Por Maurício Melo Junior
Fui a um show de Caetano Veloso. No final, na hora do bis,
ele veio vindo em direção à plateia, cantando Força Estranha à capela, quando,
não mais que de repente, termina o palco e ele despenca. Com uma agilidade
impressionante, cai em pé, tomba, mas logo levanta e segue cantando sob o
aplauso encantado do público.
Passado o susto, Caetano volta ao palco, aos bastidores.
E assim findou o espetáculo.
Deixe o teatro e voltei para casa, não gastando mais que
meia hora. Nem bem abri a porta já meu
filho veio saber como tinha sido a queda de Caetano.
- Como você já sabe disso?
- Acabei de ver as imagens na internet.
Não que eu seja do tempo em que as notícias acontecidas no
Rio de Janeiro somente chegavam ao Recife no dia seguinte, via aérea. Quando me
dei conta de assistir telejornais já a modernidade havia inventado as
transmissões via satélite. Mesmo assim me surpreendo com as urgências da
contemporaneidade.
E surpresa maior é com o vício hodierno de transformar tudo
em imagem e logo postar em redes sociais, blogs, youtube, o escambau. Já quase
ninguém assiste, mas filma e fotografa espetáculos. E de nada adianta um
locutor de voz empostada alertar que é proibido filmar e fotografar, sempre há
uns viciados incuráveis.
O fato é que nos transformamos numa imensa gama de japoneses
com pequenas máquinas filmadoras e fotográficas à tiracolo.
E assim já não conseguimos viver longe de instrumentos
simplesmente impensáveis há alguns anos. A internet virou gênero de primeira
necessidade e parece que, paradoxalmente, somente aumentou a incomunicabilidade
das gentes. Todos falam de si e pouca importância dá aos outros. Crescemos hoje
à sombra imensa do individualismo, um fenômeno que remonta há séculos, mas que
ganhou dimensões imensuráveis.
Outro dia, no café da manhã de um hotel, ainda antes das
sete horas, uma senhora desancava o estabelecimento. Acontecera um absurdo. Ela
ficara até uma hora da madrugada navegando por seus sites preferidos, mas ao
acordar, pouco antes das seis, já a internet não funcionava. E ela estava ali,
àquela hora, sem ler seus e-mails, sem ler seus jornais, sem fazer sei lá o quê
mais.
E já não adiante fugir para os sertões, onde quer que
estejamos nos seguem uma multidão virtual.
Jessier Quirino foi vítima disso.
Estava passando por um cafundó nas brenhas mais profundas do
Ceará quando foi reconhecido. “O senhor não é o poeta Jessier?”, quis saber um
matuto. “Sou eu mesmo”, respondeu o poeta. “Posso fazer uma foto com o
senhor?”, “Pode sim, amigo.” E o cabra sacou o celular e se fez fotografar com
o ídolo. Examinou o produto e sentenciou: “Ficou muito boa. Vou botar no seu
Orkut.” Rápido no gatilho, Jessier saltou de lado: “Bote no seu, cabra, no meu
você não vai botar porra nenhuma.”
Hoje um amigo me disse que o Orkut envelheceu, está quase
desativado. Parafraseando Caetano Veloso, neste espaço tudo se constrói e já é
ruína. Ainda ontem houve uma febre das salas de bate-papo que eram uma inovação
de um antigo disk-amizade.
Esta forma arcaica de comunicação dava mais trabalho e era
mais caro, afinal o cristão tinha que pegar o telefone, discar um certo número
e esperar encontrar pessoas com quem conversar. Naturalmente que isso nem
sempre dava certo.
Luiz Berto, convidado a flanar pelos Estados Unidos,
resolveu testar o próprio inglês. Ligou para um disk-amizade onde somente se
falava igualzinho a Frank Sinatra. Havia um casal conversando e nosso papa
entrou na prosa, mas disse apenas uma frase. Foi o que bastou.
No outro lado da
linha o cidadão, em claro português, rebateu: “Fulana, vamos desligar que
entrou um Paraíba na linha.” Perdendo sua sacrossanta calma papal Berto bradou:
“Paraíba é a puta que o pariu!!!” E nunca mais se arriscou nestas aventuras
telefônicas.
Agora até o telefone está se tornando obsoleto. Eu mesmo me
enchi de dúvidas diante de uma atendente no balcão de uma telefônica. Precisava
trocar meu aparelho celular e parei na primeira pergunta da moça: “O que o
senhor espera de um celular?”
Bom eu achei que ele somente servia para fazer e
receber ligação telefônica, mas, diante de tanta modernidade, o bicho talvez
seja uma espécie de Osmar Cardoso e eu é que sou mesmo desatualizado.
O certo é que olhamos as telas plenas de símbolos e signos
enquanto a vida, sempre sábia, continua passando sob nossa janela de Maria
Antonieta, aquela rainha francesa que perdeu o pescoço ao escrever em seu
diário que não acontecera nada em toda França.
Era 14 de julho de 1789, os
revoltosos estavam nas ruas, tinham tomado a Bastilha e iniciado a famosa
revolução.
Antenado mesmo me parece ser um cidadão carioca que no
Aeroporto Santos Dumont cuida de distribuir as malas no balcão de uma companhia
aérea. Involuntariamente ouvi sua conversa com um colega de ofício.
- Cara, essas meninas estão muito por fora. Ontem, num boteco,
uma delas me pediu o número do celular. Tive que botá-la no esquema: O que é
isso, gata? Me acha no Face.
Modernidade é isso aí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário