Com 15 anos de idade, Nego Walter começou a trabalhar como office-boy do empresário José Miguel Loureiro (aka “Zecão”), representante na cidade da empresa Peika, do Panamá, que distribuía os produtos Sanyo e Nivico na Zona Franca de Manaus.
Apelidado de “Pelé” pelo empresário, Nego Walter logo se
tornou uma espécie de bigorrilho da família, dando expediente tanto na loja de
importados como na residência de Zecão e dona Perpétua, localizada no conjunto
Jardim Haydéa.
É que os filhos do empresário, Zé Miguel e Patrícia, de três
e dois anos, respectivamente, simplesmente ficaram fascinados com aquele
crioulinho esperto que lhes fazia todos os gostos e vontades.
Em setembro de 1975 (uns 15 anos depois da “adoção” do
bigorrilho), Zecão chamou Nego Walter em seu escritório e cantou a pedra.
– Pelé, amanhã você vai lá em casa e faz uma capinação geral
no quintal que eu vou ampliar a residência. Tem uns jarros gigantescos, que já estão
dando mato, você quebra e joga fora. Tem uns pés de pimenta de cheiro e outros
de pimenta malagueta. Você corta e joga fora. Tem um ou dois pés de abacate.
Você corta e joga fora. Enfim, mete a enxada e o terçado com vontade, que eu
quero ver aquele quintal limpo, sem um arbusto pra fazer remédio...
Bem mandado toda vida, Nego Walter chegou de manhã cedo à
residência do Zecão.
O empresário já havia saído pra trabalhar.
Os dois adolescentes, Zé Miguel e Patrícia, haviam ido pra
escola.
Na casa, apenas dona Perpétua e as empregadas.
Nego Walter contou a razão de sua presença no recinto, abriu
seu saco de ferramentas e botou pra quebrar. Literalmente.
Munido de uma marreta, ele quebrou os três jarros
gigantescos, colocou o entulho num carrinho de mão e despejou diante da
residência.
No terceiro carrinho de entulho que estava descarregando no
mesmo local, foi abordado por um hippie trajando um surrado macacão Lee:
– Escuta aqui, bicho, não me leve a mal, mas eu posso levar
essas plantas para fazer um chá?... – indagou o sujeito, apontando para uma
espécie de erva daninha misturada com terra preta, oriunda dos gigantescos
jarros quebrados.
Nego Walter deu de ombros.
O hippie abriu os dez bolsos do macacão Lee e começou a
enchê-los com o mato.
Por volta do meio dia, com o serviço já pela metade, o
adolescente Zé Miguel entrou em casa, vindo da escola, e foi direto ao quintal,
sem sequer tirar a farda do colégio.
Ele mal cumprimentou Nego Walter e já começou a andar pelo local,
apreensivo, procurando alguma coisa.
Sem dizer nada, Zé Miguel foi embora e retornou, cinco
minutos depois, acompanhado de sua irmã Patrícia e de um amigo da rua,
Paulinho, filho do ex-prefeito Paulo Nery.
Os três continuaram procurando alguma coisa no quintal,
deixando o Nego Walter cada vez mais cabreiro.
Zé Miguel entrou em casa novamente, deu um telefonema e, dez
minutos depois, chegaram seus primos, os gêmeos Paulo (aka “Barão”) e Carlos, filhos
do também empresário Fernando Loureiro, irmão do Zecão.
Os cinco adolescentes estavam agora beirando o desespero,
enquanto continuavam na sua busca frenética, porém silenciosa.
– Porra, meu, cadê a nossa mina? Cadê a nossa mina? – gemia Paulo
Barão, sem esconder o nervosismo.
Alheio a tudo e a todos, Nego Walter estava dando cabo do pé
de abacateiro quando foi surpreendido por um rapaz bem apessoado, de cabelo nos
ombros, calça Lee desbotada, camisa Hang Ten e bota de vaqueiro.
Era outro primo de Zé Miguel, Fernando Loureiro Junior (aka “Peninha”),
que foi direto na jugular:
– Porra, Negão, onde foi que você escondeu os nossos pés de
maconha?...
Nego Walter tomou um susto.
– Pés de maconha? Não conheço esse mato e nem sei do que o senhor está falando...
– explicou.
– Êi, Negão, deixa de onda! – reagiu Junior Peninha. “Eu sei
que você também faz a cabeça, então não vem de papo furado pra cima de mim, que
não cola. Aquela maconha era importada da Holanda, caralho, não era essa palha
que tu aperta, não. Dizaê, porra, onde é que estão os nossos jarros com os pés
de maconha? Porra, Negão, não vem com sujeira pra cima de mim, que tu vai se
dar mal...”
Foi um cu-de-boi Nego Walter explicar o sucedido.
Nem bem escutaram a história, os moleques saíram em
disparada para o local onde ele havia despejado os entulhos, mas o hippie tinha
sido mais rápido.
Nego Walter foi excomungado pelos adolescentes até a quinta
geração.
Um comentário:
Hei Simão, me amarrei nessa prosa (que onda meu!) e na máquina Nikon, que no clique postado, decora com garbo a mesa onde o Walter (manja a intimidade) está ocupando.
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