Gabriella Feola
Ela refletia. Era muito agradecida por ser dessa geração
questionadora. Ainda odiava ter medo de andar sozinha na rua, detestava caras
que pensavam poder ser seu dono, mas ignorava isso e continuava lutando pra
seguir livre, gozando a vida.
Gozar. Ela reinava na cama. Amava o sexo com ou sem
sentimento, se aventurava no que lhe desse na telha e só se preocupava em
esguichar felicidades.
Um dia ela se flagrou tendo arrepios mais fortes e
contrações musculares violentas quando as mãos dele a agarram e a obrigaram ao
próximo movimento. Ele. Ele mesmo, com quem saia há tanto tempo e que sempre
fora tão a favor de igualdades. Depois ela se surpreendia a todo momento,
esperando que o braço dele descesse mais forte sobre a sua carne, em qualquer parte
dela. Queria ouvir sua voz em tom de comando, lhe ordenando coisas sujas. Nem
pedia mais pela força, nem atendia às ordens dele porque queria que ele a
obrigasse.Em último caso, se faltasse a força, levantava a voz para suplicar
que todo o resto não pedisse seu consentimento. Gozava na violência da pequena
morte e acordava achando-se culpada.
Não exatamente culpada. Contraditória. Melhor, vítima. Isso.
Sentia-se contaminada pela cultura do estupro. A torrente de pornôs, O Último
Tango em Paris, A Secretária… então a mídia realmente tinha conseguido
convencê-la que a força masculina diante da submissão feminina é excitante.
Não, a ela não convenceram. Influenciaram sua boceta e seu sistema nervoso
inteiro sem um pingo do seu consentimento. Como podia ela desejar tanto e gozar
tanto ao reproduzir algo que considera repulsivo?
Foi procurando a fundo suas razões, foi se pensando. Era
forte e independente. Nunca gostou de de receber ordens nem reprimendas.
Recorreu aos teóricos. Aliviou-se ao ver que, ano passado, quatro pesquisadoras
publicaram um artigo que respondia a boa parte de seus questionamentos: “qual
era a relação do padrão de comportamento de gênero e a satisfação sexual”.
Segundo a Sanchez, a Phelan, Moss-Racusin e a J. Good, a
conclusão é que a sociedade estabelece um roteiro de comportamento para cada
gênero e que cumprir esse papel determinado não traz prazer sexual. A
realização sensorial seria pessoal e inata, não estaria ligada com o padrão
imposto, mas por acaso, poderia corresponder a este. Veja. O papel de cada um
era o seguinte: os homens devem tomar as iniciativas, guiar (e bancar) os
sexos, enquanto as mulheres, deverão realizar os desejos dos parceiros. Fazia
sentido.
Imagina um pornô comum, sem fetiche. Não, imagine só todos
os pornôs sem categoria do mundo. No roteiro praticamente único deles, a atriz
leva uns tapas, recebe ordens, é conduzida a uma garganta profunda meio forçada
e isso é só básico. Mas, se continuar no normalzão, não vai encontrar um ator
que se submeta a força de nenhuma moça, nem às ordens dela. Isso só tem na
categoria dos sado-masoquistas, com gente vestida de couro, com chicote. O
pornô básico mostra, com um pouco de exagero, os padrões com os que estamos
acostumados no dia a dia. Os papéis existem e influenciam a muitos, definem o
que é normal e o que não.
Mas essa atuação social não dirigirá ninguém a melhores
gozos. Nem homens, nem mulheres. As moças que cumprem seus papeis por inércia
perdem tempo e deixam de explorar e descobrir quais seriam suas verdadeiras
preferências. Acabarão sempre menos satisfeitas do que poderiam e com menos
vontade de uma próxima, decepcionando também o parceiro, que independente de
como gosta, deixa de sentir-se desejado.
Todos saem perdendo. Os homens que adorariam submeter-se
demoram muito mais para realizar suas fantasias, afinal, hesitam em pedir para
serem abatidos, penetrados, receosos de que isso lhes tire a masculinidade. As
parceiras nascidas para dominar também ficam temerosas quando pensam em fazer
deles o que bem quiser sem autorização. Ora, não querem que o moço broche por
se sentir desconfortável naquela situação meio rara.
Agora ela reflete pensando que seu gosto pela dor seria uma
característica inata, como a orientação sexual. Ótimo exemplo! Quando uma
menina nasce gostando de meninas, ela pode até se submeter ao padrão, mas esse
nunca lhe dará completude. Nesse caso, ela percebe que nasceu
maso-hétero-sado-sexual. Mesmo que lhe ensinassem o contrário, ela iria
continuar gostando daqueles dedos pressionando seu pescoço, tentando sem
conseguir lhe tirar o ar.
Submissão. Toda hora repensava essa palavra que se repetia
na definição da sua cabeça e dos livros. Não era de submissão que ela gostava.
Ela não desejava sentir-se inferior ou impotente na cama. Não! Era o contrário.
Ela se sabia forte. O que lhe instigava era a competição. Resistia a penetração
porque queria ver até onde iria a força do companheiro. Era quase como colocar
os outros à prova, testando se eram páreos para ela. A cada tapa que aguentava,
a cada agarrada que não lhe dobrava os joelhos, ela mostrava sua força e se via
causando um certo desespero no outro que suava desesperado para conseguir
alcançar o limite daquela amazona.
Era a sobrevivência o que lhe excitava. Independente da
força com que lhe agarrassem, ela seguiria ali mais viva do que nunca,
transando, gemendo, gozando. Nada lhe tira o prazer e qualquer tentativa só o
amplia. Não havia mais contradição. Não se sentia mais vítima porque sabia que
no fundo, no fundo, era a sensação de seu próprio poder o que lhe disparava o
gozo quando lhe faltava o ar.
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