Maio de 1997. Poucos meses depois de fazer bonito na
reeleição, em que entregou dezenove votos para ajudar o governo a aprovar a
emenda que permitiu a Fernando Henrique Cardoso disputar um segundo mandato em
1998, o governador Amazonino Mendes viajou para a Ucrânia.
Oficialmente, ele ia observar de perto as usinas movidas a
gás existentes naquele país para, posteriormente, fazer um acordo de tecnologia
visando à reconversão das usinas termelétricas de Manaus para aproveitamento do
gás de Urucum.
Na realidade, Amazonino estava fugindo dos holofotes da
mídia depois de ter aparecido como homem da mala no balcão da reeleição,
apontado por dois deputados acreanos (João Maia e Ronivon Santiago) que
venderam seus votos por R$ 200 mil, conforme matéria publicada no jornal Folha
de S. Paulo.
Durante uma parada técnica em Estocolmo, na Suécia, o
governador ficou impressionado com a versatilidade de um militar aposentado chamado
Climério Johansson, encarregado pela embaixada brasileira de ser o intérprete da
delegação amazonense na terra dos vikings.
Quando partiu para a Ucrânia, Climério já havia sido
incorporado à comitiva do governador como Assessor Estratégico de Assuntos
Internacionais, em virtude de falar fluentemente inglês, francês, alemão,
espanhol, eslavo, sueco, finlandês, russo, mandarim, japonês e javanês.
De volta a Manaus, o versátil Climério Johansson se
transformou no assessor mais poderoso do governador Amazonino Mendes,
despertando uma ciumeira geral no resto do secretariado (aliás, o Negão sempre
incentivou alegremente esse fogo amigo em todas as suas administrações).
Um dia, Climério chamou a Manaus o artista plástico parintinense
Jair Mendes e lhe incumbiu de fazer o projeto de uma estátua gigantesca do
índio Ajuricaba, para ser erguida exatamente no Encontro das Águas.
Única exigência de Climério: a estátua teria que ser vista tanto
da frente da Ponta Negra quanto da frente do Careiro da Várzea.
Jair Mendes e mais seis artesãos parintinenses passaram um
mês fazendo cálculos de todo tipo até concluírem que, para cobrir aquele imenso
campo visual, o Ajuricaba precisaria ter uma altura mínima de 48 metros (para
simples comparação, o Cristo Redentor tem 28 m).
Eles levaram dois meses para esculpir em madeira uma belíssima
réplica da estátua com 1,60 m (na proporção 30 pra 1) e mostraram o trabalho
para Climério.
O Assessor Estratégico de Assuntos Internacionais vibrou
como um menino: aquele era o mais fabuloso Ajuricaba que ele já havia visto ao
longo dos seus 65 anos de existência.
Climério, Jair Mendes e os demais artesãos cobriram a
réplica com tecido negro e resolveram fazer uma surpresa para o governador
Amazonino Mendes.
Na época, o governador morava na mansão do empresário Otávio
Raman, na estrada do Cetur, lá pras bandas do Tarumã.
Quando chegaram a casa, perceberam que Amazonino Mendes
estava fazendo a sesta pós-almoço, deitado confortavelmente em uma rede de
casal.
Meia dúzia de aspones se distraía espantando os insetos
voadores que teimavam em atrapalhar o merecido descanso do Negão.
Pacientemente, Climério e sua turma esperaram o governador
acordar.
Duas horas depois, Amazonino abriu os olhos e não entendeu
que diabos estava fazendo ali ao lado aquele bizarro embrulho de tecido negro.
Climério entrou macio:
– Meu governador, o senhor se lembra daquele seu sonho
recorrente de fazer um monumento ao índio Ajuricaba exatamente no Encontro das
Águas?...
Antes que o governador abrisse a boca, Climério já foi dando
o cheque mate:
– Pois graças ao talento desses artistas parintinenses, o
seu sonho está muito perto de se transformar em realidade! Isso aqui é uma amostra
proporcional da futura obra-prima!
Aí, descobriu a escultura.
O governador tomou um susto.
Nos seus 57 anos de existência, Amazonino nunca tinha visto
um índio tão fabuloso e imponente quanto aquele Ajuricaba.
A escultura dos parintinenses rivalizava, em beleza,
realismo e harmonia, com a famosa estátua do rei Davi prestes a lutar contra
Golias, esculpida por Michelangelo.
Havia apenas uma pequena diferença: enquanto a escultura do
mestre florentino possui um sexo de dimensões modestas, o Ajuricaba possuía uma
jeba imensa, grossa, cabeçuda, quase alcançando os joelhos.
Detalhe: a sucuriju do tuxaua estava no modo “descanso”.
Amazonino se ajeitou melhor na rede para apreciar a
escultura e fez um único questionamento:
– Ô, Jair Mendes! O Climério disse que isso aí está na
proporção. Quando a estátua original estiver pronta de que tamanho vai ficar
essa jeba?...
– Do tamanho de um poste de cimento de alta tensão,
governador! – explicou o parintinense. “Só que com o dobro da grossura...”
O governador quase caiu da rede.
– Olha, meus amigos, não me levem a mal, mas se a gente
colocar um troço desses no Encontro das Águas, a gente vai virar motivo de
gozação no planeta inteiro...
O sonho recorrente do governador foi sepultado no mesmo dia
e, provavelmente, para sempre.
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