O eterno playboy Odivaldo Guerra e seu carango da hora
Localizada na Rua Parintins, a Vila Aurora era uma espécie
de cabeça-de-porco pertencente à dona Domingas, mãe da Dorinha, e onde moravam
os homeboys Nonato Índio, Fátima Morcego, Zena e Ruth.
Meus primos Rubem e Maria José Pessoa também moraram lá
durante algum tempo.
Salvo engano, eram quatro conjugados (sala-quarto-banheiro),
dois de um lado, dois do outro, separados por um pequeno corredor, que
terminava em um bonito terreiro na frente de uma casa magnífica, esta
pertencente à proprietária da vila.
Um belo dia, alguns dos homossexuais mais conhecidos da
cidade (Pelé, Astrid, Baleia, Arroz, Mococa, Chiquinha, etc.) foram morar na referida
cabeça-de-porco.
Discretos, educadíssimos, solidários, eles não aprontavam
nenhum tipo de escândalos e eram tratados com civilidade pelos vizinhos.
Só soltavam a franga quando viam aqueles saudáveis
adolescentes disputando animadas partidas de futebol no meio da rua.
De repente, eles começaram a deixar seus afazeres de lado para
assistir às nossas partida e, evidentemente, se apaixonaram por alguns atletas.
Pelé ficou louco pelo Mário Adolfo. O Astrid queria namorar
comigo. Baleia era fissurada pelo Chico Porrada. Mococa morria de amores pelo
Luiz Lobão. Chiquinha paquerava o Heraldo Cacau. Arroz, o mais bonito de todos, paquerava o Rubens Bentes.
Sou capaz de jurar sobre a Bíblia que eu e Mário Adolfo
fomos os únicos a não chegar às vias do fato.
Bosco Fonseca (“Arroz”) e Luiz Gaudêncio (“Mococa”), como
destaques da Tribo dos Andirás
Alguns meses depois, o playboy Odivaldo Guerra chegou à sua
casa no começo da noite e soube pela sua irmã que um dos boiolas da Vila Aurora
havia ofendido sua sobrinha Hedy Lamar, na época uma moleca de 12 anos.
Para provocar ciúmes em uma das bichas, um dos bofes da casa
soltou meia dúzia de gracejos para Hedy Lamar e outras duas garotas da mesma
idade.
As três molecas estavam conversando alegremente em um banco
de madeira do outro lado da rua e nem deram atenção aos gracejos do bofe.
A bicha, entretanto, rodou a baiana.
Ela foi pro meio da rua e, dirigindo-se às três infantes,
pagou geral:
– Vocês não tem o que fazer não, suas putinhas safadas! Querendo
tomar o meu marido?! Vão rodar a bolsinha na Rua Itamaracá, suas piranhas de
uma figa, que esse macho aqui já tem dono! Não estou dizendo...
As três garotas entraram na casa da Hedy Lamar em pânico e
aos prantos, por terem sido espicaçadas daquele jeito sem terem feito
absolutamente nada.
Bia Leite e Hedy Lamar vestidas pra matar, em um baile de carnaval, em 1982
Aos 33 anos, corpo atlético, versado em judô e jiu-jitsu,
campeão de natação e abatedor de lebres em tempo integral, o eterno playboy da
Cachoeirinha era uma flor de pessoa, mas se transformava em um homicida qualificado
quando alguém pisava nos seus calos.
Ofender sua sobrinha favorita, por exemplo, era como se
alguém tivesse feito a ele um requerimento protocolado em três vias para ser
trucidado em praça pública.
Assim que ficou sabendo da história, Guerra estacionou sua
Vespa azul anil, entrou em casa e apanhou um cabo de embreagem, que ele havia encastroado
uma das pontas para se transformar em empunhadura e desfiado a metade da outra
ponta para parecer um chicote de açoite.
Ele enfiou a arma em uma das mãos, atravessou a rua e
começou a bater na porta do primeiro conjugado.
– Para de bater na porta que eu estou ocupada, ignorante! –
berrou uma voz afetadíssima, de dentro da casa.
O eterno playboy não pensou duas vezes.
– Bando de baitolas, aqui quem fala é o Guerra. Eu vou
entrar aí dentro e ensinar vocês a respeitarem as mulheres da Cachoeirinha! –
vociferou.
Dito isso, ele meteu o pé na porta, que, com a violência,
foi bater do outro lado da parede, derrubando mesinha de centro, ventilador,
televisão, petisqueira, bibelôs, o diabo a quatro.
A bicharada entrou em pânico.
O primeiro baitola a tentar sair correndo da casa foi a
esquelética Baleia.
Levou uma lambada de cabo de aço no meio das costas e deu um
grito tão medonho que acordou metade do bairro.
Enquanto Baleia se contorcia de dor no meio da rua, dando
gritos lancinantes que prenunciavam o fim do mundo, Guerra entrou na casa para
terminar o serviço.
Cada lambada que ele desferia alguém uivava de dor e caía no
chão, se contorcendo feito um pião “cangula” e berrando todos os palavrões
imagináveis e inimagináveis contra aquele verdugo sanguinário.
O pandemônio se instalou no conjugado.
Bichas e bofes tentavam sair pelas janelas, mas eram
abatidos em pleno voo pelo implacável Odivaldo Guerra.
Em menos de dez minutos, o conjugado parecia ter sido vítima
de um tsunami, com dezenas de corpos estendidos no chão aguardando
angustiadamente pelo tiro de misericórdia.
Antes de se retirar para sua residência, o eterno playboy
deu um ultimato:
– Amanhã à noite eu vou voltar aqui. Se encontrar ainda um
de vocês, eu vou repetir a dose!
Naquela mesma madrugada, as bichas e os bofes embalaram seus
teréns e tomaram rumo incerto e não sabido.
Os adolescentes da Rua Parintins perderam seus torcedores
mais animados.
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