Por Ruy
Castro
É engraçado
chegar de noite ao terraço do apartamento, contemplar a areia iluminada lá em
baixo e lembrar que, no passado remoto, à luz apenas de um quarto-minguante,
aquele naco da praia do Leblon fora o palco de dois ou três ardentes encontros
amorosos num Rio ainda sem motéis. E, mesmo que os motéis já existissem, quem
tinha cacife para frequentá-los? Não um garoto de 18 anos em 1966.
Namorar na
praia era quase um ménage à trois entre o rapaz, a moça e a areia, embora eu
não tenha nenhuma recordação dolorosa daquelas pequenas noites de loucuras ao
ar livre. Ao contrário. Apesar da pressa, do medo do guarda e da sensação de proibido
– ou por isso mesmo –, a volúpia e plenitude ao fim de cada sessão eram
avassaladoras.
Os anos
seguintes foram generosos em termos de conforto para esse esporte. Já não era
mais preciso recorrer a escapadas noturnas em praias desertas (exceto uma vez
ou outra e por vontade própria, para desafiar o perigo) ou à beira de estradas,
sob a proteção de manguezais. O mar é tremendamente excitante, e mais ainda à
noite, quando o sal e o iodo parecem penetrar por cada poro. O marulho compõe
uma trilha sonora morna e úmida e tudo isso a distância, vindos das
profundezas. Ou talvez tudo isso seja uma ilusão auditiva e esses ruídos
estejam sendo produzidos por nós mesmos ou pelos estranhos animais marinhos que
nos invadem nesses momentos.
Nada disso
me passava pela cabeça aos 5 ou 6 anos na praia do Flamengo, então limitada a
uma humilde nesga de areia na altura das ruas Paissandu e Barão do Flamengo,
muito antes do aterro que construiria a praia artificial. Um paredão separava a
praia da rua e, para mim, o universo feminino se limitava às primas pouco mais
velhas, em seus maiôs inteiros e adolescentes.
Um dia, no
futuro próximo, os horizontes se abririam a revelariam Copacabana, onde
descobrir que o universo feminino era habitado por milhares de espécimes do
gênero, e seus maiôs deixavam entrever um vasto território de pele entre as
partes de cima e de baixo. (Hoje, um daqueles duas-peças conteria tecido para
fabricar pára-quedas, mas é incrível como a imaginação dos garotos conseguia
torná-los sumários.)
Infelizmente,
cheguei tarde para a glória de Copacabana, que já tinha se dado nos anos 40,
quando Millôr Fernandes e sua turma estavam inventando o frescobol. Também
perdi o auge do Arpoador, 1955-65, onde super-homens caíam n’água e voltavam
com monstros de grandes guelras espetados nos arpões, para gáudio de moças tão
livres e avançadas que, quando seus relógios marcavam uma hora da tarde, ainda
era 1931 no resto do país.
Aqueles eram
os domínios da bela Ira Etz, namorada do heart-throb Arduino, e de seus amigos,
íntimos de Rubem Braga, Tom Jobim e do pescador Kabinha. Era também Ipanema e
tudo o que Ipanema representaria na cultura brasileira.
Quando
apareci no pedaço, Ipanema já era a Montenegro – a praia defronte à rua de
mesmo nome, hoje Vinícius de Moraes. Ponha aí fins dos anos 60, com o Brasil
sob a fase braba da ditadura e bunkers sendo construídos na areia para resistir
a ela.
Da
Montenegro, saíram a Banda de Ipanema, Leila Diniz, a revolução sexual, a
Passeata dos Cem Mil e O Pasquim. Era a praia adulta, livre e responsável. Mas
essa cena logo iria mudar. Por volta de 1970, a 300 metros dali, uma armação de
ferro e madeira – um píer, para a construção de um emissário diante da rua
Farme de Amoedo – despertou ondas violentas no mar e atraiu os surfistas.
No rastro
deles, viram as gatas, os hippies, os músicos, os poetas, o fumacê e o ácido,
estes estranhamente tolerados num período de sufocante intolerância: a era
Médici. Enfim, um Woodstock à beira-mar, inclusive com a volta do piolho. Nunca
fui da turma do píer – quando ela começou, eu estava indo morar em Portugal;
quando voltei, em 1975, já tinha acabado. E, a partir de 1977, ela seria
superada pelo melhor ponto de praia que já existira no Rio: o Sol Ipanema.
O qual se
chamava assim não por causa de um recém-inaugurado hotel com esse nome, mas
porque, tipo espigão, o prédio era uma referência fácil. O Sol, perto de onde
fica o Posto 9, foi o palco da pacificação nacional. Ali, no verão de 1979, a
abertura política que se ensaiava tornou-se ampla, geral e irrestrita, com a
anistia, a volta dos exilados, a tanga de Gabeira, o topless e a “amizade
colorida”. Tudo sob as bênçãos do psicanalista Eduardo Mascarenhas, que
libertou a alma dos cantores, atrizes, cineastas, socialites, diretores de TV e
jornalistas habitués do Sol, para que seus corpos abusassem do prazer sem
culpa.
Eu estava
lá. E, se você quiser saber, não tenho saudade de nada. Não ficou nada sem
fazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário