Rafael Galvão
Uma campanha diferente foi deflagrada semana passada no
Brasil, seguindo os moldes de campanha semelhante nos Estados Unidos. É uma
resposta à declaração de Mike Jeffries, dono da marca Abercrombie & Fitch,
de que não faz roupas para gordos porque quer apenas gente descolada e
invejável usando seu produto.
Para mostrar o quão inadequadas as pessoas consideraram
essas declarações, grupos nos EUA e aqui resolveram doar roupas da marca para
mendigos, em protesto à discriminação e ao preconceito de Jeffries.
Essa campanha é uma das coisas mais idiotas e hipócritas que
vi em muito tempo, e é prova cabal da imbecilidade generalizada neste início de
século.
Seu problema central é que a Abercrombie & Fitch tem o
direito de focar seu produto no target que quiser. Se não quer vender para
gordos, problema dela. Mas ela só faz isso — abdicar de um nicho em crescimento
rápido e constante — porque funciona, porque é assim que o rebanho age: ele
está disposto a pagar um ágio bem razoável por uma simples imagem, e nada mais
que isso.
O erro do dono da Abercrombie não foi ser canalha — até
porque não fazer roupa para gordos não é canalhice, é opção de mercado, assim
como não é canalhice da Chanel não fazer roupas para pobres. Seu erro foi
explicar a lógica do que faz. Numa sociedade cada vez mais hipócrita, que
transforma uma alucinada como a Angelina Jolie em heroína, você pode fazer o
que quiser, desde que não assuma publicamente.
A Abercrombie & Fitch não é uma grife de preços
excessivamente exorbitantes. Segundo dizem, suas camisas custam em torno de 80
reais. São caras para o que realmente valem, mas não são inacessíveis (parece
ser, por exemplo, a marca preferida do bom Nissim Ourfali – que é magro). É uma
roupa para a classe média metida a besta. Mas isso é o beabá da propaganda:
posicione bem o seu produto, faça-o parecer melhor do que é, e eles virão até
você.
O posicionamento da Abercrombie & Fitch é válido do
ponto de vista do mercado. Funciona porque entende o comportamento da
humanidade. Mas as mesmas pessoas que compram, ou gostariam de comprar, suas
roupas por serem pretensamente elitistas não admitem que ela assuma sua
postura, porque isso as forçaria a admitir que esses também são os seus
valores.
Em vez de protestar, as pessoas deviam era procurar entender
o que faz a marca se posicionar dessa forma, esnobando a legião de gordinhos
que atravancam as filas do McDonald’s, e entender o que as faz desejar uma
camiseta comum com uns retalhos costurados em cima. Mas é difícil que façam,
porque não iam gostar muito das conclusões. Assim como Mike Jeffries, elas
também querem roupas que não sirvam em gordos e que façam delas,
automaticamente, pessoas mais “cool” do que jamais conseguiriam ser sem ajuda.
É por isso que tem coisas na vida que a gente simplesmente não deve falar: este
é um século que recompensa a hipocrisia e pune a honestidade.
Mas é a campanha em si, nascida nos EUA, que me incomoda —
ao resto já estou me acostumando, anos exposto ao Facebook me acostumaram a
esse macaquear impostor. Me incomoda não apenas porque esse pessoal não passa
muito de um bando de idiotas fúteis que se mobiliza para brigar com uma marca
direcionada a gente que se pretende bonita, magra e rica e, portanto, ignorada
pela grande maioria da humanidade. Mas porque a própria ação é ainda mais
elitista que a Abercrombie & Fitch.
O foco aqui não é o bem-estar desse pessoal que está no
extremo oposto do público-alvo da marca: é só protestar contra o posicionamento
assumido por ela, diminuindo seu valor ao associá-la a mendigos. O recado é
simples: “Vocês não são ‘cool’ porque mendigos vestem suas camisas. Mendigos,
ora. E isso me faz mais ‘cool’ que vocês”
Pelo preço que se compra uma camisa da Abercrombie &
Fitch o sujeito que está fazendo essa campanha poderia comprar alguns cobertores
para proteger os mendigos paulistanos no frio que se aproxima. Era isso que o
faria melhor que o Mike Jefrries, não um protesto que humilha seres humanos
destituídos, utilizando-os apenas para desvalorizar uma marca de roupas.
Isso é o mais triste nesse protesto: esses assim chamados
militantes, com sua “ira justa” de classe média estultificada, dão mais valor à
marca que à dignidade das pessoas. Mas quem está preocupado com eles? Mendigos
não são tão importantes quanto uma marca que não gosta de gordos, nem quanto a
mídia gratuita que se pode conseguir às suas custas. Mas pelo menos agora eles
dormem na rua vestindo uma camisa da Abercrombie & Fitch.
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