Por Antônio Maria
Amanhece, em Copacabana, e estamos todos cansados. Todos, no
mesmo banco de praia. Todos, que somos eu, meus olhos, meus braços e minhas
pernas, meu pensamento e minha vontade. O coração, se não está vazio, sobra
lugar que não acaba mais. Ah, que coisa insuportável, a lucidez das pessoas
fatigadas! Mil vezes a obscuridade dos que amam, dos que cegam de ciúmes, dos
que sentem falta e saudade. Nós somos um imenso vácuo, que o pensamento ocupa
friamente. E, isso, no amanhecer de Copacabana.
As pessoas e as coisas começaram a movimentar-se. A moça
feia, com o seu caniche de olhos ternos. O homem de roupão, que desce à praia e
faz ginástica sueca. O bêbado, que vem caminhando com um esparadrapo na boca e
a lapela suja de sangue. Automóveis, com oficiais do Exército Nacional, a
caminho da batalha. Ônibus colegiais e, lá dentro, os nossos filhos, com cara
de sono.
O banhista Orlandeli, gordo, de pernas brancas, vai ao mar
cedinho, porque as pessoas da manhã são poucas e enfrentam, sem receios, o seu
aspecto. Um automóvel deixou uma mulher à porta do prédio de apartamentos —
pelo estado em que se encontra a maquillage, andou fazendo o que não devia. Os
ruídos crescem e se misturam. Bondes, lotações, lambretas e, do mar, que se
vinha escutando algum rumor, não se tem o que ouvir.
Enerva-me o tom de ironia que não consigo evitar nestas
anotações. Em vezes outras, quando aqui estive, no lugar destas censuras, achei
sempre que tudo estava lindo e não descobri os receios do homem gordo, que vem
à praia de manhã cedinho. E Copacabana é a mesma. Nós é que estamos burríssimos
aqui, neste banco de praia. Nós é que estamos velhíssimos, à beira-mar. Nós é
que estamos sem ressonância para a beleza e perdemos o poder de descobrir o
lado interessante de cada banalidade. Um homem assim não tem direito ao
amanhecer de sua cidade. Deve levantar-se do banco de praia e ir-se embora,
para não entediar os outros, com a descabida má-vontade dos seus ares.
Rio, 12/09/59
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