Setembro de 1983. Depois de passar vinte anos trabalhando
como cozinheiro do cargueiro Cabo Orange, nas viagens internacionais do Lloyd
brasileiro, o Professor Zé (seu nome original era Joseph Thomas Smith), um
barbadiano divertidíssimo, foi contratado para ser o cozinheiro oficial do
Barraka’s Drinks.
Além de falar inglês e francês fluentemente, o Professor Zé
gostava de animar as rodas de birita contando suas inacreditáveis aventuras
d’além mar e fazia alguns dos melhores pratos da culinária internacional, como
o pato ao molho de laranja e o coq au vin.
Seu prato favorito de carne, entretanto, era o steak au
poivre, uma receita francesa deliciosa de filé com pimenta aromática, que logo
se tornou o hype do boteco.
Todo sábado, Frank Cavalcante e Nei Parada Dura, entre
outros, almoçavam a iguaria.
Para fazer o prato, de acordo com o Professor Zé, era
necessário 4 steaks chateubriand de filé-mignon de 200 gramas cada um, 600 ml
de caldo de carne, 60 gramas de manteiga, 30 gramas de pimenta-preta (já
moída), 8 gramas de pimenta-verde em conserva, 8 gramas de pimenta-vermelha, 15
gramas de maizena e sal a gosto.
A preparação não era complicada e passo pra vocês a receita
que ele me ensinou: em uma panela, em fogo baixo, aqueça o caldo de carne e
adicione aos poucos a maizena batendo sempre com um batedor de maneira a manter
uma consistência homogênea. Deixe engrossar. Reserve.
Tempere a carne com a pimenta-preta e sal a gosto.
Em uma
frigideira de aproximadamente 40 cm de diâmetro, deixe a manteiga derreter e
aquecer bem.
Frite primeiro dois steaks, deixando-os mal passados.
Repita a
mesma operação para os outros dois. Reserve a carne.
Despreze a manteiga em que foram fritos e use a mesma
frigideira para acrescentar o molho feito com o caldo de carne.
Deixe engrossar
mais um pouco e tempere com sal a gosto.
Para finalizar, coloque os steaks novamente no molho,
incorpore a pimenta-verde.
Sirva um chateaubriand por pessoa com molho.
Decore cada prato com um pouco de pimenta-vermelha e sirva
com arroz branco.
O sucesso do prato despertou a atenção de Kleber Luiz, um
dos donos do Barraka’s.
Ele não entendia como um simples filé metido a besta recebia
de acompanhamento um pirex com quase um quilo de arroz branco.
Alguma coisa estava fora de ordem.
Um dia, aproveitando o pouco movimento do bar em uma manhã
de sábado, Kleber Luiz resolveu conferir de perto o steak au poivre pedido pela
enésima vez pelo empresário Frank Cavalcante.
Sentados ao lado do empresário, para dividir a bóia, estavam
Lucio Preto, Mestre Carioca, Rubens Patinete, Chico Porrada, Antídio Weil,
Sadok Pirangy e mais meia dúzia de pessoas, cada um deles portando prato e
talheres.
Estava na cara que aquele único medalhão de filé não ia dar
pro começo.
De repente, o Professor Zé deposita na mesa um pirex com
quase um quilo de arroz branco e vai embora.
Kleber Luiz pegou um dos garfos que estavam sobre a mesa e,
instintivamente, cravou na montanha de arroz branco.
Quando levantou o garfo, havia fisgado um portentoso
medalhão de filé.
Nenhum dos cachorros presentes na mesa deu um pio.
Imediatamente, Kleber Luiz apanhou uma colher sobre a mesa e
começou a retirar a camada superior do arroz.
Mocozados no fundo do pirex e encobertos pelo arroz estavam
mais cinco medalhões de filé. Sem perder a calma, ele deu um grito em direção à
cozinha:
– Professor Zé, venha aqui fora um momento, que dessa vez a
casa caiu...
Enxugando as mãos no avental, o cozinheiro se aproximou da
mesa da discórdia e percebeu que seu truque havia sido descoberto.
– Porra, Professor Zé, o senhor está jogando do lado dos
bandidos e fodendo eu e meu irmão, que lhe pagamos o salário... Assim não dá...
O cozinheiro não disse nada.
Os cachorros presentes também não deram um pio.
O steak au poivre foi suspenso definitivamente do cardápio
do Barraka’s Drinks.
E, a partir daquele dia, as poções de arroz passaram a ser
servidas em minúsculas terrinas de barro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário