Áureo Petita, Jacó Rastafari, Meio Quilo, Marco Aurélio e Arlindo Jorge, no Bar do Jacó
Junho de 1973. O velho
Nagib Bader estava em sua residência, na Rua General Glicério, na Cachoeirinha,
em uma sexta-feira, se preparando para fazer sua oração diária do meio-dia
(“Zuhr”) com a cabeça voltada para Meca, a cidade santa na Arábia Saudita, quando
ouviu alguém batendo na porta da casa com violência.
Ele estranhou aquela
visita em horário tão inoportuno, mas ainda assim resolveu abrir a porta e ver
do que se tratava.
Era Raimundo Ribeiro
da Silva (aka “Lobo”, hoje dono da boate Remulo’s e de dezenas de casas de
strip-tease), na época um sujeito tarimbado na arte da sinuca e que dela fazia
seu ganha-pão.
– Seu Nagib, eu preciso
falar urgente com o Compadre Louro. Ele está aí?... – disparou ele, sem
esconder o nervosismo.
O “Compadre Louro” era
Marco Aurélio, um dos filhos do seu Nagib, outro sujeito também muito talentoso
na sinuca e conhecido nas rodas de malandragem como “Louro do Pezão”.
O velho foi chamar o
filho.
– Meu compadre, pegue
seus tacos de sinuca que nós hoje vamos fazer uma pescaria de espinhel, tarrafa
e malhadeira em Itacoatiara, onde o dinheiro está caindo no chão. Hoje é dia de
pagamento das serrarias e a peãozada de lá gosta de uma sinuca valendo
dinheiro. O nosso trabalho vai ser só ir lá e ajuntar a grana do chão... – avisou
Lobo.
Dois outros amigos de
Lobo e também verdadeiras feras na sinuca, Osvaldo Cabeludo e Franklin, já
aguardavam ansiosamente dentro do carro pelo quarto elemento.
Marco Aurélio pegou
sua caixa de ferramentas e fez uma única exigência:
– O primeiro filho da
puta que me chamar de Louro do Pezão, eu vou quebrar o taco de sinuca na
cabeça...
Seus parceiros
concordaram e eles se mandaram para a Velha Serpa.
Os quatro forasteiros
ficaram hospedados na Pensão São Jorge, um muquifo caindo aos pedaços,
localizado perto da Rodoviária, e depois foram bater pé pela cidade.
Em uma das ruelas perto
da pensão, eles descobriram o Bar do Baiano, que possuía uma mesa de sinuca
tradicional, conhecida também como “Bola 7”, em que as bolas são numeradas pela
cor na seguinte ordem: vermelha (1), amarela (2), verde (3), marrom (4), azul
(5), rosa (6) e preta (7).
Uns 20 capiaus
itacoatiarenses estavam disputando a dinheiro a modalidade conhecida como “31”:
ganha quem faz 31 pontos primeiro ou perde quem “estourar” os 31 pontos.
Osvaldo Cabeludo
entrou na mesa e ganhou 20 partidas seguidas.
Aí, passou o taco para
Marco Aurélio, que também ganhou mais 20 partidas seguidas.
Marco Aurélio passou o
taco pra Franklin, que também ganhou mais 20 partidas seguidas.
Os capiaus,
desconfiados de que estavam enfrentando Lúcifer, Satanás e Belzebu em pessoa, resolveram
puxar o carro antes que perdessem até as cuecas.
Com o dinheiro
apurado, Lobo, que era o empresário da trinca, alugou um jipe Willys e levou
seus “atletas” para o famoso lupanar Cacuruta, uma das glórias de Itacoatiara.
Ele arrendou todas as 47
prostitutas do pedaço, exigiu que elas não arredassem o pé de sua mesa e pagou
biritas e tira-gosto pra quem estivesse por perto.
Farrearam até o dia
amanhecer.
A pescaria de espinhel,
tarrafa e malhadeira estava apenas começando.
No sábado, o quarteto
voltou ao mesmo bar.
Uns 30 capiaus estavam
disputando o tradicional jogo “Bola 7”, em que as bolas devem ser mortas na
sequência (da vermelha à preta).
Nessa modalidade, a
partida termina com a vitória de um jogador se ele fizer 61 pontos ou se houver
uma diferença de pontos conforme abaixo:
Diferença de 46 pontos
entre os oponentes e restam três bolas a serem encaçapadas.
Diferença de 27 pontos
entre os oponentes e restam duas bolas a serem encaçapadas.
Diferença de 7 pontos
entre os oponentes e resta uma bola a ser encaçapada.
Foi quando, de
repente, entrou no bar o vereador Tadeu, considerado o melhor jogador de sinuca
de Itacoatiara e um dos comerciantes mais ricos do município, portando sua
própria caixa de ferramentas.
Ele olhou de soslaio
para a mesa, abriu a caixa de ferramentas, escolheu um taco e foi logo
avisando:
– Estou na próxima
partida e pago dois por um. Quem a apostar 50 e me ganhar, eu pago 100...
Dito isso, Tadeu
atarraxou seu taco de sola francesa, passou giz azul na ponta do taco e, em
meia-hora de peleja, já havia derrotado todos os capiaus do recinto.
Osvaldo Cabeludo ficou
impressionado com o jogo de Tadeu, dono de uma técnica esmerada e perfeito
toque de bola, principalmente nas “puxadinhas”.
Franklin também
começou a suar frio, depois que viu Tadeu matar uma bola usando três tabelas e
um primoroso efeito contrário na descaída.
Vendo o nervosismo de
seus dois “atletas”, o empresário Lobo sugeriu que Marco Aurélio, o mais
experiente da turma, enfrentasse o campeão local.
As duas feras
começaram a se pegar e os capiaus presentes concordaram em apenas assistir às
partidas.
Como o vereador Tadeu
apostava valores cada vez mais altos, Lobo começou a se empolgar com aquela
verdadeira pescaria de espinhel, tarrafa e malhadeira, e resolveu encher a
caveira de birita.
Pelos seus cálculos, a
pescaria iria render, no mínimo, uns 50 mil reais (em valores de hoje) porque o
vereador era marrento e estava jogando no seu próprio campo, diante de sua
própria torcida.
Quando o placar das
partidas estava em 7 a 2 para Marco Aurélio, Tadeu ficou com o diabo no couro
e, na décima partida, saiu encaçapando uma bola atrás da outra.
Ele passou a bola rosa
porque quis fazer gaiatice.
A bola estava a um
palmo da caçapa, pedindo um tiro direto e o final da partida.
Tadeu meteu uma rosca
transversa com quatro tabelas e apenas raspou levemente na bola rosa.
Rindo
estrepitosamente, ele não se deu por achado:
– Caralho, como é que
eu fui passar logo uma bola besta dessas?... Anda bem que meu adversário já
está fodido... – bazofiou.
Na vez de Marco
Aurélio jogar, só restava duas bolas na mesa (a rosa e a preta) e a diferença
era de 26 pontos para Tadeu.
As duas bolas estavam
distantes uma da outra.
Marco Aurélio enfiou
um repinique gregoriano e matou a bola preta (uma jogada de risco, pra não matar
a bola da vez).
A bola preta voltou
pra mesa.
Marco Aurélio meteu um
efeito contrário, matou a bola rosa (a bola da vez) e já ficou posicionado estrategicamente
para matar a bola preta.
Aí, meteu uma crivela
em zig-zag e matou a bola preta (jogada de bonificação por ter morto antes a
bola rosa).
A bola preta voltou
pra mesa.
Tadeu simplesmente não
acreditava no que estava vendo.
Os capiaus, contritos,
silenciosos, alguns rezando em voz baixa, pareciam estar em um velório.
De repente, Marco
Aurélio fez uma tacada de segurança só pra desmoralizar o oponente: meteu uma
puxada enviesada, que fez a bola preta ficar colada na mesa enquanto a bola
branca foi parar quase dentro de uma caçapa longitudinal à bola colada.
Pra quem não manja de
sinuca, a puxada consiste em um movimento anormal da bola branca, forçado por
giro contrário ao rolamento natural dela, que provoca tendência de retorno em
direção contrária à original e altera sua trajetória natural após o contato com
a bola visada.
Tadeu ficou no famoso
“pé de bucho”, primo próximo da “sinuca de bico”: pra acertar na bola colada,
só usando o recurso da tabela.
Ele conseguiu fazer a
jogada correta e descolou a bola preta da mesa.
Marco Aurélio só teve
o trabalho de encaçapar a última bola e ganhar a partida, após realizar com
maestria e frieza o famoso “golpe do 27”.
Empolgado com a reação
de seu “atleta” e completamente gorozado, Lobo não se conteve e gritou em voz
alta, pra todo mundo ouvir:
– Porra, Osvaldo
Cabeludo, mas a gente tem de tirar o chapéu: esse Louro do Pezão é foda! Esse
Louro do Pezão é foda! Eu não te falei, Franklin, que o Louro do Pezão é foda?
Ouvindo aquilo, o
vereador Tadeu parou de arrumar as bolas para dar início a uma nova partida, se
aproximou de Marco Aurélio e disparou à queima-roupa:
– Caralho, você é o
Louro do Pezão?! O cara que derrotou Rui Chapéu, Carne Frita e Miguelzinho?! Vai
te foder, porra, você é jogador profissional...
Antes que Marco
Aurélio abrisse a boca, Tadeu já estava desatarraxando o próprio taco para
guardar na sua maleta e dando um aviso fúnebre aos capiaus:
– Se vocês quiserem
perder até as cuecas, joguem com esse homem... Só lhes digo isso: joguem com
esse homem...
Aí, foi embora do bar,
cuspindo fogo.
Os capiaus fizeram o
mesmo.
Em quinze minutos, a
cidade inteira já sabia que o famoso Louro do Pezão, campeão de sinuca da Red
Zone de Manaus, estava em Itacoatiara procurando patos.
Os forasteiros
começaram a ser tratados como verdadeiros leprosos nas poucas mesas de sinuca
existentes na Velha Serpa: bastava eles entrarem no bar pra todo mundo ir
embora.
A promissora pescaria
de espinhel, tarrafa e malhadeira “micou” no mesmo dia.
O jeito foi o quarteto
levantar acampamento e retornar pra Manaus.
Puto da vida, Marco
Aurélio só não quebrou o taco de sinuca na cabeça de seu velho compadre Lobo
porque ele estava tão bêbado que nem ia saber o que havia acontecido.
Mas os dois passaram
umas três semanas sem se falar.
Um comentário:
Porra Simao, vamos atualizar o blog, suas historias sao legais, vc nao pode deixar seus leitores na mão.
Postar um comentário