mais profundo silêncio, pensando sabe-se lá em quê.

Talvez em me esganar ou em me dar um tiro no quengo, quem sabe.


Tentei desanuviar o clima.

– Eu ontem fui comprar uma revista Bizz na banca da Drogaria Avenida e vi um pôster dos Mamonas Assassinas pendurado do lado de fora da banca! – avisei. “Vamos voltar lá e dar uma garimpada no local que é bem capaz de encontrarmos alguma coisa interessante!”

Ouvindo aquilo, Augusto Banega apagou o cigarro na mesma hora e, me puxando pelo braço, desceu a escada do prédio quase correndo.

Assim que embarcamos em seu carro, nos mandamos para a banca de revistas.

Escarafunchando o estoque de material antigo e em vias de ser descartado, encontramos três revistas diferentes contando a história da banda.

O primeiro problema estava resolvido: a gente agora tinha uma bússola para se orientar.

Banega comprou as revistas e voltamos pra redação quase na mesma hora em que o Mário Adolfo também estava chegando.

Nós três entramos na sala de reuniões e Banega nos colocou a par do seu plano diabólico:

– Eu falei com a Menga e ela autorizou a gente sair com um tabloide de 16 páginas sobre a banda. O Simão, que é editor de Cultura, vai explorar o lado satírico dos Mamonas, comparando, por exemplo, com o grupo “Casseta & Planeta”. Preciso de umas quatro matérias a respeito. Tu, Mário Adolfo, que é editor do suplemento infantil Curumim, vai explorar a empatia da banda com a criançada. Preciso de quatro matérias a respeito. Eu vou fazer duas matérias mostrando a opinião de artistas locais sobre a importância da banda e vocês dois precisam fazer mais duas matérias sobre a carreira musical do grupo. Nós vamos reservar três páginas para as matérias “frias” enviadas pelas agências porque é isso que todo mundo vai dar. O importante é a gente sair com 12 páginas “quentes”, produzidas aqui na redação.

Após essa pequena preleção, cada qual foi para o seu computador escrever as matérias.

Senti que meu domingo tinha ido pras picas, mas não disse nada.


Em pouco mais de meia hora, eu li as três revistas compradas na banca, anotei alguns dados técnicos e comecei a viajar.

Mostrei que o avô ancestral da banda era o jornalista e humorista Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que inaugurara a sátira musical à base do escracho com “Samba do Crioulo Doido”, gravado por Wilson Simonal, nos longínquos anos 60.

Falei de grupos e cantores que haviam aprofundado essa vereda – Língua de Trapo, Velhas Virgens, Casseta & Planeta, Falcão, Ultraje a Rigor, Eduardo Dusek e Joelho de Porco.

Relembrei outros músicos que, como eles, haviam morrido no auge da popularidade (Buddy Holly, Ritchie Vallens, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Otis Redding, Marvin Gaye).

Analisei as principais letras do disco (“Pelados em Santos”, “Vira Vira”, “Robocop Gay”, “Chopis Centis”, “Uma Arlinda Mulher”) mostrando a crítica social subjacente ao texto de escracho e vaticinei: suas músicas são perenes e, a exemplo dos Beatles, ainda serão ouvidas daqui a 20 anos.

Augusto Banega e Mário Adolfo também viajaram pelas esferas celestiais, produzindo textos emocionantes, brilhantes, primorosos.

O suplemento ficou absolutamente fantástico e deu um banho na concorrência.


Na segunda-feira, o Amazonas em Tempo esgotou sua edição antes das 8h da manhã e o telefone da administração não parou mais de tocar, com leitores aflitos querendo comprar o “suplemento dos Mamonas”.

Foi preciso rodar às pressas mais de 15 mil exemplares do tabloide para serem distribuídos graciosamente aos interessados.

A Menga Junqueira fez questão de parabenizar a nossa pequena equipe diante da redação, elogiando bastante o nosso profissionalismo.

Eu e Mário Adolfo devolvemos todos os elogios a quem de direito: ao jornalista Augusto Banega.

Só mesmo um sujeito antenado como ele para intuir o fenômeno de massas em que a banda se converteria a partir daquele acidente fatal e transformar sua intuição em uma impressionante, maravilhosa, soberba edição histórica.

O grupo Mamonas Assassinas foi o maior sucesso de toda história do pop brasileiro.

Suas letras sacanas e escrachadas, seus arranjos criativos e a presença brincalhona do vocalista Dinho garantiram ao grupo espaço junto ao público adolescente e, para a própria surpresa deles, infantil.

Tanto que foi o primeiro grupo brasileiro cujo disco de estreia vendeu mais de um milhão de cópias em menos de seis meses, recorde jamais batido desde então.

O badalado RPM, do vocalista e sex-symbol Paulo Ricardo, levou o dobro do tempo para alcançar essa marca com seu histórico disco ao vivo.


Grande parte do sucesso da banda pode ser creditada ao vocalista Dinho, o mais palhaço dos cinco e, ainda assim, capaz de arrancar suspiros românticos das meninas apaixonadas.

O guitarrista Bento Hinoto, um japonês que se apresentava usando o cabelo no estilo rastafári, era o responsável pela mistura de estilos musicais da banda, que incluía brega, pagode, sertanejo, baião e outros ritmos cafonas com pitadas de rock & roll bem pesado.

O tecladista Júlio Rasec – o sobrenome artístico era, na verdade, seu segundo nome, César, escrito ao contrário – ficou conhecido pelo desempenho da portuguesa Maria, na música “Vira-Vira”.

Os irmãos Reoli, Samuel (baixo) e Sérgio (bateria), usavam uma corruptela do verdadeiro nome da família, Reis de Oliveira, como nome artístico.

No começo era o Utopia, uma banda especializada em covers de grupos como Rush e Legião Urbana.

Certo dia, eles faziam um show num ginásio na cidade de Guarulhos quando o público pediu para que cantassem uma música do Guns N’Roses.

Como nenhum dos integrantes do Utopia sabia a letra, convidaram alguém da plateia para assumir o vocal.

Foi aí que Dinho se apresentou.

Ele também não sabia a letra, mas provocou tantas gargalhadas no público com as palhaçadas que fez no palco, que acabou sendo convidado a fazer parte da banda.

Com um novo integrante, o grupo começou a percorrer a periferia de São Paulo.

Gravaram inclusive um disco, que não chegou a vender mais de 100 cópias.

Tentavam se impor pela seriedade, mas acabavam sempre caindo no escracho.

“Mesmo cantando músicas sérias, já tínhamos a mania de passar a mão na bunda um do outro no palco”, explicava Dinho.

Além disso, era comum fazerem músicas com letras engraçadas, brincando com a cara de amigos e parentes.

Tão engraçadas que resolveram arriscar uma mudança de rumo.


Para começar, mudaram o nome da banda, já que não ficava legal uma banda com o nome de Utopia cantando aquele tipo de música.

Entre as muitas ideias que apareceram pode-se destacar Os Cangaceiros De Teu Pai, Coraçõezinhos Apertados, Uma Rapa de Zé e Tangas Vermelhas.

Mamonas Assassinas foi o escolhido porque, segundo Dinho, “foi o nome que mais fez a gente rir”.

Hilária também era a versão em inglês do nome do grupo, indicando que na verdade as “mamonas” não eram as tão inocentes frutinhas que as crianças pensavam: The Killer Big Breastes ou “Peitões Assassinos”.

Com a fita-demo pronta, agora era com as gravadoras.

E foi a EMI que acabou lançando os Mamonas Assassinas.

Nessa contratação há o papel decisivo de Rafael, o filho do diretor artístico da EMI-Odeon João Augusto Soares e baterista do grupo Baba Cósmica, que tanto encheu o saco do pai que este foi conferir uma apresentação da banda e gostou do que viu.

Dessa forma, em abril de 1995, foi assinado o pedaço de papel mais importante da vida dos “Fabs Five” de Guarulhos.


Além disso, em maio de 1995, os Mamonas Assassinas, graças ao trabalho de uma assessora de imprensa contratada pelo empresário do grupo (e praticamente o sexto “mamona”), Rick Bonadio (aka “Creuzebek”), faziam sua estreia nacional em grande estilo: no programa Jô Soares Onze e Meia.

Estava aberta a porta para o sucesso.

Sucesso este que se refletiu em uma média de cinco shows por semana, em milhões de cópias vendidas, em centenas de milhares de fãs espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

Pois foi assim, no sucesso, que eles se foram, no dia 2 de março de 1996, quando o avião onde eles viajavam se chocou com a Serra da Cantareira, em São Paulo.

Ou, como diria a rapaziada em sua tão conhecida irreverência e alegria: “O piloto deu sinal de luz, mas o morro não saiu da frente.”

Seu único álbum oficial, que conseguiu vender – num período forte da pirataria de CDs no Brasil – mais de 2,8 milhões de cópias em menos de um ano, continua sendo um marco histórico até hoje.

Não é pouca porcaria.

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