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sexta-feira, dezembro 14, 2012

Nunca fomos tão japoneses



Por Maurício Melo Junior

Fui a um show de Caetano Veloso. No final, na hora do bis, ele veio vindo em direção à plateia, cantando Força Estranha à capela, quando, não mais que de repente, termina o palco e ele despenca. Com uma agilidade impressionante, cai em pé, tomba, mas logo levanta e segue cantando sob o aplauso encantado do público.

Passado o susto, Caetano volta ao palco, aos bastidores.

E assim findou o espetáculo.

Deixe o teatro e voltei para casa, não gastando mais que meia hora.  Nem bem abri a porta já meu filho veio saber como tinha sido a queda de Caetano.

- Como você já sabe disso?

- Acabei de ver as imagens na internet.

Não que eu seja do tempo em que as notícias acontecidas no Rio de Janeiro somente chegavam ao Recife no dia seguinte, via aérea. Quando me dei conta de assistir telejornais já a modernidade havia inventado as transmissões via satélite. Mesmo assim me surpreendo com as urgências da contemporaneidade. 

E surpresa maior é com o vício hodierno de transformar tudo em imagem e logo postar em redes sociais, blogs, youtube, o escambau. Já quase ninguém assiste, mas filma e fotografa espetáculos. E de nada adianta um locutor de voz empostada alertar que é proibido filmar e fotografar, sempre há uns viciados incuráveis.

O fato é que nos transformamos numa imensa gama de japoneses com pequenas máquinas filmadoras e fotográficas à tiracolo.

E assim já não conseguimos viver longe de instrumentos simplesmente impensáveis há alguns anos. A internet virou gênero de primeira necessidade e parece que, paradoxalmente, somente aumentou a incomunicabilidade das gentes. Todos falam de si e pouca importância dá aos outros. Crescemos hoje à sombra imensa do individualismo, um fenômeno que remonta há séculos, mas que ganhou dimensões imensuráveis.

Outro dia, no café da manhã de um hotel, ainda antes das sete horas, uma senhora desancava o estabelecimento. Acontecera um absurdo. Ela ficara até uma hora da madrugada navegando por seus sites preferidos, mas ao acordar, pouco antes das seis, já a internet não funcionava. E ela estava ali, àquela hora, sem ler seus e-mails, sem ler seus jornais, sem fazer sei lá o quê mais.

E já não adiante fugir para os sertões, onde quer que estejamos nos seguem uma multidão virtual.

Jessier Quirino foi vítima disso.

Estava passando por um cafundó nas brenhas mais profundas do Ceará quando foi reconhecido. “O senhor não é o poeta Jessier?”, quis saber um matuto. “Sou eu mesmo”, respondeu o poeta. “Posso fazer uma foto com o senhor?”, “Pode sim, amigo.” E o cabra sacou o celular e se fez fotografar com o ídolo. Examinou o produto e sentenciou: “Ficou muito boa. Vou botar no seu Orkut.” Rápido no gatilho, Jessier saltou de lado: “Bote no seu, cabra, no meu você não vai botar porra nenhuma.”

Hoje um amigo me disse que o Orkut envelheceu, está quase desativado. Parafraseando Caetano Veloso, neste espaço tudo se constrói e já é ruína. Ainda ontem houve uma febre das salas de bate-papo que eram uma inovação de um antigo disk-amizade.

Esta forma arcaica de comunicação dava mais trabalho e era mais caro, afinal o cristão tinha que pegar o telefone, discar um certo número e esperar encontrar pessoas com quem conversar. Naturalmente que isso nem sempre dava certo.

Luiz Berto, convidado a flanar pelos Estados Unidos, resolveu testar o próprio inglês. Ligou para um disk-amizade onde somente se falava igualzinho a Frank Sinatra. Havia um casal conversando e nosso papa entrou na prosa, mas disse apenas uma frase. Foi o que bastou. 

No outro lado da linha o cidadão, em claro português, rebateu: “Fulana, vamos desligar que entrou um Paraíba na linha.” Perdendo sua sacrossanta calma papal Berto bradou: “Paraíba é a puta que o pariu!!!” E nunca mais se arriscou nestas aventuras telefônicas.

Agora até o telefone está se tornando obsoleto. Eu mesmo me enchi de dúvidas diante de uma atendente no balcão de uma telefônica. Precisava trocar meu aparelho celular e parei na primeira pergunta da moça: “O que o senhor espera de um celular?” 

Bom eu achei que ele somente servia para fazer e receber ligação telefônica, mas, diante de tanta modernidade, o bicho talvez seja uma espécie de Osmar Cardoso e eu é que sou mesmo desatualizado.   

O certo é que olhamos as telas plenas de símbolos e signos enquanto a vida, sempre sábia, continua passando sob nossa janela de Maria Antonieta, aquela rainha francesa que perdeu o pescoço ao escrever em seu diário que não acontecera nada em toda França. 

Era 14 de julho de 1789, os revoltosos estavam nas ruas, tinham tomado a Bastilha e iniciado a famosa revolução.

Antenado mesmo me parece ser um cidadão carioca que no Aeroporto Santos Dumont cuida de distribuir as malas no balcão de uma companhia aérea. Involuntariamente ouvi sua conversa com um colega de ofício.

- Cara, essas meninas estão muito por fora. Ontem, num boteco, uma delas me pediu o número do celular. Tive que botá-la no esquema: O que é isso, gata? Me acha no Face.

Modernidade é isso aí.

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