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terça-feira, agosto 04, 2009

Paco Cac, o pulso insubmisso da cidade


Parceiro do saudoso e querido Samaral na seminal revista poética Urbana, meu brother Paco Cac foi curto e grosso a respeito de um toque dado aqui neste mocó: “Salve, Simão! Estou vivo e atuando. Veja no Google.”

É verdade. Nos últimos anos, Paco Cac tem percorrido o Brasil de cabo a rabo exibindo a mostra “Revistas de Poesia”, de seu arquivo pessoal, que refletem a diversidade dos projetos poéticos surgidos nos últimos 50 anos.

Ele também anda encenando com sucesso o mini-show “O Menor Espetáculo da Terra”, uma audição realizada em sete minutos para sete pessoas, com poemas de Torquato Neto, Samaral, Sousândrade, Ferreira Gullar, Nelson Cavaquinho, kzé e Paulo Leminski.

O poeta Paulo Cezar Alves Custódio (aka Paco Cac) nasceu no Rio de Janeiro, em 1952. Formado em Letras pela UFRJ, é professor de Literatura Brasileira e Portuguesa do CESB (Centro de Ensino Superior do Brasil), em Vaparaíso de Goiás (GO). Foi diretor da revista literária Gandaia (RJ, 1976-80) e co-editor da Urbana (1985-91).

Autor dos livros de poesia Ajustes de contas (RJ, 1977), O Pacífico é sempre Atlântico (Belo Horizonte, 1984), Coleção Primavera Verão de Poesia (RJ, Tapete Verde Edições, 1988), Pacto de palavras (Santos, 120 exemplares numerados, ilustração Sonia Cruz, 1993) e Pulso (Brasília, 2004), ele continua mais estradeiro do que nunca.

“Paco viveu tudo. Paco morreu tudo. Trinta anos, ou mais, de estrada. Todas as andanças, todas as paragens. Sofregamente. Paixões, náuseas, esperanças, vertigens. As suas e as nossas. Do corpo e do tempo. Mas, depois de tudo, o que fica não é a saciedade, a consciência aplacada, não é a pretensa sabedoria do vivido. Não é a maturidade. Em Paco, não. Depois de tudo, o que brota é a inocência. É uma outra inocência. (...) “Áspera e macia, / fenda de sol e frescor / Sobre o pilar.” / É a inocência (não ingênua: lúcida) que percorre, ainda e sempre, a bela Guanabara, sua e nossa, com um olhar inaugural, capaz de surpreender, por entre “mangues e palácios”, em meio às “vozes do fim”, o pulso insubmisso da cidade, “os sons de toda paz que se faz” – o perene “hino das manhãs”. Só um eterno suburbano como Paco poderia subir, como ele sobe, o outeiro da Glória e de lá do alto fazer a “deus dos céus”, como ele faz, uma belíssima prece pagã” (Luiz Dulci)

PS: Quem também deu sinal de vida foram as divas Marise Pacheco e Clotilde Tavares. Falo delas outro dia.


Alguns poemas do Paco Cac


passado são sílabas
versos múltipla unidade
passadas palavras
passando essas páginas viradas.

passeio com a saliva
passo com a língua molhada

linha-folha-pele
gestos marcam a lembrança
dessa hora e mais nada.

***

rogo a deus dos céus
que tudo caia sobre mim
raios, fragmentos de meteoros e fonemas
trovoadas, maremotos e outros troços

rogo a deus dos céus
que tudo venha contra mim
novenas, cavalhadas e poemas
nuvens de gafanhotos e às centenas
estrondo de tambores carnavais

***

Xico Chaves e Aimbarê

e lá foi o amigo
cavalgar nuvens
gargalhar raios
falar trovões
trepar estrelas.

nos deixando a ver navios
com o coração na boca
cara de besta, numa tarde cinza
esquina da Rua Real Grandeza.

se foi a beber e bebe e beer e doa.

***

garça sem asas
pluma nenhuma
ruínas a 100 quilômetros por hora
o bonde Alegria trilhando a Rua Bela
trem metropolitano rumo à Estação Estácio
o tiro passa, vírus que se alastra
farelos de Marte

***

palavra (a)bru(p)ta.
palavra em riste
passarinho que chora
letras são seu alpiste.

***

levo na bagagem
a camisa volta ao mundo
já puída que me deste nos anos 60
e o destino que escolhi:
detalhe que ninguém olha
caçador de coisas utópicas
mas guarde esses demorados beijos
junto da sua vitrola
vinho e tubo de cola
porque daqui a pouco
os sonhos podem se descolar da razão

***

escrevo porque é preciso
como um tiro
balido de cabrito
atrito
contrito
ruínas e ruídos
antigo mal dito repetido
todo silêncio neste grito

***

essa dor
é um desejo
febre, tiro certeiro

dia sem ritmo
noite perdida
estrela sem rumo

esta dor não tem defeito
meio Morse
dessegredo

***

que venha o sono
que venha a treva
essa coisa súbita, essa coisa eterna.

que venha o hino das manhãs
cega luz

apocalipse no quarto

***

silêncio,
sabiá nada aqui deixou
como se fosse à falta de um abraço
imagens fluidas, vozes no calcanhar
miudezas na cômoda
pernas na sala bebendo um chá
soletro momentos
a palavra assassina


***

voz
solta aos borbotões
ligeira e fraca
voz que nos eleva
voz que nos esmaga

voz
tateia o silêncio
escurece a parede
embaça o espelho
pede paz


voz
mil vezes algoz
que ora, chora
despede-se de nós


***

abarrotado de sol e cansaço
desço a Rua do Catete
este século minúsculo me acompanha
um homem é levado à sua sepultura
outro caminha com sua textura

tráfego de olhos o acompanha
retrato de olhos na memória
moedas, maço de cigarros.
um bigode de São Jorge

tarde que se desdobra
a rua coleciona suas histórias.

***


vem de lá o rastro,
flâmulas, velas
e das caravelas eis a sobra:

vem de lá, além-mar e aqui a terra
de lá minh'alma, resíduo Árabe-Lusitano

mas esta terra não tem mar
só tem mangue
eterna rota de ratos

esta terra não tem mar
sempre foi banhada pelo sangue.


***

janela para Montes Claros
porta para Paracatu
estrada para Brasília
e muitas terras para Unaí

outros tornos para João Monlevade
zonas da mata para Juiz de Fora
outra pastelaria para Santos Dummont
canaviais sob Ponte Nova

cheias do Rio Grande para Barra
São Francisco para Xique-Xique
Ibotirama, Oliveira dos Brejinhos
Lamarca e suas balsas

grileiros, pistoleiros e fazendeiros
sindicatos, sem terras e pastorais
com Elói Ferreira da Silva na memória


***

algo que lateja
bela menina que flora
cabelos de outras eras
forma que fecunda
vestido de amarelas imagens
como a fera que ruge
áspera e macia
fenda de sol e frescor
sobre o pilar

3 comentários:

Anônimo disse...

Querido irmão Simão, fico-lhe grato pela divulgação do nosso trabalho. Me dê um endereço para lhe enviar meus últimos trabalhos. Publiquei um livro sobre revistas literárias, gostaria de lhe enviar. Luz e esperança . Luta e prazer.
sempre
paco cac

Eliana BR disse...

Gostaria de fazer contato com Paco Cac, que conheci no Rio no fim dos 70. gostaria de adquirir seu livro sobre as revistas literarias da época. Sei também que ele possui uma talvez unica coleçao de posters da época que nao sei se transformou em livro.
Agradeço antecipadamente pelo contato.
Eliana Bueno

Helena Ortiz disse...

Caro Simão,
estava procurando algo sobre Paco e encontrei seu blog. parabéns. uma bela homenagem. Paco era assim mesmo, do mundo. Dele e dos outros. E não podia ser de outro jeito. Ele só era se fosse misturado. Não podia ser só. Não podia ser triste. Havia um compromisso nele, o de ser, integralmente.
Parabéns também pela seleção de poemas, que me deixou mais perto dele. Eu, que cheguei tarde mas me alimentei dessa inocência, que vem a ser força.
Obrigada
Helena

www.integradaemarginal.blogspot.com